Puxar ferro vale ouro

Após bater perna durante sete meses em São Paulo em busca de uma cobertura em algum prédio para abrigar uma academia de luxo, o educador físico Rodrigo Sangion visitou o edifício B32. Com 29 andares, fachada inteiramente de vidro e a escultura de uma baleia na entrada, o imóvel corporativo recém-inaugurado é o novo símbolo de opulência da Avenida Brigadeiro Faria Lima, onde se concentram sedes de bancos, fintechs e startups. O Facebook no Brasil tornou-se um chamariz do edifício, no qual alugou várias salas.

De cara, o proprietário do imóvel recusou ceder o rooftop de dois pavimentos e 2,9 mil m² para Sangion. Achou que o negócio não combinava com um endereço tão cobiçado. Mas o educador físico insistiu. Apresentou um plano de negócios e suas ideias para o lugar. O proprietário acabou convencido: alugou o espaço por 560 mil reais ao mês.

A academia de Sangion terá cara de tudo, inclusive de academia. As extravagâncias incluem uma piscina de vidro transparente de 20 metros de extensão, instalada perto de uma parede de mármore e colunatas neoclássicas, uma sauna também de paredes de vidro e equipamentos de ginástica importados da Itália. No espaço, haverá bangalôs, espreguiçadeiras e restaurantes, como nos badalados beach clubs, com a diferença de que, no lugar da vista para a praia, os frequentadores terão um mar de prédios para contemplar.

Todos esses equipamentos estão em construção. Sangion está investindo 30 milhões de reais na academia e espera iniciar as operações em novembro. A mensalidade dos frequentadores ainda não está definida, mas é certo que deve ficar na casa dos 2 mil reais. O negócio, feito em sociedade com um fundo de investimento, já tem nome: vai se chamar Les Cinq Club Gym e será a segunda academia de luxo do empresário em São Paulo. Ele é o dono da Les Cinq Gym, no bairro dos Jardins, onde treinam a modelo Izabel Goulart e as atrizes Marina Ruy Barbosa e Claudia Raia.

Nascido em Andradina, no interior paulista, Sangion é o mais jovem dos dois filhos de um contador e uma dona de casa. Quando tinha 16 anos, sua família se mudou para Ribeirão Preto. Foi quando as coisas apertaram. A mãe teve que trabalhar como empregada doméstica, e Sangion, para ajudar nas contas, arrumou emprego de ajudante geral em uma academia de bairro. Por sugestão do chefe, prestou vestibular para educação física, apesar de, na época, não ser amigo de pesos e aparelhos. “Eu era gordinho”, conta.

No meio do curso, foi aprovado para um estágio na rede de academias Runner, na capital paulista. “Cheguei na rodoviária de São Paulo com 700 reais no bolso, e no primeiro mês morei de favor na casa do conhecido de um primo.” Com a ajuda de custo do estágio, pagava a pensão, onde viviam outros onze rapazes. Para economizar o dinheiro do transporte, muitas vezes percorria a pé os 12 km entre a academia e a pensão. “Já fui dormir apenas com água no estômago”, lembra.

Como se não bastasse a penúria, Sangion teve de se ver com um problema de imagem profissional. Já empregado em outra academia, a Companhia Athletica, ele começou a oferecer serviços de personal trainer. Certa vez, ouviu uma pessoa comentar maldosamente que seus alunos estavam em melhor forma do que ele. Sangion não era obeso, mas tinha a barriga flácida e pneus laterais. “Aquilo me machucou”, admite. “Mas a pessoa tinha razão: quem vai em dentista sem dentes ou em dermatologista de pele detonada?”

Aos 35 anos, ele tomou a resolução de fechar a boca e treinar pesado – duas horas por dia, misturando musculação com exercícios cardiovasculares. Passou também a disputar torneios, até que em 2018, com 40 anos e 5% de gordura corporal, ganhou o primeiro lugar na categoria Fitness Model do campeonato World Beauty Fitness & Fashion, em Las Vegas.

Hoje, Sangion está aposentado das competições, mas não relaxa a vigilância: permite-se um doce muito de vez em quando, e a sua gordura corporal não pode passar dos 10%. No Instagram, os 125 mil seguidores têm a chance de acompanhar sua nova rotina de empresário bem-sucedido, que inclui passeios de helicóptero em Angra dos Reis ou Campos do Jordão aos fins de semana.

De acordo com a pesquisa O Impacto da Pandemia de Coronavírus nos Pequenos Negócios, realizada pelo Sebrae em parceria com a Fundação Getulio Vargas, o setor de academias foi um dos mais afetados pelo coronavírus, com queda de faturamento na casa de 52% em 2021. “Entre a minha casa e o trabalho, eu via onze academias antes da Covid. Agora, restaram apenas duas”, diz Gilberto Bertevello, presidente do Sindicato das Academias do Estado de São Paulo. Os números do sindicato confirmam a tendência em todo o estado: existiam 18 mil empresas do ramo antes da pandemia; hoje, não chegam a 10 mil.

Sangion passou bem pela crise. Após o fechamento do comércio em 2020, ele aumentou em 40% o valor da mensalidade e adotou o esquema de ter um professor para cada três alunos (antes eram quatro). “No ano passado, eu fechei o meu maior faturamento desde que inaugurei, em 2014.” Para a academia-clube dos Faria Limers, ele está fazendo processo de seleção da equipe. Quer que metade dos profissionais fale uma segunda língua, para atender os executivos estrangeiros.

Sangion é casado há catorze anos com o oftalmologista Alexandre Moretti. “Não tenho inveja de quem tem mais dinheiro, mas invejo o metabolismo do Alê: ele come de tudo e não engorda”, brinca. No Dia dos Pais de 2021, Sangion fez uma surpresa para a família. Chamou todos para almoçar fora, em Ribeirão Preto, e os levou não a um restaurante, mas a uma casa mobiliada, com quatro suítes, em um condomínio fechado – um mimo para seus pais. “Todos nós choramos quando eu entreguei as chaves”, diz. Superados os tempos de aperto na conta bancária (e nas roupas), Sangion celebra a realização de uma meta de infância: “Quando eu era criança, pensava assim: não é porque nasci pobre que irei morrer pobre.”