Lendo e escrevendo em meio ao apocalipse: Daniel Galera e Natalia Borges Polesso retratam em seus livros uma geração que vislumbra com minúcia o fim do mundo atual, mas que ao mesmo tempo não consegue articular visões coletivas ou utopias à altura da destruição em curso CRÉDITO: BETO NEJME_2022
O fim sem fim
Duas ficções brasileiras recentes e os desafios de narrar a crise climática
Vinícius Portella | Edição 188, Maio 2022
Já virou quase uma frase de efeito a famosa constatação atribuída ao teórico norte-americano Fredric Jameson segundo a qual seria mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo. A cultura pop já convivia com ficções pós-apocalípticas como Mad Max quando especialistas começaram a alertar sobre o potencial destrutivo de nosso modo de vida na Terra, mas, até a queda do Muro de Berlim, o principal medo de destruição planetária ainda parecia ser o de uma guerra nuclear. Nas duas últimas décadas, isso mudou.[1] Quando a exaustão ambiental chega até aos filmes fofos da Disney, como Wall-E, de 2008 – uma saga sobre um robô encarregado de limpar o planeta devastado enquanto a humanidade foge numa nave –, é sinal de que já está instalada, no fundo da cultura, a percepção de que tudo tem um limite. De que a conta ambiental viria a ser cobrada, mais cedo ou mais tarde. Só não se sabia ainda que seria mais cedo do que tarde.
Hoje, o consenso científico informa que a humanidade tem pouquíssimo tempo para mudar sua matriz energética e sua expectativa global de consumo, caso não queira comprometer a sobrevivência da própria espécie e da maior parte das outras espécies deste esferoide. Já não é possível impedir totalmente o aquecimento global, assim como não é possível evitar de todo diversas transformações que vão desde a acidificação dos oceanos até a dispersão de incontáveis partículas de plástico por toda a sua extensão. Esse processo já se instalou. Nós já vivemos num mundo parcialmente destruído, severamente danificado, que se encaminha para a quebra do precário equilíbrio do qual emergiu a vida animal no planeta. A questão que resta é o quanto dessa destruição será amainada. E com que rapidez e força as mudanças radicais vão ocorrer.
Reportagens apuradas com tempo largo e escritas com zelo para quem gosta de ler: piauí, dona do próprio nariz
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