ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2019
A rainha dos pés
Noites de fetiche ao lado do Vaticano
Lucas Ferraz | Edição 153, Junho 2019
Sentadas lado a lado, Franca Kodi e Barbara Damiani conversam sobre cutículas, esmaltes e as novidades do mundo dos cremes para a pele e os cabelos. Kodi veste saia de couro, blusa social e um capote de frio. Damiani está apenas de lingerie. Dois homens massageiam os pés delas com movimentos circulares nos tornozelos, calcanhares e dedos, onde demoram mais.
Um dos acariciadores, nu e com uma touca ninja que expõe apenas os olhos, o nariz e a boca, foi contratado para fazer o papel de escravo sexual. O outro, Fabio, um italiano de 30 e poucos anos, pagou 100 euros para participar da noite dos fetichistas dos pés, festa realizada mensalmente pela Foot Fetish House em um apartamento no 1º andar de um prédio centenário na região central de Roma, a seis quadras da Basílica de São Pedro.
Franca Kodi – codinome de Francesca Codispoti, atriz de Torino de 60 anos – é a anfitriã da festa. Há mais de uma década, essa loira voluptuosa de cabelos curtos, que calça 35,5, tornou-se a rainha dos fetichistas de pés em Roma.
Após fazer teatro e trabalhar como dubladora de filmes, Kodi decidiu se aventurar no mundo da podolatria. Junto com o jornalista e fetichista Franco Vichi, ex-namorado dela, primeiramente organizou uma mostra dedicada ao culto dos pés no cinema italiano dos anos 50 e 60. Depois, criou a revista Il Feticista, publicação trimestral de sexo e cultura que circulou entre 2004 e 2011. Há oito anos, quando percebeu que muitos fetichistas sentiam necessidade de um espaço para interagir, o casal decidiu inaugurar a Foot Fetish House. A nova empreitada a levou a perder vários amigos, mas ela acabou conquistando outros, de “cabeça mais aberta”, como explicou.
Na mesma época, Kodi estreou na indústria pornô. Até agora fez três filmes, todos dirigidos por Vichi e sempre focados nos pés. “Comecei a fazer pornô numa idade em que as atrizes geralmente se aposentam”, disse ela.
Para os amantes da podolatria, a observação é o ponto de partida nas festas no apartamento romano. Por isso o figurino é tão importante – e não podem faltar saltos altos e pontiagudos, meias voluptuosas e esmaltes de cores intensas. Mas os gostos costumam ser excêntricos, e há fetichistas que dispensam o prazer da visão: às vezes Kodi recebe telefonemas de fãs que pedem apenas para ouvir o toc-toc do seu salto no piso do apartamento.
Há infinitas maneiras de um fetichista desfrutar os pés, ao vivo ou por chamadas de vídeo. Alguns os preferem com unhas pontiagudas, ou com objetos que prendem os dedões (como algemas), ou com meias calculadamente rasgadas, e assim vai. Há os que gostam de pés lambuzados de Nutella ou sorvete, os que sentem prazer em ter o sexo esmagado pelas solas. Nem todos têm necessidade de consumar o ato sexual à maneira clássica. “O fetichismo está ligado à submissão. Muitos querem apenas ser tratados como um cachorrinho”, explicou Kodi.
Ela ressalta que o fetichismo de pés é um desejo predominantemente masculino. Por experiência própria, diz que é difícil encontrar uma mulher que sinta tesão pelos pés de um homem. “Para mim, entrar nesse mundo foi uma revolução”, afirmou. “Aprendi muito sobre os homens, sobre o sexo e sobre mim mesma.”
Não são permitidos pés sujos nem chinelos de dedo na Foot Fetish House. E os convidados devem se esforçar para seguir o estilo “fetichismo-glamour”, na classificação dos organizadores, o que significa estarem elegantemente sexies.
Convidadas especiais, geralmente atrizes pornôs ou acompanhantes, costumam comparecer às festas. Barbara Damiani foi a protagonista da reunião de fevereiro, realizada na última quarta-feira do mês. Ex-modelo romana de 43 anos, calçado 37 e estilo pin-up, ela atua há quatro anos, sob o codinome Lady Barby, como mistress profissional – dominadora masoquista que cobra para humilhar seus clientes. “Cada pedacinho dos pés está relacionado a um dos nossos órgãos”, detalhou Damiani, ainda com as pernas esticadas ao lado de Kodi. Pouco depois, ela pegou um chicote e começou a açoitar os seus acariciadores.
Outra particularidade das noites na Foot Fetish House é a música. Ou melhor, os vinis. Um dos cômodos do imóvel guarda parte da coleção de centenas de LPs de Vichi, de clássicos do rock ao cancioneiro napolitano do século passado. “Colecionismo é fetichismo. As duas coisas estão relacionadas”, comentou o jornalista de 59 anos, que é muito magro e tem uma cabeleira que chega até a metade das costas. Por causa do fraco público daquela noite, ele interagiu pouco e preferiu ficar mexendo em seus discos.
Fabio, o único presente que pagou ingresso, compareceu à festa por causa de Lady Barby, antiga conhecida das boates masoquistas de Roma. As festas eventualmente terminam em sexo – um dos quartos tem sempre uma cama preparada –, mas geralmente as saliências acontecem na sala, diante dos presentes.
“O maior problema de seguir nessa temática é a crise, pois pouca gente está disposta a pagar 100 euros para participar de uma festa fetichista”, reclamou Vichi, ao ouvir Kodi conversar ao telefone com um interessado. “Não se trata de orgia ou gang bang”, respondia ela para a pessoa do outro lado da linha. “A casa é dedicada aos fetichistas de pés. Se quiser coisa diferente, procure em outro lugar.”
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