CRÉDITO: ANDRÉS SANDOVAL_2022
Elegância acima de tudo
Assembleia do Rio, que tem fama de ser um antro de mutretas, oferece aula de etiqueta
Camille Lichotti | Edição 188, Maio 2022
A lista de orientações é longa. Para começar, aparência impecável: unhas limpas, cabelo em ordem, barba bem-feita, maquiagem leve, roupas passadas, coluna sempre ereta, bom perfume, usado com moderação (para não agredir o olfato alheio). Recomenda-se falar em um tom de voz equilibrado, evitar gírias, priorizar a norma culta da língua e ampliar o vocabulário. Palavrões? Jamais! Pessoas sofisticadas não se acham melhores que as outras, não têm o nariz empinado. Elegante é ser suave, optar por gestos delicados e evitar conflitos. Nunca aponte o dedo para as pessoas: não é chique. “E não cuspa, né? Tem gente que precisa se controlar porque é muita falta de educação”, diz a assessora Débora Batista, 46 anos, na aula que deu para funcionários e assessores da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj), em 12 de abril passado.
Batista ministrou um curso de três horas sobre “etiqueta corporativa e marketing pessoal” na Escola do Legislativo, um braço da Alerj que organiza cursos, palestras e eventos voltados à capacitação dos servidores. As aulas para os funcionários da Casa são abertas ao público em geral e atraem assessores de todo o estado. Agora que a Assembleia trocou sua antiga sede, o charmoso Palácio Tiradentes, por um bloco de concreto de 34 andares no Centro do Rio, os gabinetes dos deputados ficam a poucos pavimentos do auditório onde acontecem as aulas. Mas naquela tarde de terça-feira o espaço estava um tanto vazio. Cerca de vinte pessoas ouviam as dicas de como se portar no ambiente de trabalho.
Além de explicar regras básicas de convivência, Batista deu uma pincelada na história da etiqueta social e seus modelos – da princesa Teodora, filha do imperador bizantino Constantino VIII, à rainha Elizabeth II, passando por Luís XIV e a nobreza francesa. Hoje, segundo ela, os parâmetros são ditados pelos Windsor, a casa real britânica. Na projeção de slides de Batista, Kate Middleton, mulher do príncipe William e duquesa de Cambridge, é o grande exemplo de sofisticação: usa joias discretas no dia a dia, não deixa a pele muito à mostra, escolhe esmaltes claros.
A professora também se mostra rigorosa com a aparência masculina: “Se sua barba não é encorpada e você fica com umas penugens aqui e outros fios espalhados ali, desista da barba.” Mas o requinte vai muito além do visual – está relacionado também ao comportamento e à educação. “Algumas pessoas nascem elegantes, outras aprendem a ser”, ensina Batista, que usava dois colares de pérolas sobre o vestido preto estampado com bolinhas brancas e pétalas de cor laranja.
Os membros do Legislativo fluminense não são exatamente reconhecidos pelos bons modos. A Alerj tem fama de ser o ninho do éthos bolsonarista e um antro de mutretas, conchavos e arranjos pouco republicanos. Segundo o Ministério Público do Rio, foi lá que Flávio Bolsonaro (então deputado estadual, hoje senador pelo PL-RJ) operou – com a ajuda do onipresente Fabrício Queiroz – o esquema ilegal da “rachadinha”, em que embolsava parte dos salários de seus assessores.
Flávio Bolsonaro usou a tribuna da Assembleia para condecorar policiais e militares acusados dos mais diversos crimes, entre eles o ex-capitão da PM Adriano da Nóbrega, acusado de ser chefe do Escritório do Crime e suspeito de envolvimento no assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol-RJ). Até mesmo o PM reformado Ronnie Lessa, apontado como autor dos disparos contra a vereadora, recebeu uma homenagem da Casa em 1998: a moção de Congratulações, Aplausos e de Louvor. Hoje ele cumpre pena na Penitenciária de Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, por destruição de provas. São casos que ultrajam a civilidade, acercando-se da barbárie.
A deselegância no trato do bem público também afetou o atual presidente da Casa, André Ceciliano (PT-RJ), apontado pelo Ministério Público Federal como protagonista de um esquema de desvio de verbas estaduais em 2020. No ano anterior, provocando uma mácula indelével no manual da boa etiqueta, a Alerj precisou enviar seu livro de posse ao Complexo Penitenciário de Gericinó porque seis deputados que deveriam iniciar seus mandatos estavam presos. Também em 2019, uma lamentável deselegância: dois deputados brigaram aos gritos e por pouco não transformaram o plenário em um ringue de luta livre.
Na aula de etiqueta, aprende-se que é possível reverter a imagem negativa deixada por um deslize de conduta. “Vamos supor que você errou feio”, propõe Débora Batista. “Você tem que pensar assim: notícia envelhece. O escândalo de hoje vai ser esquecido quando tiver outro amanhã.” Mas não se deve confiar só no esquecimento: a primeira coisa a fazer é assumir o erro e mudar o comportamento. A forma mais elegante de limpar a imagem é se envolver em trabalhos humanitários e causas sociais. Se isso for muito “complicado”, sugere Batista, “apenas divulgue uma ideia positiva em seu Instagram.” Simples e prático.
A professora de etiqueta é jornalista e assessora política há dezoito anos. Atualmente, chefia o Departamento de Estudos, Pesquisas e Informações Legislativas da Assembleia, responsável por produzir um anuário com os feitos mais importantes de cada deputado. Débora Batista foi assessora pessoal da ex-governadora Rosinha Garotinho e agora se prepara para ajudar na campanha de Anthony Garotinho (União Brasil) ao governo do estado – em que pese o casal Garotinho não ser exatamente um exemplar da casa de Windsor.
Com experiência na área, Batista reconhece que é difícil seguir as regras de boas maneiras na vida política. “Às vezes o político é totalmente diferente daquilo que eu mostrei, mas o público se identifica”, disse à piauí. Basta lembrar o presidente Jair Bolsonaro (PL), que, em visita a uma feira de rua, resolveu comer frango com as mãos e se lambuzou de farofa. Falta decoro (mas sobra estratégia). “Destruir essa imagem faz perder o eleitorado. Eu conheço um político do interior do estado do Rio que só anda descalço, até em solenidades. E ele ganhou sendo assim”, conta Batista, rindo.
Quem está começando na vida pública precisa passar uma imagem de confiança, aconselha Batista. Roupas lisas de cores claras ajudam. “Transmitem lisura, transparência e um bom trabalho.” Para igrejas e templos, lugares que os políticos visitam com frequência, a recomendação é pesquisar as regras de vestimenta previamente e segui-las sem torcer o nariz. “Tem como ser charmosa mesmo sendo religiosa”, diz a professora, sempre num tom de voz baixíssimo, quase sussurrando. A certa altura da aula, um rapaz sentado numa das primeiras fileiras pegou no sono.
Seguir as regras não impede a expressão da personalidade. “Até num ambiente formal é possível imprimir seu estilo pessoal”, garante Batista, para depois voltar às regras: “Políticos e assessores não devem usar óculos de sol, principalmente em campanha.” Falar olhando nos olhos das pessoas, além de elegante, gera empatia nos eleitores. No final da aula, a assessora apresenta à plateia uma última regra, pouco conhecida e não muito útil: “Em festas da nobreza, a tiara é só para mulheres com título. As plebeias não usam.”
Nenhum deputado estadual compareceu à aula. Batista não estranhou a ausência deles. “A agenda é bem complicada, e terça-feira é um dia cheio”, justificou. Mas os deputados ainda podem conferir as três horas de workshop no YouTube. Se acharem necessário, lógico.