Intervenção de Paula Cardoso em foto de divulgação
O livro que voou nas redes
O que acontece quando o algoritmo impulsiona o sucesso de uma obra, o excelente Torto Arado
Na primeira semana de fevereiro, o romance Torto Arado (Ed. Todavia), do escritor Itamar Vieira Junior, atingiu a marca de 70 mil exemplares vendidos, entre versões física e digital. Lançado em agosto de 2019, metade das vendas se concentrou nos últimos três meses: o livro vendeu 45 mil exemplares entre novembro, dezembro e janeiro. Trata-se de um sucesso raro no mercado editorial do país, cujas edições raramente ultrapassam a tiragem de 5 mil cópias.
O pico de vendas coincide com o boom de menções do livro e de seu autor nas redes sociais, em um match perfeito entre algoritmo e literatura de qualidade. De acordo com o Crowdtangle, ferramenta que mensura interações em redes sociais, Torto Arado virou sinônimo de likes e compartilhamentos. Entre agosto de 2019 e a segunda semana de fevereiro de 2021, a obra alcançou 41.854 interações no Facebook, enquanto Itamar Vieira Junior teve 49.568. No Instagram, o engajamento foi mais impactante:354.719 interações com o nome do livro e outras 281.426 com o nome do autor. Quem publica nos Stories a capa de um livro sem marcar a obra ou o autor acaba não sendo capturado pelas plataformas de busca.
Mais de 50% das postagens em ambas as redes se deu entre novembro de 2020 e janeiro de 2021. No Instagram, foram 50,6 mil menções só no dia 11 de dezembro. “Torto Arado rompeu a bolha da literatura e passou a ser postado e comentado por integrantes de toda a sociedade”, diz Leandro Sarmatz, sócio e editor da Todavia. No dia 11 de dezembro, a ex-deputada federal Manuela D’Avila postou uma selfie segurando a capa do livro em seu perfil do Instagram com 2 milhões de seguidores. Um comparativo de como o escritor virou pop: a #ItamarVieiraJunior aparece 1,2 mil vezes no Instagram – não muito atrás de um dos autores de maior sucesso comercial e prestígio do Brasil: #LaurentinoGomes aparece 5,3 mil vezes.
“A rede social cumpre o papel de boca a boca, nenhum autor pode ignorar esse fato na hora de lançar um livro”, reconhece Itamar Vieira Junior. Ele aderiu ao Facebook e ao Instagram em 2012, quando estreou como escritor com a obra de contos Dias. Mas deu mais bola para o primeiro. “Eu fui provocado a ser mais ativo no Instagram quando alguém me disse que o escritor Xico Sá tinha elogiado meu segundo livro de contos, quando então fiquei curioso para ler o que ele havia escrito.”
O livro em questão era A Oração do Carrasco, lançado em 2017. Sua atividade nas redes hoje é bastante frequente – ele reposta diversas menções recebidas por seus leitores. Com receio de não conseguir administrar seu tempo, ele evitou abrir perfil no Twitter. Por enquanto.
Geógrafo de formação e servidor público do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) em Salvador, Vieira Junior tinha planejado dedicar parte do ano de 2020 viajando pelo país para divulgar Torto Arado. A pandemia fez tudo mudar. O caminho natural foi ele ter participado de lives e palestras virtuais. “Eu faço questão de ler os comentários e compartilhar os posts; acredito ser uma maneira de retribuir ao tempo da pessoa dedicado a ler o livro.”
Torto Arado tem sido responsável por dar um salto na qualidade de vida de seu autor. Vieira Junior recebeu 100 mil euros como vencedor do prêmio LeYa por Torto Arado, em outubro de 2018. À época, seu romance não havia sido publicado no Brasil. Esse dinheiro serve como um adiantamento dos possíveis royalties da obra. A partir do momento em que o livro começa a ser comercializado, o dinheiro das vendas destinado ao autor – os 10% em cima do valor de capa – vai para uma conta vinculada à LeYa. “O dia em que esse valor superar a marca de 100 mil euros, algo quase impossível na maioria dos casos, o autor passa a receber pelo livro”, explica Vieira Junior.
No caso do Torto Arado, entre os royalties estão as vendas do livro para editoras de países como Itália, Eslováquia, Croácia e México, assim como de seus direitos de adaptação para o diretor Heitor Dhalia, que vai transformá-lo em série. Caso o autor vencedor do LeYa não tenha sucesso comercial, ele não precisa devolver o dinheiro recebido pela premiação.
Com o dinheiro do LeYa, Vieira Junior comprou uma casa no bairro de Itapuã. “Meu salário como servidor público é pequeno, o prêmio foi a chance de eu realizar esse sonho.” O escritor mora na casa na companhia de dois cachorros (Frida e Hannah) e quatro gatos (G.H., Mimi, Lindinho e Bob). Todos foram resgatados. Ele também recebeu, em dezembro de 2020, 120 mil reais do prêmio Oceanos e 5 mil reais do prestigiado Jabuti. No meio deste ano, a Todavia relançará o livro de contos A Oração do Carrasco, com textos inéditos, e em 2022 sairá o segundo livro da trilogia Torto Arado. “Preciso ficar tranquilo, sem muitos compromissos, para me dedicar à escrita desse novo romance”, diz o escritor. Nem só de rede social vive um autor de sucesso.
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