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    Associar o abuso sexual aos padres gays é cometer uma calúnia contra a maioria desses sacerdotes, que jamais pensaram em cometer tais crimes. Mas dissociar a crise do abuso sexual da questão dos padres gays é negar uma triste verdade FOTO: HERBERT LIST_1959_MAGNUM PHOTOS

anais do catolicismo

A igreja gay

Por que há tantos homossexuais no clero

Andrew Sullivan | Edição A igreja gay,

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Tradução de Sergio Tellaroli

Não sabemos quantos padres da Igreja Católica são gays, pois não existem números confiáveis. O Vaticano já realizou muitos estudos a respeito do clero, mas nunca sobre isso. Nos Estados Unidos, no entanto, onde há 37 mil padres, todas as pesquisas independentes dizem que pelo menos 15% dos sacerdotes são gays, e algumas estimam que esse número alcance 60%. Uma pesquisa que eu mesmo realizei nos últimos meses aponta para algo em torno de 30% a 40% nas paróquias e muito além disso – 60% ou mais – nas ordens religiosas, como a franciscana e a jesuíta.

Esse fato paira no ar como um paradoxo gigante, insustentável. Uma Igreja que desde 2005 proíbe padres “com tendências homossexuais profundas” e ensina em sua doutrina oficial que os gays têm uma propensão “objetivamente desordenada” e tendem para um “comportamento intrinsicamente mal do ponto de vista moral”[1] é, na verdade, uma Igreja constituída – como pouquíssimas outras instituições – de homossexuais.

A enorme dissonância cognitiva que isso requer está se tornando cada vez mais difícil de sustentar. Nas últimas três décadas, com o malogro das atitudes de acobertamento do segredo – seja na vida pública ou na pessoal –, vem se tornando mais difícil esconder, ignorar ou negar a imensurável homossexualidade entre os padres católicos. Essa mudança cultural e moral não apenas transformou a consciência da maioria dos católicos norte-americanos (67% deles apoiam o casamento civil para os gays) e dos padres homossexuais (muitos dos quais estão à beira de abandonar o sacerdócio), como também rompeu o silêncio que por tanto tempo encobriu o assunto.

Em julho de 2013, quando lhe perguntaram sobre um padre ser gay, o papa Francisco fez uma declaração – “Quem sou eu para julgar?” – que foi um divisor de águas. “Uma pessoa uma vez me fez uma pergunta provocativa, quis saber se eu aprovava a homossexualidade”, ele disse. “Retruquei com outra questão: ‘Quando Deus olha para um gay, ele endossa a existência dessa pessoa com amor ou a rejeita e condena?’ Temos sempre de considerar a pessoa em si. E aí adentramos o mistério do ser humano.” No último esboço do documento para o Sínodo sobre a Família de 2014, Francisco incluiu uma menção explícita aos “dons e qualidades” dos homossexuais, perguntando: “Seremos capazes de acolher [essas pessoas]?” Sentimentos semelhantes ganharam 62% dos votos dos bispos presentes – pouco menos que o necessário para aprovar o documento, mas, ainda assim, prova de uma considerável mudança de tom nos ensinamentos oficiais da Igreja.

E também provocaram um quase pânico na direita católica. Alarmados com a possibilidade de pessoas divorciadas e daquelas que se casaram de novo virem a ser acolhidas como os gays, tradicionalistas lançaram contra o novo papado uma campanha feroz – focada numa suposta “máfia púrpura”, como alguns a chamaram, que estaria à testa da Igreja – e adentraram novo terreno ao vincular isso às horripilantes revelações de abuso sexual que vieram à tona em 2002. De forma cada vez mais direta, postulavam que na raiz do escândalo não estavam abuso de poder, pedofilia, clericalismo ou os efeitos psicológicos deformadores do celibato e da homofobia institucional, e sim a própria homossexualidade.

“Há uma cultura homossexual não apenas no clero, mas no interior da alta hierarquia também, e ela precisa ser purificada desde a raiz”, declarou o cardeal norte-americano Raymond Burke em agosto de 2018. Robert Morlino, bispo de Wisconsin, concordou. “Chegou a hora de admitir que existe uma subcultura homossexual dentro da hierarquia da Igreja Católica que está provocando grande devastação”, ele escreveu. “Se me permitem, o que a Igreja precisa agora é de mais ódio” ao comportamento homossexual, “um pecado tão grave que clama aos céus por vingança.” Michael Hichborn, chefe do ultraconservador Lepanto Institute, clamou pela “expulsão rigorosa e completa de todos os clérigos homossexuais […] Vai ser difícil de fazer, e é provável que resulte numa carência muito séria de padres, mas com certeza vale o esforço”.

Em meados de 2018, a indecorosa queda de Theodore McCarrick, um dos mais poderosos cardeais norte-americanos de seu tempo, forneceu a essa facção uma cause célèbre, provocando um debate vigoroso. Descobriu-se que McCarrick tinha abusado de pelo menos duas crianças e, mais tarde, assediara impunemente várias gerações de seminaristas adultos. Ao que parecia, ali estava, no topo da Igreja, um pedófilo e homossexual praticante de abusos, alguém que se sabia ser ativo sexualmente com seminaristas, mas que, protegido pelos pares, havia sido tolerado ao longo de décadas por muitos na alta hierarquia, inclusive pelos três últimos papas.

McCarrick abriu uma brecha para a direita. Novas organizações midiáticas na internet – lideradas por sites ao estilo do ultradireitista Breitbart News, como a LifeSite News e a Church Militant – agora se atiram rotineiramente sobre todo e qualquer incidente envolvendo padres gays e desfrutam de audiência influente no seio do Vaticano. Um abastado grupo de católicos conservadores, o Better Church Governance, chegou a promover uma investigação sobre a ortodoxia, a conduta e, claro, a orientação sexual de cada um dos 124 cardeais que vão eleger o próximo papa.

No centro dessa batalha, é evidente, estão os próprios padres, bispos e cardeais gays, enfrentando o conflito entre a tolerância relativa representada por Francisco e a hostilidade exemplificada por seu predecessor, o conservador Bento XVI. A proibição de 2005 a padres e seminaristas homossexuais segue em vigor e, na verdade, foi reafirmada por Francisco em 2016. O resultado é que quase todos os padres homossexuais permanecem no armário, com medo de serem atacados ou mesmo expulsos, o que os impede de participar da discussão. Ouvem o que falam a respeito deles, veem-se transformados em bodes expiatórios – o que muitas vezes é feito de maneira profundamente ofensiva, e sempre como se eles não fossem um dos principais alicerces da Igreja. “Na verdade, as coisas pioraram desde que Francisco se tornou papa”, um padre me contou. “Padre gay virou sinônimo de abuso sexual. É uma caça às bruxas.”

 

Capelas de hospitais, como as de aeroportos, costumam ser lugares estranhos. Como raras vezes as pessoas buscam refúgio nelas por muito tempo, essas capelas transmitem uma impressão tão transitória e vazia quanto antisséptica. Mas, ao meio-dia de um domingo recente, num hospital nos arredores de uma cidade do Meio-Oeste dos Estados Unidos, a congregação se derramava pelos corredores para assistir à missa. Via-se que as pessoas não eram desconhecidas umas das outras: cumprimentavam-se com acenos de cabeça e conversavam antes de o serviço começar. Havia velhos e moços, negros, brancos e pardos, famílias e casais, além de um ou outro que fora sozinho. A missa em si não teve nada de mais, não fosse uma notável homilia em que o padre falou das alegrias de não se ter nada, já às vésperas da temporada de compras de Natal. Era uma lição que ele disse ter aprendido depois de atender aos doentes, aos traumatizados, aos famintos e às vítimas sem-teto de um desastre natural num país estrangeiro.

