ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2021
Foguete afro-goiano
Uma estilista do Centro-Oeste nas passarelas de São Paulo
Luísa J. Guirra | Edição 182, Novembro 2021
O casamento de Nayara Ferreira dos Santos aconteceu no sítio da avó dela, em Itauçu, a 70 km de Goiânia. O altar, improvisado na área externa, tinha ao fundo uma trave de gol, onde foram afixadas fitas coloridas e flores feitas com papel crepom. Enquanto Santos caminhava na direção do noivo, o diretor de cinema João Henrique de Almeida Pacheco, ressoou nas caixas de som a voz de Maria Bethânia, na canção Foguete: Tantas vezes eu soltei foguete/imaginando que você não vinha,/ficava cá no meu canto calada,/ouvindo a barulheira que a saudade tinha. Era a tarde de 6 de janeiro de 2017, Dia de Reis.
Quatro anos depois, a imagem de um foguete romântico voltou à mente dela, e foi a partir dessa memória que a estilista criou a coleção de outono-inverno que mostrou em sua estreia na São Paulo Fashion Week (SPFW), a semana de moda realizada entre 23 e 27 de junho passado. Como a SPFW ainda seguia as restrições da quarentena, a coleção foi apresentada em vídeo – na forma de um fashion film, para usar o jargão. No meio da moda, a estilista é conhecida como Naya Violeta, o nome artístico que adotou. “É uma referência à violeta africana, planta com flores miudinhas, bastante comum no Brasil. Antigamente, eu também usava cabelo roxo.”
Violeta foi um dos primeiros nomes do Centro-Oeste a participar do evento de moda criado há 26 anos, junto com Airon Martin, de Mato Grosso, e depois de Vanessa Moe, de Brasília, e Lucas Nascimento, de Mato Grosso do Sul. Os três, contudo, não vivem na região. Violeta atua efetivamente em Goiânia – e chegou às passarelas de São Paulo conduzida pelo Projeto Sankofa, feito pelo movimento Pretos na Moda em parceria com a startup de inovação social Vetor Afro-Indígena na Moda (Vamo).
Além da grife de Violeta, sete outras foram selecionadas pelo projeto para as apresentações na SPFW em junho e nas duas próximas edições (neste mês de novembro e em abril de 2022): as cariocas Az Marias e Ta Studios; as paulistas Mile Lab e Silvério; e as baianas Ateliê Mão de Mãe, Santa Resistência e Meninos Rei. “A gente não olha para todos os Brasis dentro da moda. E a participação da Naya, só agora, é um reflexo disso”, diz o estilista Isaac Silva, que estreou em 2019 na SPFW. Naquele ano, entre as 43 grifes que desfilaram, apenas a dele e de outros dois criadores eram afro-brasileiras.
Naya Violeta tem 32 anos, nasceu em Goianira e mudou-se para a capital em 2013. Apesar da fala rápida, ela não é dada a prosas curtas. Como um foguete, dispara assuntos variados na conversa: moda, adestramento de cachorros (sua mascote se chama Tulipa) e causos ocorridos com seu pai. O comerciante Reinaldo Alves dos Santos sempre esteve atento à moda. “Meu pai tinha várias peças da Yes Brazil e até comprava roupas escondido”, recorda, referindo-se à marca criada por Simão Azulay no Rio de Janeiro, uma das mais famosas dos anos 1990. Por outro lado, a mãe de Violeta, a confeiteira Nanci Ferreira Pimenta, nunca se importou com as tendências da moda.
A estilista conta que ainda precisa enfrentar muitos desafios para se fazer conhecida no meio da moda. “Na São Paulo Fashion Week me chamam de ‘a menina de Goiás’, o que mostra que há barreiras a se quebrar.” As barreiras, porém, começaram em seu próprio estado. “Eu e a Milleide Lopes, da marca Novelo, quando fazíamos parte do ateliê coletivo Casulo, tivemos que cortar um dobrado para sermos aceitas.” As pessoas em Goiás diziam que a moda que elas faziam era “colorida e misturada demais”, e os estilistas locais preferiam reproduzir o estilo paulistano. “Eles não olhavam para um corpo curvilíneo, com quadril farto, seios.” Mas as coisas mudaram nos últimos anos, segundo Violeta. “Hoje, o que se chama de moda goiana, está muito atrelada ao empreendedorismo negro.”
Outro entrave é a visão estreita que o Brasil tem sobre a situação da moda em Goiás, inclusive da perspectiva econômica. A capital do estado é o segundo maior polo atacadista de roupas e calçados do país, depois de São Paulo, segundo uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), divulgada em maio de 2020. Em 2018, Goiânia atraiu 3,7 milhões de compradores para as suas lojas de roupas, vindos de estados vizinhos, como Tocantins, Pará, Mato Grosso e o Oeste da Bahia. “Na Rua 44, perto da rodoviária, se fazem negociações tão interessantes quanto no bairro do Brás, em São Paulo”, afirma a estilista.
A temporada primavera-verão da SPFW acontece entre os dias 16 e 20 deste mês de novembro, agora de forma presencial. Na nova coleção, a estilista investe ainda mais no contraste entre cores e elementos, prometendo encher de vibração a passarela, onde vai comparecer ao lado da sua costureira de mais de dez anos, Valdirene Martins, a Val. Apesar da proximidade da data, Violeta não está atenta apenas às roupas. “Sou 50% estilista, 50% gestora, às vezes não me toco do tamanho dos passos que estou dando”, diz.
Ela começou na moda por um caminho afetivo, convivendo com as tias costureiras, que a carregavam desde pequena para o bairro de Campinas, onde se concentram as lojas de tecidos em Goiânia. Era nessas mesmas lojas que seu futuro marido, o diretor de cinema João Henrique de Almeida Pacheco, ia atrás dela, aproximando-se pouco a pouco, como quem não quer nada. “Era um interesseiro”, brinca a estilista. “Perguntava se aquela viscose era boa para uma bela camisa ou se o tecido servia para uma calça.”
Após dois anos de namoro, eles se casaram. A partida precoce do marido a marcou fortemente. O diretor morreu oito meses depois do casamento, em um acidente de trânsito. Tinha 26 anos. “O nosso relacionamento potencializou minha força”, diz Violeta. “Ele é parte de tudo o que eu celebro na moda.”