ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2022
Turismo de um dia
Excursões animam o comércio informal em Copacabana
Elvira Lobato | Edição 185, Fevereiro 2022
A movimentação em frente ao hotel Copacabana Palace contrastava com o silêncio da praia na manhã daquele domingo, dia 5 de dezembro do ano passado. O barulho não vinha dos hóspedes, mas dos passageiros dos ônibus e vans que desembarcavam no calçadão às 5h30, com caixas de isopor, coolers e sacolas.
Assim que os veículos estacionavam, surgia o primeiro comitê de recepção: senegaleses oferecendo óculos escuros espelhados, vendedores de chapéus e guias de turismo com oferta de pacotes baratos de city tour. Enquanto a algazarra se formava, algumas mulheres buscavam o melhor ângulo para a selfie com o Copacabana Palace ao fundo.
A excursão de um dia, ou bate-volta, para Copacabana havia retomado firme no início de dezembro. Trabalhadores de baixo poder aquisitivo aproveitavam o único dia de folga da semana para se divertir na praia. “A movimentação acontece aos domingos porque sábado é dia de trabalho para esse pessoal”, explicou o agente de turismo Edson Lopes, que há nove anos organiza viagens de Belo Horizonte para o Rio.
A atividade alimenta uma cadeia de prestadores de serviço informais que madrugam para recepcionar os visitantes. Às 3h30 soou o despertador na casa de Humberto Farias, de 26 anos, morador da Zona Norte que gerencia um quiosque de aluguel de cadeira e guarda-sol. Quando um ônibus proveniente de Piracicaba, no interior de São Paulo, encostou às seis da manhã em frente ao Copacabana Palace, ele já estava a postos no local – Farias havia sido avisado na véspera da chegada do grupo.
A parceria entre os quiosques e os organizadores das excursões garante pequenos confortos aos viajantes. Farias indica dois deles: chuveiro para tirarem a areia do corpo antes do embarque para casa e ajuda para transportar as caixas de isopor e os coolers repletos de bebida e comida que são trazidos de casa para reduzir o custo com alimentação. Ele jogou duas grandes caixas de isopor nos ombros e conduziu os passageiros até o quiosque. “Cliente meu não carrega peso”, disse. O quiosque funciona também como ponto de referência, caso o turista se desgarre do grupo e se perca na praia, o que é comum.
Lucas Francisco, de 21 anos, foi outro que acordou às 3h30. Ele mora com os pais em São Gonçalo, cidade a 32 km do Rio de Janeiro, e até julho do ano passado era zagueiro do Casimiro de Abreu Esporte Clube – no município fluminense de mesmo nome. Quando a agremiação suspendeu o futebol profissional, o jovem se viu forçado a entrar temporariamente para o time dos ambulantes da praia como vendedor de espetinhos de camarão.
Os ônibus dos excursionistas chegam e saem da cidade sem nenhum controle ou acompanhamento por parte do poder público municipal. A prefeitura também não dispõe de informações estatísticas sobre esses visitantes, segundo o secretário municipal de Turismo, Bruno Kazuhiro. Ele contou que os hotéis e restaurantes reclamam que as excursões não contribuem para a geração de renda e arrecadação de impostos, porque trazem um turista que não consome. O secretário parece concordar com o raciocínio, que não leva em conta os ganhos do comércio informal.
Kazuhiro disse que a prefeitura pretende convocar o setor privado para construir e explorar um estacionamento – que ele chama de hub – para os ônibus, que hoje ficam estacionados na rua. A medida, na sua opinião, permitiria o controle do fluxo turístico e retiraria os veículos das vias públicas. Há planos também de criação de uma taxa municipal – uma espécie de selo-pedágio – a ser paga pelos ônibus para entrar na cidade.
Edson Lopes, guia de turismo em Belo Horizonte há nove anos e dono da empresa Eddytur, calcula que entre 80 e 100 ônibus partem de Minas Gerais para o Rio nos fins de semana. “Todo dia aparece alguém que perdeu o emprego e organiza uma excursão para ganhar uma renda extra”, diz ele, reclamando que o mercado foi invadido por concorrentes sem registro profissional, que baixaram os preços das passagens. Lopes tem feito campanha nas redes sociais contra esses ônibus piratas, que estão prejudicando sua empresa: antes ele fazia três viagens por mês para o Rio e agora tem feito apenas uma.
Copacabana é o destino mais cobiçado, mas excursões também são feitas para Ipanema e Recreio dos Bandeirantes. Há pacotes a partir de 130 reais por pessoa (ida e volta) saindo de Belo Horizonte. Crianças de até 5 anos não pagam, e as de 6 a 9 pagam meia.
As excursões bate-volta são organizadas pelas redes sociais. Agentes de turismo e outros profissionais contratam ônibus para transportar os passageiros e, uma vez negociado o frete, anunciam os lugares. O Facebook é a principal vitrine de venda, mas a comunicação boca a boca também funciona.
Os mineiros eram maioria naquele domingo de dezembro, mas havia grupos de São Paulo e do interior do estado do Rio na faixa de areia em frente ao Copacabana Palace.
As enfermeiras Tatiane Gomes, Lizandra Alves e Marta Roberta saíram de Piracicaba, no interior de São Paulo, às 21 horas do sábado. Foi a primeira viagem que fizeram após meses de trabalho extenuante durante a pandemia. Elas viajaram 564 km para relaxar, mas se decepcionaram com a poluição e a pobreza no Rio de Janeiro. “Sinceramente, a praia do Guarujá é mais bonita e bem cuidada”, lamentou Roberta. Estavam também inconformadas com a taxa de 3 reais para usar o banheiro público e o aluguel de 10 reais da cadeira. “No Guarujá, se você consome, não paga pela cadeira”, disse Gomes.
O mineiro Ênio Junior, de 33 anos, técnico de manutenção de um supermercado em Sete Lagoas, contratou pela internet o pacote de viagem para ele, a mulher, Natália Pimenta, a cunhada Carine Pimenta e o sobrinho Wellington Pimenta. Eles chegaram ao Rio em um ônibus que saiu de Belo Horizonte com cinquenta passageiros.
Durante o tempo em que passaram na praia, Junior e seus familiares consumiram duas garrafas de uísque e cinco caixas de cerveja que trouxeram de casa. Após duas horas exposto ao sol, Wellington já exibia a pele tostada. “Vim aqui pra me queimar e pra beber”, disse ele, que via o mar pela primeira vez, assim como Carine. Os dois não sabiam nadar e usaram a mesma palavra para expressar o que sentiram diante da imensidão do oceano: “Liberdade.”
Alex Júnior, de 18 anos, funcionário de uma fábrica de sofás em Piraúba, Minas Gerais, não conteve o espanto diante do mar. “É muito maior do que Bichinho de Luz”, exclamou, referindo-se à represa perto de sua cidade onde costuma passear com os amigos.