Contou que, um dia, ao voltar de um hospital de campanha por uma trilha escura nas primeiras horas da manhã, viu-se cercado de sofrimento intenso, além de uma pobreza brutal. Ainda assim, animava-o a fé e a tenacidade dos pobres mais pobres, dos mais enfermos entre os enfermos. Ele parou, olhou para o céu iluminado pelas estrelas e o que sentiu não foi desespero, mas esperança.

“Esse aí sempre tem uma mensagem boa”, meu vizinho de banco comentou no fim da missa. Assenti. “É um bocado de gente para uma capela de hospital”, eu disse. “Ah, sim”, ele respondeu. “Sempre. Vem gente de toda parte. Esse padre é como um astro de rock.” Eu não falei nada. Mais cedo, o padre Mike, como vou chamá-lo aqui, havia me enviado uma mensagem de texto com o propósito de reafirmar o que havíamos combinado: “A pedido meu e do hospital, você não deve entrevistar ninguém nem se identificar como jornalista ou dizer que está escrevendo uma matéria etc.” A história completa da vida e dos serviços desse homem tem de permanecer anônima (como a de quase todos os padres com quem falei). Nem mesmo os membros mais devotos de sua congregação sabem que ele é gay.

Ex-enfermeiro e administrador qualificado, o padre Mike exibe um talento natural para o sacerdócio. Enquanto me esperava no saguão do hotel onde eu estava hospedado, descobriu em poucos minutos de conversas com a recepcionista que ela desistira de celebrar o Natal, depois de ter quase morrido num acidente de carro. No dia seguinte, em dado momento de nossa conversa no hospital, uma mulher veio cumprimentá-lo e solicitou uma confissão de imediato, ao que ele então me afastou; mais tarde, conheci um homossexual angustiado, de família ultracatólica, a quem ele aconselhava; e na manhã de domingo ele havia estado algumas poucas horas com a mulher e os filhos adolescentes de um moribundo. O padre Mike era o curativo a recobrir todas aquelas feridas abertas. Em sua carreira, já havia testemunhado centenas de mortes. Certa noite esteve ao lado de três doentes no momento da morte, um após o outro.

Tornar-se padre não foi para ele uma decisão fácil. Mike vinha de uma família conturbada; seus pais, ambos de comportamento violento, converteram-se ao catolicismo quando ele entrava na adolescência. O garoto só concordava em ir à missa aos domingos porque prometiam levá-lo em seguida a um brunch em sua lanchonete preferida. Aos 15 anos, ele próprio se tornou formalmente um católico. Aos 17, enviaram-no a um padre para um retiro de aconselhamento pessoal. “Na primeira noite, o padre, muito agressivo, tentou me levar para a sua cama”, Mike contou. “Fiquei absolutamente apavorado.” Um ano mais tarde, quando os pais o expulsaram de casa, ele foi morar com um sacerdote da Pastoral da Juventude. “Passei dois meses lá, e foi uma luta constante impedir os avanços e as insinuações dele.” Mike denunciou o sujeito e chegou mesmo a testemunhar contra ele num tribunal. Mas o próprio padre confessor de Mike apoiou o sacerdote, que, a despeito do testemunho de três outros meninos, foi inocentado. “Naquela época, as pessoas acreditavam de fato nos padres”, ele suspirou.

Apesar disso tudo, em meados da década de 90, depois de se formar na faculdade, Mike entrou para o seminário. Viu-se submetido a frequentes avaliações psicológicas e, nos verões, ao contrário do que ocorria com os outros alunos, não o designavam para atuar em lugar nenhum. Temendo que seu testemunho contra o abuso sofrido na adolescência estivesse bloqueando a ordenação, ele abandonou o seminário e foi trabalhar como enfermeiro de uma unidade de terapia intensiva. Mas a vocação para o sacerdócio não o deixou e, por fim, ele voltou a tentar o seminário. Foi ordenado padre três anos depois.

Eu lhe disse que a maioria das pessoas acharia a sua história bizarra, quando não masoquista. Por que entrar para uma Igreja que não quer a pessoa, e que, na verdade, abusou dela? Ele hesitou por alguns instantes, antes de desembestar a falar: “Bom, no fundo, tem a ver com… tem a ver com Jesus e com… quer dizer, eu acredito em Deus.” Sua voz fez-se mais alta e, de súbito, intensa. “Na pastoral estudantil, na faculdade, encontrei algumas pessoas que eram autênticas de verdade. Elas se amavam e amavam a Deus, amavam seus ‘irmãos mais pequeninos’. Não eram perfeitas, mas a mensagem predominante era que Jesus está aqui, está na eucaristia e nos rostos dos mais pobres entre os pobres, dos mais marginalizados.” Disseram-lhe que sua vocação era evidente, e o trabalho como enfermeiro aprofundou essa convicção. “Eu cuidava de meus pacientes, a maioria dos quais morreu, orava com eles quando eles queriam, dava-lhes a comunhão quando podia, e foi por intermédio deles que me senti convocado a servir.”

É dentro dessa relação do enfermeiro com o paciente, do pastor com o rebanho, que hoje Mike consegue resolver seus conflitos como padre gay. “Toda vez que entro no hospital, não importa como me sinta, o que se passa comigo no momento ou o que diz o novo relatório sobre abusos sexuais do tribunal na Pensilvânia, tudo muda”, ele afirmou. “Quando você senta na beira da cama de alguém cujo transplante não deu certo, aí é de coração para coração. Às vezes acho que nos esquecemos de que, na Igreja, o que importa são as pessoas, sua humanidade, suas esperanças e medos, e seu desejo de amar e serem amadas.”

 

Boa parte dos padres homossexuais com os quais conversei nunca passou pela experiência do abuso sexual na Igreja. A orientação sexual deles é uma questão que muitos já haviam resolvido antes de se tornarem padres, mas alguns lutaram contra ela no seminário; outros, mais tarde. “Não existe uma experiência que se possa considerar típica”, me disse o padre Joe, como vou chamá-lo aqui. “De início, perguntei-me se eu não era uma fraude. Sim, porque pensava: ‘Não estarei tentando fugir para uma vida na qual eu não tenha que lidar com minha sexualidade?’ Só que havia pessoas que zelavam por mim e me desafiavam a me questionar se aquilo era mesmo genuíno, e senti que aquela era a vida e a obra para as quais Deus me convocava. É um processo.” Então veio o momento da graça. “Eu estava trabalhando num hospital no auge da crise da Aids, quando uma freira me perguntou: ‘O que o senhor quer dizer a essas pessoas? São homossexuais ativos, viciados em drogas.’ E eu respondi: ‘Eu gostaria de falar sobre a misericórdia divina e de estar com elas como elas são.’ Isso me ajudou a entender como Deus podia fazer uso de mim, ainda que a Igreja não me aceitasse.”

