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    Carlos Valls, à direita, posa para foto com outros apoiadores de Joaquim Barbosa Foto: Movimento Popular Joaquim Barbosa

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Os viúvos da toga

Apoiadores do ex-ministro Joaquim Barbosa peregrinaram até Brasília para ver Moro, mas saíram de mãos abanando

Luigi Mazza | 11 nov 2021_13h43
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Às sete da manhã de quarta-feira (10), Carlos Valadares – que atende pelo nome artístico de Carlos Valls – já estava postado em frente ao Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília. O aposentado de 64 anos chegou com duas horas de antecedência para o evento de filiação do ex-juiz Sergio Moro ao Podemos, marcado para as nove. Fez questão de deixar um recado na porta de entrada para que todos lessem quando passassem por ali. Esticou uma faixa branca de 2 metros em que se lia: “Movimento Popular Joaquim Barbosa apoia Sergio Moro presidente”. Em uma das mãos, segurava um cartaz dizendo: “Cadeia neles!”

“O candidato do nosso sonho era o Joaquim Barbosa, confesso para você. Mas agora, como o Moro avançou, vamos apoiar o Moro. Não temos mais tempo para esperar”, disse Valls à piauí, enquanto jornalistas e dirigentes do Podemos começavam a se aglomerar na porta do evento. Embora more em Goiânia, a três horas de distância de Brasília, ele achou importante comparecer e passar uma mensagem em nome de todos os apoiadores de Barbosa, ex-ministro do Supremo Tribunal Federal e relator do processo do mensalão. Barbosa desde 2018 flerta com uma possível candidatura presidencial – embora nunca tenha disputado um cargo político.

“Em 2018 nós ficamos órfãos quando ele desistiu de se candidatar. Ele ia ganhar”, lamentou Valls, que diz ter anulado o voto no segundo turno da eleição. “Naquele ano eu nem saí de casa pra votar”, emendou Wilson Silva, de 34 anos, advogado que também faz parte do movimento em apoio a Barbosa. A agremiação de fãs do ex-ministro do STF ainda é pequena: foi criada oficialmente no começo do mês e conta, segundo Valls, com entre seis e oito militantes aguerridos. Tem também uma página no Facebook com 18 curtidas.

Ao ser questionado por que prefere Barbosa a Moro, Valls tira a resposta da ponta da língua. “Essa é fácil de responder. O Joaquim tem mais experiência, enquanto o Moro é um cara jovem. Começa por aí. E o Joaquim nasceu num lugar muito simples, é um cara que batalhou demais da conta pra chegar onde chegou. Trajetória admirável”, explicou. Produtor cultural aposentado, Valls está desde 2014 preparando um documentário sobre a vida de Barbosa. O filme se chamará De cara com a lei. A ideia surgiu quando Valls, transitando um dia por Brasília, se deparou com o acampamento montado pelo PT ao lado do STF durante o julgamento do mensalão. “Quando vi aquilo eu pensei: ‘nossa, isso é cinema’.” Ele ainda não teve a chance de conhecer Barbosa pessoalmente, mas espera conseguir em breve. Já fez filmagens em Paracatu, cidade do interior de Minas Gerais onde nasceu o ex-ministro.

Como Barbosa não tem dado sinais de que vai se candidatar, o jeito, diz Valls, é aderir a Moro. O que não é um problema. “Eu adoro esse cara.” Por volta das nove horas, quando senadores e deputados já se acomodavam no auditório para acompanhar a filiação de Moro, Valls e seu colega Wilson Silva tentaram entrar no Centro de Convenções, mas foram barrados. Eles queriam transmitir a Moro o recado de alguns amigos que moram em Paris em apoio à candidatura do ex-juiz. A organização do evento não permitiu. Às dez da manhã, quando o evento começava, os apoiadores de Barbosa voltaram para Goiânia de mãos abanando, sem ter visto Moro nem de longe.

