Fabio Pupo/Folhapress
Bolsonaro aposta no comércio
Presidente visita lojas e, nas redes, organiza movimento contra isolamento social
Infografia: Emily Almeida
Pesquisa realizada pelo instituto Ideia Big Data, que ouviu 1.555 pessoas de todas as regiões, entre 24 e 25 de março, revelou o nível de desespero do brasileiro com a crise associada à epidemia: 47% dos entrevistados revelaram não ter reserva financeira emergencial para se manter ao longo dos dias parados. Nesta terça-feira, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que o desemprego no país aumentou para 11,6% da população entre dezembro de 2019 e fevereiro deste ano – antes, portanto, da pandemia. Na semana passada, o governo federal chegou a publicar uma Medida Provisória (MP) autorizando a suspensão dos contratos de trabalho por quatro meses e o pagamento de salários neste período, mas recuou. Nesta semana, por causa da pandemia, o Senado aprovou a concessão de um auxílio emergencial de R$ 600 para trabalhadores informais, pelo período de três meses. Para tirar o benefício do papel, o projeto de lei precisa ser sancionado por Bolsonaro.
Desde o último domingo, as entrelinhas dos vídeos publicados pelo presidente durante e após a saída do comércio foram assimiladas pelos apoiadores bolsonaristas. Por um lado, começaram a se alastrar postagens incentivando a realização de novas carreatas, que os membros dos grupos voltassem ao trabalho e em apoio à reabertura da atividade econômica, colocando fim ao isolamento social, além de mensagens inflamadas. “Sem o comércio e a indústria funcionando, o Brasil entrará em colapso econômico em pouco tempo. A velha política e a mídia sabem disso. Querem ver a desgraça e não estão preocupados com os milhões de pais e mães de família que vão morrer com isso”, diz uma postagem atribuída a Erick Harrison. “O afastamento social quer te prejudicar. O comunismo tenta destruir o capitalismo e isso já é um fato conhecido”, escreveu Silas, no grupo de WhatsApp “Vem Pra Rua Brasil”. No mesmo canal, Eroneide assinalou que a pandemia e o confinamento “é tudo conspiração contra o Presidente e nós Brasileiros” [sic].
Outro conteúdo que viralizou nos grupos bolsonaristas foi um vídeo gravado pelo empresário Luiz Galebe, que se tornou relativamente conhecido por ter sido o fundador e apresentador da TV Shop Tour – especializada em vendas pela tevê. Em uma gravação de cinco minutos e meio, ele menciona teorias da conspiração – como a que a Rede Globo teria sido vendida ao Partido Comunista da China – e, principalmente, defende a retomada das atividades econômicas. “O povo está indo pras ruas e não tá fazendo mal. Estão escondendo os números da realidade. Tem um hospital no Rio [de Janeiro] preparado para receber trezentos pacientes de uma vez. Estão com doze: quatro na UTI e oito na [unidade] semi [intensiva]”, disse. “O que eu quero é que vocês sustentem o Bolsonaro. Quem votou no Bolsonaro tem que segurar as pontas e quem não votou e tá vendo que ele tá fazendo um bom serviço não deixa essa cachorrada nova entrar, porque o que eles querem é voltar a ser o que era” [sic], disse. Só na conta de Galebe no Facebook, o vídeo teve mais de 3,4 mil reações e 4 mil compartilhamentos.
Também ganhou corpo nos grupos bolsonaristas o compartilhamento de mensagens e teorias pondo em dúvida a gravidade da pandemia. Uma das mais compartilhadas – uma notícia falsa –, diz que a “OMS [Organização Mundial de Saúde] muda o seu discurso sobre isolamento social e vai de acordo com o que o presidente do Brasil tem dito”. Outro vídeo com adesão entre defensores virtuais de Bolsonaro afirma que “estão falsificando óbitos de Covid-19”, como forma de inflar estatísticas e “prejudicar o presidente”. Também têm viralizado postagens afirmando que o coronavírus foi desenvolvido em laboratório pela China para atingir os Estados Unidos, além vídeos, textos e memes que mencionam a hidroxicloroquina, remédio usado contra a malária, como forma de combate ao coronavírus – hipótese não comprovada cientificamente.
O isolamento social vem sendo recomendado pelo Ministério da Saúde desde a confirmação dos primeiros casos no Brasil. A Covid-19 acometeu pessoas próximas do presidente, como o chefe da Secretaria de Comunicação (Secom), Fabio Wajngarten, e o ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, general Augusto Heleno. No total, 23 pessoas que acompanharam Bolsonaro em uma viagem oficial aos Estados Unidos foram infectados pelo coronavírus. Apesar de ter mantido sua rotina – e a proximidade com autoridades e cidadãos –, o presidente sempre se negou a mostrar o resultado de seu segundo exame. O Hospital das Forças Armadas – onde Bolsonaro foi submetido ao teste – chegou a divulgar uma lista com dezessete infectados, mas o rol omitia o nome de dois deles. Nesta terça-feira, Heleno postou no Twitter seu novo teste, que deu negativo. “Agradeço o apoio e as orações de todos os amigos e amigas. Seguimos juntos na batalha por um Brasil melhor!”, escreveu o general.
Na manhã desta terça-feira, em entrevista coletiva na portaria do Palácio da Alvorada, Bolsonaro distorceu a fala do diretor-presidente da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Ghebreyesus, na tentativa de referendar o fim da quarentena. Na segunda-feira, Ghebreyesus havia afirmado que os governos dos países deveriam garantir o bem-estar das pessoas que perderam suas respectivas rendas em razão da pandemia. Na mesma entrevista, ressaltou a importância do isolamento social, apontando que esta é “a única chance de derrotar este vírus”. “A última coisa que os países precisam é reabrir as escolas e os negócios apenas para ter que fechá-los outra vez devido ao ressurgimento de casos. Medidas agressivas para isolar, testar, tratar e monitorar os casos são não somente a melhor e mais rápida saída de uma contenção econômica e social extrema, mas também a melhor maneira de evitá-las”, afirmou o diretor-presidente da OMS.
Bolsonaro, no entanto, suprimiu as menções relacionadas à importância da quarenta. “O que o diretor-presidente da OMS falou? Esse povo humilde fica o dia todo na rua para levar um prato de comida à noite em casa. Ele falou que ele era africano sabe o que é passar dificuldade. A fome mata mais do que vírus”, disse Bolsonaro.
Enquanto Bolsonaro era questionado por jornalistas sobre o fato de o ministro Mandetta ter voltado a defender o isolamento horizontal, apoiadores do presidente que acompanhavam a coletiva reagiram. Um dos seguidores gritou que a imprensa “fica o tempo todo jogando os ministros contra o presidente”. Quando os repórteres tentaram retomar as perguntas, Bolsonaro interveio, de forma ríspida, dando a palavra a seu apoiador. “É ele que vai falar! Não é você, não!”, gritou. Com a anuência do presidente, as pessoas aglomeradas à entrada do palácio passaram a xingar a imprensa. Os jornalistas viraram as costas e abandonaram a coletiva. “Vai embora? Vai abandonar o povo?”, questionou Bolsonaro, aparentemente surpreso. E, como no ambiente virtual, continuou falando com a sua claque.
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