Outro padre, vamos chamá-lo Andrew, definiu a escolha de sua vocação como “conveniente e existencial”. “Eu tinha 18 anos, tinha consciência da minha sexualidade, mas estava profundamente deprimido. Então, um dia, meu pai me pressionou e me obrigou a sair do armário. Fui falar com um psicólogo, que me disse: ‘Você não vai mudar. Precisa aceitar quem você é.’” O pai de Andrew não ficou feliz com aquele conselho e pôs fim à terapia. Na faculdade, Andrew seguiu procurando tratamento e, então, de repente, seu pai morreu. Aquilo o abalou. “Eu ficava pensando sobre a vida e a morte. Tinha começado a rezar de novo e a ir à missa. Um dia, numa viagem de carro de Phoenix a Tucson, enquanto eu dirigia no meio do deserto, vi redemoinhos de areia e, de repente, ouvi uma voz na minha cabeça: ‘Torne-se padre. Você não vai precisar lidar com sexo, vai poder ser respeitado.’ Então, meu irmão morreu num acidente de carro.” No terceiro ano da faculdade, Andrew entrou para o seminário.

Foi lá que ele teve sua primeira experiência sexual adulta. “Estava com 28 anos e me assumi bissexual. Perdi peso, ganhei musculatura, era mais notado pelos outros seminaristas e queria ver como era ser adulto”, ele contou. “Foi difícil. Não sentia vontade de beijar. Tive uma experiência e não consegui ejacular.” Andrew então se jogou no trabalho, até que, aos 40 anos, teve um esgotamento nervoso. Tirou licença, passou seis meses orando e fazendo terapia e, quando voltou, enviou um e-mail aos colegas padres: “Como alguém que por tanto tempo foi atormentado por dúvidas a respeito de si mesmo, dedico-me a levar o amor de Deus […] a todos que, como eu, às vezes questionam o próprio valor e a própria virtude por causa de vozes contrárias à de Deus.”

O momento de superação veio de repente. “Eu disse a meu terapeuta: ‘Acho que sou um bom padre.’ Ele me respondeu: ‘Não duvido.’ E eu caí no choro.” A voz de Andrew falhou. “Ser posto no mesmo balaio dos pedófilos – isso tem um custo que acaba machucando.” Muitos dos padres com quem conversei sofreram com o papel de bode expiatório. O estigma é dobrado: a hierarquia o visa por ser gay; o público em geral, por julgá-lo pedófilo. Muitas das pessoas com quem falei sobre padres homossexuais, católicas e não católicas, reviraram os olhos e me perguntaram sobre os abusos cometidos contra crianças. Os jornais estão saturados de notícias sobre abusos sexuais – e é correto que estejam –, mas não se fala do número imenso de padres homossexuais que jamais sonhariam em atacar os indefesos.

Muitos bons padres homossexuais, é claro, cometem erros de tempos em tempos, infringindo o celibato em relações adultas ou encontros amorosos consensuais. Não são santos. Mas o mesmo se pode dizer dos padres heterossexuais. Todos eles continuam sendo seres sexuados, de carne e osso. E, nessas crises, tendem a fazer uma das duas coisas: ou se apaixonam tão profundamente que não podem manter uma vida desprovida de intimidade física e, portanto, deixam a Igreja; ou, mais frequentemente, reajustam-se, confessam e tornam a se comprometer com a vida celibatária. “Os melhores padres são aqueles que, numa ou noutra ocasião, erraram; são os que sabem o que se passa com um ser humano real”, afirmou o padre Andrew. “É uma luta sagrada. Nunca vi o celibato como um dom; para mim, sempre foi disciplina.”

Já o padre Joe manifestou-se de forma pungente sobre a paixão. “Eu tive um breve relacionamento há dezesseis anos que envolveu intimidade sexual. Foi a última vez. Meu parceiro não quis ficar com alguém que não podia se assumir por completo como seu companheiro, ele queria casar. Propus uma amizade que incluísse sexo, ele se recusou.” A dor ainda se manifesta. “Temos uma amizade muito grande, sem nenhuma intimidade sexual. Mas, quando ele está namorando, eu me pergunto: ‘Quem é que eu tenho agora?’” Hoje, Joe se vale de amigos íntimos para lhe dar apoio emocional. “Às vezes me pergunto: ‘Quando foi a última vez que alguém me tocou?’ E sei que isso não é normal. De tempos em tempos, recorro a uma massagem profissional. A falta que cometo hoje em dia é assistir a filmes pornográficos no quarto.”

“Existe uma extrema relutância em admitir que os padres vivem bem o celibato, mas não à perfeição”, me explicou um padre que vou chamar de Leo. “Mas como é que você pode chegar a um entendimento positivo da sua sexualidade, se a Igreja se recusa a dizer até mesmo que você tem uma orientação sexual e só fala em ‘atração pelo mesmo sexo’ ou em ‘tendências homossexuais profundas’? Como viver uma sexualidade saudável num contexto em que ela é estigmatizada?” Depois da proibição imposta em 2005 aos padres gays, o padre Mike foi atraído pela chamada terapia de conversão e passou um ano e meio tentando se curar de sua homossexualidade. Mais tarde percebeu que “nada disso era verdade; era tudo mentira”.

 

Na verdade, a preponderância de homossexuais no clero não constitui nenhuma novidade na história da Igreja Católica. Por mais de um milênio foi lugar-comum, e, embora tenha sido ocasionalmente condenada, em geral essas condenações eram seguidas de inação ou indiferença por parte do papado. Como demonstrou, por exemplo, o falecido historiador John Boswell em seu pioneiro e controverso Christianity, Social Tolerance, and Homossexuality [Cristianismo, Tolerância Sexual e Homossexualidade], João Crisóstomo, escritor cristão do século IV, atacou os líderes da Igreja, imputando-lhes uma aceitação exagerada do amor, físico inclusive, entre pessoas de mesmo sexo. “As mesmas pessoas que se nutriram da doutrina divina, que instruem outros no que devem e não devem fazer […] estes não se relacionam com prostitutas tão destemidamente como o fazem com jovens rapazes […] Nenhum se envergonha ou enrubesce […] os castos parecem ser os estranhos, e os que desaprovam, os errados.” Havia considerável preocupação cristã com o sexo em geral – em consonância com os ensinamentos de são Paulo e santo Agostinho –, mas nenhum consenso de que a homossexualidade, se restrita ao intenso amor mútuo e à amizade celibatária, constituísse um problema específico.

Até mesmo santo Agostinho teve um caso de amor particularmente intenso com outro rapaz. “[…] senti que a minha alma e a sua formavam uma só em dois corpos”, escreveu ele, “tinha horror à vida, porque não queria viver só com metade. Talvez por isso é que receava morrer, não viesse a morrer totalmente aquele a quem eu tanto amara.” Essa não era apenas uma amizade espiritual, Agostinho confessou. “Deste modo, manchava com torpe concupiscência aquela fonte da amizade. Embaciava a sua pureza com o fumo infernal da luxúria.” Já se especulou que o forte maniqueísmo de Agostinho, que divide espírito e corpo, talvez se assente na repugnância que sentia de suas próprias tendências homossexuais. O registro histórico, no entanto, revela que, a despeito de toda a influência que ele exerceu, a prática da amizade homoerótica intensa foi comum no clero ao longo dos séculos seguintes, sobretudo nos monastérios (como, de resto, nos conventos também; o legado das lésbicas à Igreja é igualmente extraordinário, mas, como o sacerdócio é exclusividade masculina e as mulheres são alijadas de postos de poder real, as freiras lésbicas, para o bem ou para o mal, não estão envolvidas nessa crise específica).

