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Subterrâneos da fama
O sucesso da banda do Metrô
Fabio Victor | Edição 148, Janeiro 2019
Dentro da estação Corinthians-Itaquera do Metrô de São Paulo, uma voz possante ecoa em meio ao frenesi da hora do rush na Zona Leste. Um homem canta o hit Halo, da estrela pop Beyoncé, em um palco próximo à entrada, acompanhado por oito músicos, todos de uniforme preto. Cerca de mil pessoas assistem na estação espaçosa ao último show do ano da Banda dos Seguranças do Metrô.
A apresentação em 13 de dezembro começou às 18h15 com um trecho instrumental de Metropolis, música do grupo de heavy metal progressivo Dream Theater. Veio depois Halo, que permitiu ao cantor Ivan Costa Lima, de 33 anos, exibir sua extensão vocal de tenor: Baby, I can feel your halo/Pray it won’t fade awaaaaaaaaaay. Dando pulos no palco e batendo palmas no alto da cabeça, ele convocou: “Boa tarde, estação Itaquera. Vamolá, tchá, tchá, tchã.” Seguiu-se um pot-pourri de canções do rock brasileiro, com trechos de Saideira, do Skank, Sonífera Ilha, dos Titãs, e Lourinha Bombril, dos Paralamas do Sucesso. Interpretada na íntegra, Tempo Perdido, do Legião Urbana, foi acompanhada, em uníssono, pelo público.
Os nove integrantes da banda têm entre 33 e 45 anos e foram todos contratados após concurso para o trabalho de segurança. A sua função é auxiliar os passageiros e patrulhar vagões, acessos e plataformas das estações. Sete deles começaram na música em igrejas de diferentes credos. Lima trabalhou dois anos interpretando os palhaços Patati e Patatá em circos, escolas e bufês infantis, antes de se tornar segurança. Na banda, o cantor é acompanhado por Lucivaldo Araújo (maestro/trombone), Geverton Silva (sax), Claudinei Cipriano (teclado), Marcos José Soares (guitarra/violão), Wagner Júnior (cavaquinho/vocal), Henrique Nunes (baixo), Fábio Ferreira (bateria) e Adolpho Ramos (percussão) – que é também nadador, já representou o Metrô nos Jogos Mundiais Industriais e acabou de ganhar a medalha de ouro nos 50 metros nado livre nos Jogos Industriais do Sesi, o Serviço Social da Indústria.
Os integrantes da Banda dos Seguranças do Metrô sempre sobem ao palco com o uniforme de cor preta, camisa de manga curta e a logomarca da companhia estampada miúda no lado esquerdo do peito, mas sem o cassetete. “Somos pessoas normais, e quando os passageiros percebem isso nos encaram de outra maneira”, afirmou o percussionista Ramos. “O uniforme é mais importante do que o instrumento”, exagerou Robson Rodrigues, ele próprio um ex-segurança que hoje trabalha como assessor de imprensa do Metrô.
A banda surgiu há sete anos, formada inicialmente por três músicos que tinham se reunido para tocar em um asilo. Os demais integrantes chegaram pouco a pouco. Em dezembro de 2011, ao se apresentarem em um evento institucional, chamaram a atenção do presidente do Metrô, que sugeriu que eles tocassem para os passageiros nas estações. Desde então, já fizeram cerca de cem shows para aproximadamente 200 mil espectadores. Também se apresentam em escolas e hospitais públicos.
Apesar de contar com o apoio do Metrô, companhia controlada pelo governo do estado de São Paulo, os seguranças não recebem pelos shows. Ensaiam nas horas vagas e só são liberados do trabalho quando vão se apresentar nas estações – eles costumam fazer apenas um show por mês, sempre por volta das 18 horas. A maioria dos instrumentos pertence ao Metrô, que os empresta aos músicos e reservou um lugar para serem guardados. Por causa do sucesso, a turma criou uma versão menor da banda, a BS5, com cinco integrantes, Lima entre eles, que faz apresentações remuneradas – sem o uniforme.
“Mais uma vez, mãos lá em cima! Vai, vai, vai!”, gritou o cantor, voltando a atiçar a audiência na estação. Musculoso e atarracado, de cabeça raspada e barba, Lima é lutador de jiu-jítsu, e durante o show aproveitou para saudar os colegas de academia que foram prestigiá-lo. Lembrou que o Natal se aproximava e passou a cantar a primeira canção com tema natalino da noite, a balada new age You Raise Me Up. Seguiu-se um reggae (Natiruts Reggae Power, do Natiruts), uma versão em português de Hallelujah, de Leonard Cohen, e Caruso, do italiano Lucio Dalla, consagrada por Luciano Pavarotti.
O fluxo de passageiros ainda era grande, e o espetáculo seguia a todo vapor. Depois de alguns rocks, a banda fez um giro radical, e o samba tomou conta do show. O vocal foi assumido pelo cavaquinista Wagner Júnior, o Juninho Branco, compositor e puxador da Leandro de Itaquera, escola de samba da Zona Leste paulistana. O segurança abriu seu número com O que É o que É, de Gonzaguinha, e convidou uma parte da bateria da sua escola, comandada por Mestre Pelé, a se unir ao show – os ritmistas, convidados especiais daquele último show do ano, aguardavam em frente ao palco. Juntos, tocaram duas músicas de Jorge Aragão que ficaram famosas na voz de Beth Carvalho, Vou Festejar e Coisinha do Pai. Foi então a vez de Boas Festas (Anoiteceu), um clássico de Assis Valente que lamenta, em ritmo animado: “Eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel” (nesse momento, sete mulheres formaram um trenzinho para serpentear no meio da plateia).
Lima reassumiu o microfone com o hit sertanejo Evidências, de Chitãozinho e Xororó, que comoveu o público. Quando uma parte da banda disparou o Melô do Piri Piri, de Gretchen, os demais seguranças-músicos não se privaram da brincadeira: começaram a rebolar no palco, para deleite da audiência. O fecho veio com O Descobridor dos Sete Mares, gravada por Tim Maia, que incendiou de vez o mezanino da estação. E assim terminou a apresentação de uma hora e quarenta minutos.
Enquanto os músicos arrumavam os instrumentos, parte do público permaneceu no local, para fazer fotos com eles, principalmente com Lima, que é o mais solicitado. Uma mulher se aproximou, disparou um beijo e cochichou algo no ouvido dele. Outra moça exclamou: “O que foi aquilo? Caruso, cara?! O que está acontecendo, meu?” O segurança-tenor sorriu.