ANDRÉS SANDOVAL_2018
Roberto vê tevê
Um canal bom pra cachorro
Camila Zarur | Edição 146, Novembro 2018
Os olhos seguem atentamente os movimentos na tevê, as orelhas reagem com sutileza aos sons que o aparelho emite. Sentado no sofá diante da telinha, Roberto, um carioca parrudo recém-saído da adolescência, é todo atenção. O programa mostra cachorros correndo num parque, em imagens de tom alaranjado. A câmera foi posicionada na altura dos animais, de tal modo que os humanos que eventualmente entram em cena só aparecem da cintura para baixo, como num desenho animado. A trilha sonora é agitada, com uma música incrementada por toques de campainha. As imagens não parecem seguir nenhum roteiro, mas Roberto não desgruda os olhos da tela; só se desconcentra quando escuta um barulho na rua ou sente uma coceira atrás da orelha.
Roberto é um vira-lata de quase 2 anos que mora num apartamento de dois quartos na Tijuca, Zona Norte do Rio de Janeiro. Todos os dias ele acorda cedo, dá uma volta com o dono na praça Afonso Pena e volta para casa. Após o exercício, costumava se deitar em algum canto para tirar uma soneca ou brincar com um frango de plástico que tem desde a infância. Isso até que lhe foi apresentado um canal com a programação voltada para cães; desde então, segue direto para a frente da tevê enquanto o dono se arruma para o trabalho.
A rotina mudou em setembro, quando o canal americano Dogtv estreou na grade de uma operadora brasileira de tevê a cabo. A proposta da emissora é distrair cachorros que ficam muito tempo em casa e diminuir a sensação de abandono depois que os donos saem. Com Roberto funcionou: o cão tijucano não saiu de perto da tevê durante o mês em que o sinal esteve aberto ao público – agora os assinantes precisam comprar um pacote adicional.
Não que Roberto seja um telespectador fácil: quando seu dono, o jornalista Thales Machado, participa da bancada do Redação SporTV, uma mesa-redonda sobre futebol do canal temático, o cachorro não dá a menor bola. Só fica alerta no momento em que, durante o Fantástico, o jornalista Tadeu Schmidt exibe o vídeo de uma bela defesa e imita o rosnado de um felino após dizer o bordão “Como um gato!”
Quando a piauí visitou sua casa, poucos dias antes do segundo turno da eleição presidencial, Roberto vestia uma gravata vermelha. “É uma forma de ele se posicionar nesses tempos de polarização”, explicou o dono. O período de degustação gratuita já havia terminado, mas Machado continuava a entreter o cão mostrando vídeos da Dogtv no canal da emissora no YouTube. No que depender dele, Roberto vai ter que se contentar com os aperitivos disponíveis na internet. “Sei que é maldade minha, mas quem vai pagar quase 30 reais por mês para um cachorro ver tevê?”, perguntou.
O canal para cães foi criado por Ron Levi, um nova-iorquino míope de 44 anos radicado em São Francisco que fez carreira como roteirista e apresentador de rádio e tevê. A ideia surgiu depois de ele observar que Charlie, seu gato malhado, se interessava pela tevê quando o aparelho ficava ligado. Sentindo-se culpado por deixar o bichano sozinho e vendo a mesma preocupação em outros donos de cães e gatos, teve um estalo: “Por que não criar um canal com conteúdo feito para animais?”, pensou. Definiu seu público-alvo em função de critérios mercadológicos. “O nicho dos cachorros era imenso”, contou à piauí numa entrevista feita por Skype. “Havia uma necessidade e um mercado, e nenhuma concorrência.”
Para entender como cativar a atenção dos cães, Levi foi atrás de dezenas de estudos científicos que tentavam explicar como eles percebem sons e imagens. “O olfato é o principal sentido dos cachorros”, explicou o diretor. “Como não conseguiríamos fazer uma tevê com cheiro, acabamos investindo na visão e audição.” Levi pesquisou as frequências sonoras mais adequadas para cães e a percepção que esses animais têm das cores. “Eu pensava, assim como muita gente, que eles viam apenas em preto e branco, mas estava enganado”, afirmou. “Eles enxergam cores como azul, amarelo e cinza, ainda que não de uma maneira tão viva como nós, humanos.” Com base nesses achados, as imagens transmitidas no canal passam por um processo de coloração durante a montagem para tornar os tons mais atraentes para os cachorros.
Os programas duram cerca de seis minutos – os produtores estimam que esse seja o tempo máximo capaz de capturar o interesse dos cães sem entediá-los. As imagens mostram cachorros buscando bolinhas, interagindo com outros bichos ou recebendo petiscos de humanos, sempre filmados da perspectiva deles próprios, por cinegrafistas de joelhos. O próprio Levi aderiu à prática. “Eles não conseguem ver nitidamente quando um objeto está parado, parece-lhes desfocado, por isso tirei os meus óculos e comecei a engatinhar pela cidade para ver as coisas embaçadas”, contou.
O Brasil é o 13º país a receber o sinal da Dogtv. Distribuída por 32 operadoras de tevê a cabo, a emissora chega a 20 milhões de assinantes. Levi não mencionou números específicos sobre a audiência do canal, mas disse que o público inclui também gatos e papagaios. “Temos até casos de humanos que gostam de assistir aos nossos programas depois de fumarem certas substâncias”, brincou.
Antes que o canal estreasse, em 2012, durante um ano programas-piloto foram exibidos como teste em 38 apartamentos com cachorros em Nova York e Los Angeles. Os resultados convenceram Levi de que sua aposta era acertada: alguns telespectadores ficavam hipnotizados pelas imagens, outros chegavam a pular em cima da tevê e tentavam lamber a tela. Nem todos, porém, eram fisgados – alguns pareciam ignorar por completo a programação.
Foi o caso das duas cadelas da repórter da piauí, que não se interessaram pelas imagens. Ao saber disso, o criador do Dogtv explicou que, nas casas com mais de um cachorro ou com muito espaço aberto, o canal não faz muito sucesso. “Com companhia e espaço para brincar, os bichos se sentem menos sozinhos e têm mais o que fazer do que assistir à tevê”, justificou Levi.