A obra-prima sobre o tema da “amizade espiritual” foi, na verdade, escrita por um homossexual, santo Elredo, abade do monastério cisterciense de Rievaulx, na Inglaterra, em meados da década de 1160. Na juventude, ele havia tido relacionamentos sexuais com homens, mas, depois do voto de castidade como monge, sublimou esses desejos numa ideia de amor celibatário intenso por outro homem. Como modelo, tomou o relacionamento entre Jesus e o discípulo “que Jesus amava”, João, relacionamento que em certo ponto chega a descrever como um “casamento”. Elredo via a intimidade de Jesus com João – na Última Ceia, em famosa passagem, João reclina-se sobre o peito de Jesus – como modelo da ligação amorosa com outra pessoa do mesmo sexo, “a quem você pode se unir no íntimo abraço do amor mais sagrado […], com quem pode repousar, somente vocês dois, no sono da paz, apartado do barulho do mundo, no abraço do amor, no beijo da unidade”.

Por volta do século XII, padres e monges escreviam poemas de amor uns aos outros – momento que Boswell descreve como uma “explosão da literatura homossexual cristã ainda sem paralelo no mundo ocidental”. Contudo, talvez em resposta a essa ampla aceitação da espiritualidade gay, alguns começaram a advogar por medidas drásticas. Por volta de 1051, são Pedro Damião publicou um tratado, O Livro de Gomorra, cuja retórica apresenta surpreendente semelhança com as denúncias que hoje vemos online: “Não há, em absoluto, outro vício que admita comparação razoável a esse […] [ele] é, na verdade, a morte do corpo, a destruição da alma […] ele remove a verdade por completo da mente.” São Pedro Damião acusa a Igreja de ser governada por uma facção homossexual que encobre e absolve os próprios pecados. Não obstante, o papa da época, Leão ix, se recusou a proibir a homossexualidade no clero, argumentando que o problema eram aqueles para quem o sexo era “uma prática antiga ou que o praticavam com muitos homens”. Se confessada, uma falta ocasional podia ser perdoada. Apartados por séculos, Francisco e Leão IX concordariam.

Damião foi um importante reformador da Igreja de seu tempo, indo muito além da questão dos padres homossexuais. Um sínodo realizado em 1059 respondeu a todas suas muitas propostas – menos aquela dirigida contra o clero homossexual. O papa Alexandre II chegou a pedir a Damião o manuscrito de O Livro de Gomorra, sob o pretexto de mandar copiá-lo. Damião lhe entregou o documento, e o papa trancafiou o único exemplar da obra. Damião conta que, cobrado por isso, o papa “ri e tenta me acalmar com o humor melífluo da urbanidade”. Em 1102, num momento parecido, o Concílio de Londres decidiu promulgar um decreto contra o recém-definido pecado da “sodomia” – mas sua publicação foi barrada pelo arcebispo da Cantuária, que afirmou tratar-se de “um pecado até hoje tão público que não constrange quase ninguém”.

Essa situação sofreu mudança decisiva no século XIII, com o gênio teológico de são Tomás de Aquino acusando os atos homossexuais de serem “contra a natureza”. O sexo tinha de ser restrito aos casais unidos pelo matrimônio e à procriação; qualquer outra atividade sexual constituía pecado grave. Nessa nova teologia, os homossexuais eram parte da natureza – muitos também haviam observado comportamento homossexual no reino animal, sobretudo entre lebres e hienas –, mas, de algum modo, antinaturais. Tomás de Aquino nunca resolveu esse paradoxo. A Igreja tampouco.

O aprofundamento do tabu nos séculos subsequentes pouco ou nada nos autoriza a acreditar que os padres gays desapareceram; o que ocorreu foi que a maioria mergulhou ainda mais na clandestinidade. Mesmo assim, o amor entre pessoas do mesmo sexo permaneceu como um componente profundo do cristianismo católico. A amizade entre santo Inácio de Loyola e são Francisco Xavier, por exemplo, deu origem à Companhia de Jesus, no século XVI. Inácio enviou Francisco para evangelizar a Ásia, e a longa separação foi fonte de sofrimento para ambos. Francisco certa vez respondeu assim a uma carta de Inácio: “Entre as muitas palavras sagradas e consolações em sua carta, leio as linhas finais: ‘Inteiramente seu, sem o poder ou a possibilidade de algum dia vir a esquecê-lo, Inácio.’ E as leio com lágrimas nos olhos, assim como em lágrimas escrevo agora […] Você me conta de seu grande desejo de rever-me antes do fim desta vida. Deus sabe a impressão profunda que deixaram em minha alma essas palavras de tanto amor.” Inácio e Francisco jamais tornaram a se encontrar.

O cardeal John Henry Newman, grande teólogo católico do século XIX, dedicou sua vida pessoal a outro homem, Ambrose St. John. Isso não significa que os dois tenham tido um relacionamento de natureza sexual (embora talvez tenha sido assim), mas por certo sugere que o amor profundo entre pessoas do mesmo sexo seguia vivo no mais alto escalão do clero católico, mesmo no ápice da repressão vitoriana e envolvendo alguém em vias de ser celebrado como santo.[2] Quando da morte de St. John, Newman escreveu: “Sempre pensei que luto nenhum pudesse se igualar ao de um marido ou de uma esposa, mas sinto dificuldade em crer que algum luto ou pesar de quem quer que seja possa ser maior que o meu.”

Newman, sacerdote da Igreja Anglicana depois convertido ao catolicismo, integrou o Movimento de Oxford, de cunho tanto reformista como estético, um movimento anglicano fortemente influenciado por homossexuais. Insistiu – “como meu último e imperativo desejo” – ser enterrado com St. John. Na lápide, as palavras acordadas por ambos: “Para fora das sombras e dos fantasmas rumo à Verdade.”

O maior poeta católico do século XIX, o jesuíta Gerard Manley Hopkins, era gay, assim como um dos padres teólogos mais profundos do século passado, Henri Nouwen. Ambos sofreram crises de depressão aguda. De novo, não há indício de que algum deles tenha quebrado o voto de celibato, mas tanto um como outro se apaixonaram, lutaram contra a solidão e produziram obras de enorme beleza e espiritualidade. A grande obra de Nouwen foi uma reflexão sobre a parábola do filho pródigo. Um dos poemas mais famosos de Hopkins, “Pied beauty” [Beleza matizada], é um hino a “Tudo que é raro, original, estranho, oposto;/Variável, variegado (por que o seria?)/[…] Aquele cuja beleza é imutável os cria:/Louvai-o.”[3]

 

Mas por que existem tantos homossexuais no clero? Vale notar que o vínculo entre homossexualidade e espiritualidade não se restringe de forma alguma ao catolicismo. Alguns psicólogos evolutivos encontraram elo antiquíssimo entre os homossexuais e o xamanismo tribal. Carl Jung identificou os dons arquetípicos do homossexual: “Um sentido especial de amizade que tece laços extremamente delicados entre almas masculinas”; um talento para o magistério, para a estética e para a tradição (um “espírito histórico conservador no bom sentido, que preserva cuidadosamente todos os valores do passado”); “uma riqueza do sentimento religioso, que ajuda a tornar realidade uma ecclesia spiritualis, e enfim uma receptividade espiritual que acolhe a Revelação.”