 

Os fãs de Barbosa não foram os únicos a ver navios. Todo um séquito de prefeitos e vereadores que lotou o Centro de Convenções Ulysses Guimarães fez fila para tentar tirar uma foto com Moro, depois de ele terminar seu discurso de candidato, por volta de meio-dia. Uma multidão cercou o palco. Para organizar a bagunça, foram priorizados os senadores e deputados federais presentes ao evento, que logo subiram no palanque, cumprimentaram o ex-juiz e se deixaram fotografar ao seu lado. Depois virou um vale-tudo. O palco foi tomado de gente, e em pouco tempo Moro saiu pelos fundos, cercado de seguranças. Deixou decepcionados algumas dezenas de políticos que tinham vindo de todos os cantos do Brasil para conhecê-lo ou para ao menos apertar sua mão. A presidente do Podemos, Renata Abreu, ficou até o final cumprimentando os colegas, um por um.

O evento de filiação colocou Moro diante de um mundo com o qual ele nunca lidou, o da vida partidária. Pouco antes de ele assumir o microfone, a cerimonialista anunciou alguns dos ilustres convidados que estavam presentes no auditório: o companheiro Márcio da Farmácia, de São Paulo; o prefeito Luiz Carlos Junior, de Itagimirim (BA); o prefeito Oclecio Meneses, de Farol (PR), o vice-prefeito Genesio da Vila, de Moreira Sales (PR); e muitos outros.

Em pé entre as cadeiras, o vereador Edmilson da Silva (PODE-SP), conhecido nas urnas como Baixinho, aguardava por uma foto com Moro. Saiu de Araçariguama (SP) só para prestigiar o ex-juiz, mas não conseguiu nem chegar perto dele. Ele admite que Moro ainda precisa aprimorar seu traquejo político. “Falta um pouco, mas a Renata [Abreu] é que vai fazendo essa ponte”, disse ele. O vereador José Muniz (DEM-SP), de Jaguariúna, que também fez fila por uma foto, tentou achar um lado positivo na inabilidade política do ex-juiz. “Quando a pessoa tem muito conhecimento político também ela acaba se corrompendo”, argumentou.

Do lado de fora do Centro de Convenções, assim que terminou o evento, uma banca fez sucesso vendendo camisetas com o rosto de Moro e adesivos que diziam #VemMoro2022. Enquanto se preparava para ir embora, a vereadora Isaura Salles (PODE-SP), de Corumbataí, adquiriu por 60 reais uma camisa amarela do ex-juiz. Nem ela nem nenhum de seus colegas de vereança na cidade paulista conseguiram se aproximar de Moro e, segundo eles, não há previsão para uma reunião entre eles e o presidenciável.

Salles enfrentou 10 horas de carro entre Corumbataí e Brasília para prestigiar o evento de filiação de Moro. Viajou no carro de Luis Fernando Mancini, secretário na prefeitura da cidadezinha de 4 mil habitantes. Também pegaram carona o vereador Nildo (PODE-SP) e o presidente do PSL em Torrinha (SP), Marco Polo Vieira. Chegaram na capital na terça à noite e aproveitaram a viagem para peregrinar por gabinetes de aliados no Congresso.

“A questão não é o Moro se adaptar, mas sim o Podemos se adaptar ao jeito Moro de ser. Ele não pode se adaptar à vida política porque senão vai deixar de ser quem é”, ponderou Mancini, que também levou para casa uma camiseta com o rosto do ex-juiz. “Aliás ele já propôs um conflito aberto com a classe política, depois desse discurso de hoje”, celebrou Vieira, empolgado, exibindo um adesivo de apoio a Moro colado no blazer cinza-escuro.

O ex-juiz foi embora, a trupe de Corumbataí entrou no carro e foi almoçar ali perto. Voltam para sua cidade hoje, enfrentando mais dez horas de viagem, e sem ter conhecido Moro.

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