Dos próprios padres homossexuais, ouvi explicações as mais variadas. Alguns me descreveram em que medida o senso de deslocamento, quando eram meninos e adolescentes, os fez mais sensíveis às necessidades de outros marginalizados. “Como outsider que foi, você pode ajudar e acolher outros outsiders.” Um padre disse simplesmente: “Nós entendemos o sofrimento.” E outro ainda falou do apelo de pertencer a uma comunidade religiosa.

Padres diversos me explicaram que se sentiram atraídos pelo ritual da Igreja. “O catolicismo era diferente, eu era diferente […] possuía um sentido muito forte da experiência mística”, contou-me um deles. O catolicismo é uma religião centrada na missa, em que o corpo, a alma e os sentidos são tão importantes quanto a mente. Em certos aspectos, a missa é um espetáculo. Não sei bem como dizer isso sem incorrer em estereótipos, mas há algo na liturgia, no ritual, na música e no teatro que atrai certo tipo de homossexual. Trata-se de um tipo – encontrado também nas artes e no meio erudito – que preza o detalhe, que é implacável quanto às regras e afinado com a tradição e a beleza. Em muitos sentidos, a antiga e elaborada Missa Solene, com seus incensos e procissões, suas vestes e os códigos de cores associados a elas, sua complexidade litúrgica, sua precisão musical, seus coros, órgãos e seu teatro, é, obviamente, em parte, criação de um clero homossexual. A sexualidade desses padres foi sublimada de um modo que se tornou parte integral e essencial da veneração católica.

Além disso, há a experiência comum do menino ou adolescente gay criado na Igreja que se volta para Deus em sua luta contra a diferença e o deslocamento em relação ao normal. Ele é forçado a refletir sobre questões mais profundas que a maioria de seus pares, adquire uma poderosa capacidade de observação e desenvolve uma espiritualidade precoce que jamais o abandona por completo. Isso se coaduna com minha experiência de menino e adolescente católico. Deus foi a primeira pessoa a quem me revelei homossexual, numa oração silente a caminho da comunhão. Eu era coroinha, sabia muito bem como balançar um incensório, era capaz de debater as nuances da transubstanciação aos 11 anos e cheguei a pensar no sacerdócio como minha vocação (concluí que eu não era uma pessoa boa o bastante). Como muitos garotos católicos homossexuais e solitários, via em Jesus um modelo – solteiro, sensível, fora da família, marginalizado e perseguido, mas por fim reabilitado e vivo para sempre.

Há, contudo, outras razões, nada saudáveis, para que um homossexual procure o sacerdócio. A primeira delas é o celibato. Em séculos passados, tornar-se padre era uma saída para um jovem católico homossexual evitar o ostracismo social ou perguntas constantes sobre seu desinteresse por mulheres. (Um padre, aliás, me disse que tempos atrás a força mais poderosa por trás das vocações para o sacerdócio eram as mães; ao perceber que um filho não era “do tipo que se casa”, a mãe o estimulava a entrar para a Igreja, salvando assim a reputação da família.) Embora hoje os tempos atuais sejam menos rigorosos, essa prática persiste. Uma profunda ausência de autoestima, em parte alimentada pela homofobia da Igreja, também levou alguns a buscar o sacerdócio como um meio de se reprimir ou, de algum modo, se curar.

“Antes ainda de chegarmos à adolescência, percebemos que essa coisa toda é uma abominação”, disse outro padre. “Então apelamos aos ensinamentos da Igreja e, na prática, dizemos: ‘Preencha-me daquilo que você diz e eu me tornarei você. Vou me tornar uma personalidade magisterial’” – no sentido daquele que incorpora o magistério da Igreja, seu ensinamento formal. “Em outras palavras, ‘desisti de ser eu’. E tenho a sensação de que é por isso que encontramos tantas dessas criaturas que, de fato, são assustadoramente cinzentas e impessoais. Em algum ponto da vida, decidiram não ser elas mesmas.” Vi isso em muitos padres. Incapazes de ser quem são, eles se tornam personagens, símbolos e, em última instância, caricaturas ou mesmo as máscaras que incorporam.

Muitas vezes essa luta inconsciente é incapaz de se sustentar, simplesmente porque é difícil demais não sermos nós mesmos. Alguns lidam com isso valendo-se de grande afetação e de extravagâncias absurdas; outros afundam em depressão. O alcoolismo e a dependência tomam conta. “Meu Deus”, o padre Andrew me disse, “quando voltei à Igreja em 2010, não podia me conformar com a obesidade gritante daqueles padres. Quando jovens, eram verdadeiros atletas!” Outro me contou: “Reprimi tudo bem lá no fundo de mim. Depois, tive uma crise. Foi num daqueles momentos em que você está com um amigo e quer que alguma coisa aconteça. Uma noite, ao sair da casa dele, percebi que queria mesmo ter um relacionamento com aquele cara. Aí, não aguentei. Não queria ser aquela pessoa. Não queria ser eu.”

 

Outros padres homossexuais, mais conscientes de si e cínicos, vislumbram uma carreira em meio a essa hipocrisia. A partir do século XIII, é fácil perceber como homossexuais velados encontraram na Igreja, e somente nela, uma fonte de status e poder. Marginalizados fora dela, em seu seio podiam se tornar conselheiros de monarcas, perdoar os pecados dos outros, alcançar estabilidade financeira, gozar de privilégios gigantescos e serem imediatamente tratados com respeito. Tudo era suprimido – não se faziam perguntas nos seminários e inexistia aconselhamento psicológico (é raro até hoje). Homens dilacerados e assustados se tornaram padres, e isso deu origem a certos padrões de comportamento.

Um deles, como acabamos de ver, foi a passagem à ação e ao abuso. Associar o abuso sexual aos padres gays, como muitos fazem por reflexo, é cometer uma calúnia grotesca contra a maioria desses sacerdotes, que jamais pensaram em cometer crimes semelhantes e, na verdade, se horrorizam com eles. É a clássica escolha de um bode expiatório. Ao mesmo tempo, dissociar inteiramente a crise do abuso sexual da questão dos padres gays é negar deliberadamente uma triste verdade. A pedofilia é uma questão à parte, exterior ao problema da orientação sexual. Mas alguns abusos praticados contra adolescentes e jovens, assim como contra outros padres, relacionam-se claramente a uma homossexualidade que se desencaminhou de um modo terrível – e cerca de 25% dos casos denunciados envolvem vítimas de 15 a 17 anos.

A escala que isso adquiriu no final do século XX foi fora do comum – mas, em retrospecto, previsível. Se a pessoa não lida honestamente com a própria sexualidade, esta é que acabará lidando com a pessoa. Se uma instituição é construída e equipada de homens reprimidos, que odeiam a si próprios e, ademais, se ela se sustenta com base no sigilo e na obediência completa aos superiores, então essa criação, na prática, é uma máquina geradora de disfuncionalidade e predação. E a verdade terrível é que jamais saberemos a extensão do abuso praticado em séculos passados ou o que ainda ocorre hoje em dia, sobretudo em lugares do mundo onde, por vezes, uma investigação rigorosa da Igreja segue sendo tabu (como na África e na América Latina).

Outro padrão decorrente da repressão é a externalização da homofobia: aquilo que odiamos em nós mesmos mas não somos capazes de enfrentar, nós policiamos e punimos nos outros. É indiscutível que muitos dos bispos e cardeais mais homofóbicos foram – e são – gays. O mais poderoso cardeal norte-americano do século XX, Francis Spellman, morto em 1967, era um dos mais rígidos defensores da ortodoxia, não obstante ter desfrutado de anos de vida homossexual ativa. O monsenhor Tony Anatrella, patrono da terapia de conversão e consultor do Vaticano, foi recentemente suspenso por abusos sexuais praticados contra outros homens. Um dos cardeais mais graduados da Europa, Keith O’Brien, da Escócia – que descreveu a homossexualidade como “degradação moral”, e o casamento entre pessoas do mesmo sexo como “loucura” –, acabou forçado a renunciar e deixar o país depois de ser acusado de haver mantido relacionamentos sexuais abusivos com quatro outros padres.

O cardeal George Pell, arquiconservador e antigay, foi há pouco tempo declarado culpado de abusar sexualmente de meninos na Austrália. Fundador dos Legionários de Cristo, congregação outrora imensamente influente, ultradireitista e antigay, Marcial Maciel abusou sexualmente de incontáveis homens, mulheres e crianças. O líder da Church Militant, obcecado com padres homossexuais, se descreve como “ex-homossexual”. Trata-se de uma fórmula que funciona: aqueles na alta hierarquia obcecados com a questão homossexual muitas vezes acabam por se revelar gays, ao passo que os mais tranquilos em geral são heterossexuais.

Bento XVI já se descreveu como um menino que lia muito e era avesso aos esportes. Sua voz suave soa notavelmente afeminada; ele era visto sempre em companhia de seu secretário particular, Georg Gänswein, um homem bastante atraente, e vestia-se com uma extravagância que incluía pele de arminho e pantufas vermelhas feitas sob medida. Foi também o teólogo que demonstrou um desejo maníaco de policiar o mais leve desvio da ortodoxia, que descreveu os homossexuais como “objetivamente desordenados” e voltados a um “mal moral intrínseco”, e que, após proibir padres gays, chamou-os “uma das desgraças da Igreja”. A mera sugestão de que exista algum vínculo entre todos esses aspectos relacionados a alguém que é também santo, celibatário e sensível pode levar uma pessoa a ser acusada de fazer uma insinuação repugnante. Mas isso se dá apenas porque muitos na alta hierarquia da Igreja continuam incapazes de ver a homossexualidade como algo mais ligado ao amor e à identidade do que aos atos e à luxúria. Talvez, agora que expomos camadas e mais camadas de disfuncionalidade no topo da Igreja, tenha chegado o momento de apontar a nudez desses imperadores adornados de joias.

E isso, claro, acrescenta outro nível de complexidade à história dos padres gays: as diferenças geracionais. Aqueles que estão hoje na casa dos 70, 80 anos, cresceram em outro universo, um mundo em que o acobertamento era automático e até mesmo a ideia de discutir sobre padres gays era escandalosa. Um padre descreveu-me essa geração como “de um grau de acobertamento que era como se vivessem em Nárnia”. São homens que podem até não ter consciência de que são homossexuais. Mas a reação deles ao reexame moderno do amor homossexual, e a ideia do sexo como algo distinto da procriação, foi de um retraimento em pânico. Os que têm 60, 50 anos ou menos, ao contrário, possuem uma consciência bem maior de si mesmos, e seus pares e familiares católicos revelam uma aceitação muito maior. Essa diferença geracional é a fonte de boa parte do conflito nas entranhas dos escalões mais altos de homossexuais na Igreja.

 

No início do terceiro milênio da Igreja Católica, a crise dos abusos sexuais chacoalhou a consciência pública. De repente, todo o sistema de sigilo, autoproteção clerical, acobertamentos e escândalos foi brutalmente exposto. Para a maioria dos padres gays, tratou-se de um tremendo alívio. Eles ficaram tão horrorizados quanto qualquer um. Mas sabiam que o sistema agora desmantelado ocultara não apenas os crimes e os abusos dos maus padres, mas também os pecados e o sexo consensual e adulto dos padres bons. Tinham, eles próprios, seus segredos.

O celibato não é tarefa fácil, não podemos nos esquecer. Para boa parte das pessoas, é impossível não se apaixonar ou deixar de expressar fisicamente a sexualidade em algum momento da vida. Na prática, esses deslizes têm sido enfrentados e confessados; e, se os padres o fazem com sinceridade e voltam a se comprometer com o celibato, é-lhes permitido seguir adiante. Alguns dos padres homossexuais com os quais conversei reconheceram ter cometido faltas, mas insistiram que, tendo se aconselhado com seus superiores espirituais, escolheram o celibato ao se verem confrontados com uma escolha. E o fizeram, segundo me explicaram, para se libertar de toda e qualquer afeição amorosa em particular e assim poderem se dedicar por inteiro à Igreja.

Boa parte deles, no entanto, vivera algum tipo de incidente ou falta no passado que, se viesse à tona, poderia ser usado contra eles – ainda que se tratasse apenas de sua identidade como homossexuais. Desse modo, instalou-se uma espécie tóxica de omertà – os padres passaram a agir como um foro de destruição mútua garantida. Já que muitos colegas de sacerdócio estão a par da sexualidade e/ou das faltas dos outros, todos podem potencialmente chantagear uns aos outros. Faltas mundanas – um caso passageiro, por exemplo – podem facilmente se misturar a males profundos, como o abuso praticado contra crianças. Se um padre denuncia um colega como molestador de crianças, o denunciado pode expor a homossexualidade do denunciante e arruinar sua carreira.

Foi essa dinâmica – não a homossexualidade em si dos padres, mas o modo como ela é ocultada – que transformou o “armário clerical” num mecanismo central da tolerância e do favorecimento do abuso. Além disso, o voto de obediência aos superiores dá a bispos e cardeais gays enorme vantagem sobre seu rebanho. Alguns, é claro, se deram conta de que esse poder podia ser usado para o sexo e abusaram dele.

Novos procedimentos de proteção a menores de idade foram postos em prática a partir de 2002. Mas ainda há muito dano passado a enfrentar. O caso de McCarrick, em particular, revelou que o padrão de ocultamento e tolerância do abuso atingia o topo da hierarquia da igreja. João Paulo II, Bento XVI e Francisco, todos eles protegeram praticantes de abusos ou optaram por não enfrentá-los. E, como muitos dos criminosos sexuais eram também responsáveis por canalizar vastas somas de dinheiro para o Vaticano – Maciel e McCarrick são célebres por sua capacidade de arrecadação –, essa tolerância é revestida de particular cinismo.

Ainda não sabemos exatamente por que o tradicionalista Bento XVI decidiu renunciar, mas alguns se apressaram em notar que, havendo compilado extenso dossiê sobre abuso sexual na Igreja, ele se sentiu incapaz de agir. A tarefa o subjugou? A escala o assustou? Terá temido o desmoronamento da Igreja como um todo? Francisco, em uma de suas primeiras entrevistas coletivas como papa, tomou rumo diverso: reiterou a distinção entre pecados e crimes e, embora tenha condenado o abuso, não insistiu na perfeição sexual dos padres – contanto que as faltas fossem confessadas e os pecados absolvidos, e que o sacerdote se comprometesse com um futuro de celibato. Depois, foi além na admissão de bons padres homossexuais na Igreja: “O problema não é possuir essa tendência, não. É preciso que sejamos todos irmãos e irmãs.” O problema, afirmou, estava em homossexuais virem a formar algum tipo de facção ou lobby no interior da Igreja – mas isso, explicou, valia para todos os lobbies: “Um lobby de avarentos, um lobby de políticos, um lobby de maçons.”

A mudança de tom de Francisco revoltou conservadores no Vaticano (e talvez tenha preocupado também poderosos praticantes de abusos sexuais, conscientes do papel desempenhado pelo “armário clerical” na manutenção do silêncio). E quando Francisco foi se aconselhar com McCarrick, um liberal moderado, aqueles que sabiam dos abusos que o cardeal praticara contra seminaristas se enfureceram. Num dos mais dramáticos atos de dissidência na história da Igreja moderna, o arcebispo Carlo Maria Viganò, ex-núncio do Vaticano nos Estados Unidos, publicou uma carta, em agosto do ano passado, afirmando que a prática de abuso por parte de McCarrick era do conhecimento tanto de Bento XVI quanto do Vaticano desde 2000; além disso, Francisco sabia desses abusos desde 2013, e agora fazia vista grossa. Observadores conservadores, como o ex-católico Rod Dreher e Ross Douthat, colunista do New York Times, falaram num novo “cisma” em potencial – no caso de Dreher, valendo-se de insultos, como a expressão “máfia púrpura”, para descrever a ameaça que via à doutrina estabelecida.

Viganò foi além. Pediu a renúncia do papa: “Precisamos pôr abaixo a conspiração do silêncio mediante a qual bispos e padres têm se protegido à custa dos crentes, uma conspiração que, aos olhos do mundo, ameaça fazer da Igreja uma seita, uma conspiração de silêncio não muito diferente daquela que impera na máfia.” E nomeou ainda alguns dos cardeais mais liberais que eram protegidos de McCarrick. “Ninguém no Vaticano se deixou enganar nem por um momento”, me disse James Alison, padre gay e teólogo bem informado sobre a política na Igreja. “Foi o mais próximo possível de uma exposição pública, algo a que ninguém se arriscaria, a não ser um jornalista de fora dos círculos católicos.” Alison acredita que a declaração pode ter prejudicado o próprio Viganò. “Até mesmo alguns de seus aliados mais conservadores se assustaram, pois perceberam o perigo de também serem expostos caso o episódio acabasse por acarretar uma grande guerra dentro do próprio armário da Igreja.” O resultado foi um recuo. (Mas pode se tratar de calmaria temporária; parece que um livro do jornalista francês Frédéric Martel, lançado em fevereiro – Sodoma, Enquête au Coeur du Vatican [Sodoma, uma Investigação no Coração do Vaticano] –, contém provas extraordinárias de décadas de hipocrisia gay no Vaticano.)

Contudo, a declaração de Viganò soava verdadeira quanto a seu ponto crucial: cientes dos fatos, João Paulo II e Bento XVI haviam tolerado um cardeal homossexual e de comportamento abusivo, com quem Francisco também se aconselhara. É revelador que, confrontado com essa acusação, o papa não tenha feito nenhuma tentativa de negá-la – recusou-se a publicar qualquer documento que pudesse refutar as afirmações do ex-núncio e tão somente clamou por “silêncio” e orações.

Em setembro último, Francisco pareceu ter perdido a calma. Chamou a carta de Viganò de obra do demônio: “Nos tempos que correm, parece que o Grande Acusador foi libertado das correntes e pôs-se a atacar bispos. Está tentando revelar os pecados, a fim de torná-los visíveis e escandalizar o povo.” Depois, convocou uma assembleia de cardeais do mundo todo, realizada em Roma em fevereiro, com o propósito de discutir a questão do abuso sexual na Igreja. Pode vir a ser uma hora da verdade para seu papado – e para o de seus dois antecessores. A reunião pode forçar algum tipo de decisão sobre o papel dos padres homossexuais, do celibato no clero e da homossexualidade em si em toda a Igreja. É consenso que, para que a Igreja tenha alguma chance de restaurar sua autoridade moral, será necessário pôr fim a todo o aparato presente envolvendo sigilo, hipocrisia, abuso e homofobia. Mas como?

 

A direita católica já sabe o que prefere: a renúncia de todos os implicados no acobertamento do caso McCarrick,[4] incluindo-se aí, supõe-se, o papa Francisco (o papa emérito, Bento XVI, também?); uma extensa investigação sobre como padres, bispos e cardeais gays tornaram-se tão corriqueiros e tão poderosos; e a aplicação estrita da proibição de 2005 a padres homossexuais. Contudo, expurgar do clero “tendências homossexuais” demandaria afastar até um terço dos padres nos Estados Unidos, além de grande número de bispos e cardeais, muitos dos quais têm mantido o celibato, pregado a ortodoxia e vivido vidas exemplares. Inúmeros leigos veriam seus padres serem expostos e expulsos da Igreja. Como reagiriam?

Expulsões em massa marcariam a Igreja como definitivamente homofóbica, levariam facilmente a numerosas renúncias e a um declínio ainda maior da vocação para o sacerdócio. Pois que seja, dizem os tradicionalistas, que querem uma Igreja bem menor e mais pura. Mas poucos papas em potencial desejariam desempenhar o papel de detonador de semelhante implosão. E, mais importante, isso poderia tornar o problema ainda pior. A Igreja perderia todos os padres centrados o bastante para serem honestos sobre sua orientação sexual e ficaria, então, com os mais profundamente perturbados, os que se escondem e se odeiam. O potencial para o abuso sexual poderia crescer.

Uma segunda possibilidade seria uma trapaça, uma repetição de 2005, quando a Igreja declarou que todos os homossexuais deveriam ser expulsos e que mais nenhum gay deveria ser admitido num seminário – declarou, é verdade, mas nunca fez muito a esse respeito. De certo modo, essa seria a pior opção. Foram precisamente a manutenção e a anatematização simultâneas, ao longo de décadas, de padres gays que ajudaram a alimentar e acobertar o abuso.

A terceira opção seria simplesmente estimular o fim do acobertamento no clero, ou seja, pedir a todos os padres que obedeçam a um dos Dez Mandamentos e não mintam sobre si próprios. Isso demandaria que padres homossexuais se identificassem como tais perante seus superiores e paroquianos e, aliviando a tensão, renovassem publicamente o voto de celibato. (Se o celibato é saudável para a Igreja, isso constitui uma questão em si, estranhamente diversa da crise atual; um relaxamento das regras não resolveria, por si só, a posição da Igreja sobre a homossexualidade, cuja aceitação, por outro lado, é compatível com um clero celibatário.) Estimular o fim do acobertamento sublinharia a distinção formal que a Igreja faz entre identidade homossexual e atos homossexuais. Impediria que gays não assumidos e perturbados por sua homossexualidade abraçassem o sacerdócio e ofereceria modelos para os católicos gays vocacionados para o celibato. Os padres gays que se recusassem à plena transparência poderiam sair. Cardeais, bispos e diretores de seminário poderiam insistir no discurso franco sobre o assunto. Vidas duplas se tornariam bem menos comuns. Se um padre comprometido com o celibato está fazendo um bom trabalho, por que sua homossexualidade declarada haveria de ser um problema?

O único obstáculo a barrar esse caminho é a homofobia formalmente embutida na doutrina da Igreja em 1986 pelo futuro papa Bento XVI. A Igreja agora ensina, de forma explícita, que os homossexuais são “objetivamente desordenados”, porque seu próprio ser os conduz na direção de um mal moral intrínseco. Esse “mal” é a disposição de fazer sexo que não leva à procriação – a mesma razão pela qual a Igreja se opõe ao controle de natalidade para os casais heterossexuais. A diferença, claro, é que controle de natalidade é uma escolha, ao passo que a homossexualidade não é.

Uma analogia melhor seria, talvez, com os inférteis, que, simplesmente por serem como são, tampouco podem fazer sexo em prol da procriação. A Igreja, contudo, não os caracteriza como “objetivamente desordenados”. Longe disso, está louca para casá-los, assim como aos casais heterossexuais de mais idade. Na verdade, a Igreja acolhe todas as outras minorias, todas as pessoas com deficiência e os indivíduos perseguidos ou marginalizados pela sociedade em razão de alguma característica involuntária. Ela não descreve nenhum outro grupo de seres humanos como objetivamente desordenado.

Em algum momento, percebe-se que, no fim, essa é a questão. Há uma crueldade profunda e nada cristã no coração dos ensinamentos da Igreja, um preconceito inteiramente contrário à própria visão da Igreja de considerar cada pessoa um ser digno de respeito, merecedor de proteção e feito à imagem e semelhança de Deus. E isso com base em uma mentira – uma mentira que a alta hierarquia sabe ser mentira, uma mentira que a ciência, a história e a própria experiência da Igreja já demonstraram ser mentira. “A hierarquia está, em público, se enrolando com algo que já admitiu em privado”, padre Leo me explicou. A tarefa, me parece, não é livrar a Igreja da homossexualidade, que é parte integral do mistério humano, e sim da hipocrisia, da desonestidade e da disfuncionalidade. Impossível? Admito que às vezes sou tomado de um fatalismo esmagador. Mas, como católico, acredito também que, com Deus, nada é impossível.

 

Num domingo de manhã, no final de 2017, na paróquia conservadora de St. Bernadette, em Milwaukee, Wisconsin, o padre Gregory Greiten – é seu nome verdadeiro – estava muito nervoso. No dia seguinte, o National Catholic Reporter publicaria um artigo dele no qual o padre se revelaria gay. Ninguém na congregação sabia. Agora, prestes a celebrar a missa, ele queria que seus paroquianos fossem os primeiros a saber.

O padre Greg fez seminário numa escola de ensino médio em que adolescentes tiveram experiências com pessoas do mesmo sexo; lá, foi exposto como um dos envolvidos e teve que revelar tudo para a família. “Entrei em parafuso no dia em que meus pais foram chamados à escola”, ele contou. “Chorava sem parar… As marcas de estresse pós-traumático me fizeram sofrer durante anos.” Ele reprimiu sua sexualidade e seguiu o que acreditava ser sua vocação para o sacerdócio, mas teve uma crise aos 24 anos, justamente por causa de sua homossexualidade. Com o tempo, recuperou-se e se concentrou no ministério, mas, depois de 25 anos de celibato, finalmente decidiu que não podia mais mentir sobre si mesmo e preservar a própria integridade. Em 2017, encontrou um retiro para padres homossexuais do New Ways Ministry, um grupo católico simpático aos gays. “Ali era possível ser aberto e honesto – foi uma tremenda libertação estar ao lado de pessoas que só queriam conversar, ser honestas e seguir seu próprio caminho rumo à autenticidade.” Aquilo aumentou sua confiança.

Ele estava preocupado com a aposentadoria e o plano de saúde. “Mas pensei comigo: ‘Bom, se quiserem me tirar o sacerdócio, que tirem…’ Não vou fingir que sou heterossexual só para ajudar a Igreja a seguir ignorando o assunto. Bebi desse veneno durante grande parte da minha vida. Se precisam que eu minta sobre quem eu sou, então o sacerdócio é uma farsa.”

Enquanto conversávamos, não havia um pingo de raiva na voz dele, só aquele jeito simples e despretensioso do Meio-Oeste. Contou que a dissimulação cobrava um preço imenso de muitos ao seu redor, o que incluía suicídios que eram abafados. Tinha consciência de que, para ele, era relativamente fácil sair do armário – seu histórico de celibato era impecável desde os seus 24 anos. Outros, mais comprometidos, podiam se tornar alvos fáceis. Se ele não tomasse a dianteira, quem mais o faria?

Naquela manhã de domingo, ao se levantar para a homilia, sentiu a boca secar. A igreja estava lotada, e, quando ele começou a contar sua história, o silêncio fez-se quase insuportável. Ele foi adiante. Nenhuma reação. Por fim, uma mulher se levantou do banco, e ele se preparou para o pior. “Deus te abençoe, padre! Deus te abençoe!”, ela gritou. Depois, de repente, a congregação toda se levantou e aplaudiu. Ao final do sermão, todos aplaudiam de pé.

Desde então, ele nunca mais pensou no assunto. O arcebispo de Milwaukee fez uma declaração pública lamentando que o padre Greg tivesse se exposto, mas prometeu tratá-lo com “compreensão e compaixão”. Greg me disse que, depois de haver contado ao arcebispo que sairia do armário, não teve mais contato pessoal com ele. Tinha, porém, recebido uma gentil mensagem de voz por ocasião de seu aniversário.

“Este ano tem sido um dos melhores da minha vida”, ele disse. “Eu me sinto bem mais perto de Jesus. Alguém me perguntou se eu sentia algum arrependimento. Respondi: ‘Você sabe o que é a liberdade? Porque, se soubesse, não faria essa pergunta.’ Toda a energia que gastei para criar uma identidade falsa… as gozações… todo esse fingimento acabou. Eu gostaria que outros padres pudessem desfrutar um pouco dessa liberdade.” Em seguida, Greg falou algo inesperado: “Quero dizer uma coisa sobre minha mãe. Minha mãe tem feito por mim o que a Igreja nunca fez – ela me ama e me respeita do modo como sou, como Deus me criou para ser.” Quem sabe um dia a Santa Madre possa fazer o mesmo.


[1] A expressão “objetivamente desordenada” aparece no Catecismo da Igreja Católica, terceira parte (“A Vida em Cristo”), segunda seção (“Os Dez Mandamentos”), artigo 6º, § 2 358. A frase “comportamento intrinsecamente mau do ponto de vista moral” consta do item 3 da Carta aos Bispos da Igreja Católica sobre o Atendimento Pastoral das Pessoas Homossexuais, divulgada em 1986.

[2] O cardeal Newman foi beatificado pelo papa Bento XVI em 2010.

[3] Tradução de Aíla de Oliveira Gomes.

[4] Após perder o título de cardeal, em julho de 2018, Theodore McCarrick foi expulso do sacerdócio da Igreja Católica, em 16 de fevereiro deste ano. Foi considerado culpado de ter “infringido o sexto mandamento com menores e adultos, com a circunstância agravante do abuso de poder”, conforme um comunicado do Vaticano.