Ilustração: Andrés Sandoval_2022 ILUSTRAÇÃO: ANDRÉS SANDOVAL_2022
Cada CPI é um flash
Randolfe Rodrigues nas graças da imprensa e da oposição
Luigi Mazza | Edição 191, Agosto 2022
“Por onde ele vai entrar?”, perguntou um cinegrafista. “Por ali”, respondeu um assessor do senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), apontando em direção à passagem que conecta o Salão Verde da Câmara dos Deputados ao Salão Azul do Senado, onde ficam os principais espaços da Casa. Eram onze e meia da manhã de 28 de junho, e uma dezena de câmeras e microfones já se posicionava em frente à entrada da Secretaria-Geral da Mesa, um conjunto de salas envidraçadas por onde passa toda a burocracia do Senado. Os jornalistas haviam sido avisados com antecedência pela assessoria de Rodrigues que, ao meio-dia, o senador estaria ali para protocolar o pedido de abertura da CPI do MEC.
Rodrigues havia dormido pouco na véspera. Foi para a cama às duas da manhã, depois de assistir ao Jornal da Globo – como sempre faz. Às sete já estava de pé, dando entrevista à rádio CBN. Tomou café, falou ao telefone com outros jornalistas e partiu para o Congresso. Combinou com deputados e senadores aliados de se encontrarem na chapelaria do Senado para, dali, marcharem juntos até a Secretaria-Geral da Mesa.
Líder da oposição, Rodrigues encabeçou o grupo. Pisou no Salão Azul vinte minutos depois do previsto. Flashes para todo lado. Caminhou triunfalmente entre as câmeras de tevê e protocolou a CPI. A comissão, que ainda não foi instalada, pretende investigar o esquema que levou à prisão o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro e dois pastores evangélicos, em uma operação da Polícia Federal. Suspeitos de cobrar propina – às vezes disfarçada sob a compra de Bíblias – em dinheiro e barras de ouro para liberar verbas a prefeituras, Ribeiro e os pastores foram soltos no dia seguinte.
Ao sair da secretaria, o senador deu uma entrevista coletiva. Depois, entrou ao vivo no programa Estúdio i, da GloboNews. Atendeu outra leva de repórteres, caminhou até a Câmara, gravou um vídeo ao lado do deputado Ivan Valente (Psol-SP), posou para fotos e deu um depoimento em vídeo para o UOL.
Um assessor se aproximou de Rodrigues para mostrar, no celular, como ele havia se saído no Jornal Hoje, que acabara de ir ao ar na Globo. “Depois eu vejo”, dispensou o senador. Estava animado. O deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), que passava por ali, parou para parabenizá-lo. Rodrigues agradeceu e explicou seu método: “O Bolsonaro funciona da seguinte forma: você não pode dar trégua. Tem que ser como no MMA: se ele tá caindo, tem que finalizar. Senão ele volta.” Agostinho riu e seguiu andando.
Desde a CPI da Covid, também protocolada por ele, em 2021, Rodrigues vem se esforçando para ser o mais tinhoso opositor ao governo, e por isso é perseguido por bolsonaristas. “Recebo de cinco a dez ameaças por semana no meu celular”, contou o senador, mostrando à piauí uma mensagem recente, recebida por WhatsApp: “Senador filho de puta vamos botar fogo na sua bunda.” Rodrigues já não se exaspera: “Como não damos trégua para eles, isso é esperado. Sou da máxima de que bala trocada não dói.”
Depois de almoçar, o senador se acomodou em seu gabinete no nono andar do Anexo I, área seleta do Senado, reservada aos parlamentares que exercem cargos de liderança. A sala principal é repleta de referências ao universo de Harry Potter. Por lembrar vagamente o bruxo da ficção – óculos, cabelo preto curto e voz fina, o que lhe dá um jeito adolescente –, Rodrigues ganhou esse apelido entre os colegas e levou na esportiva. Em sua mesa de trabalho há bonecos de Harry, Rony e Hermione, principais personagens da saga. Foram um presente da ex-senadora Heloísa Helena. Numa das paredes, um desenho mostra Rodrigues numa batalha de feitiços contra um bruxo que veste uma faixa presidencial.
Com o celular apoiado sobre um exemplar da Constituição personalizado com seu nome, o senador passou o resto do dia fazendo ligações no modo viva-voz. Telefonou para os senadores Jorge Kajuru (Podemos-GO) – “Kaju, macho, não afrouxa! Tu tem que estar nessa porra dessa CPI” –, Omar Aziz (PSD-AM) – “Omar, sei que tu não pode participar dessa vez, mas vê se conversa aí com Nelsinho Trad [senador pelo PSD de Mato Grosso do Sul] pra ele não mandar uma indicação escrota” – e Rodrigo Pacheco (PSD-MG) – “Presida, tô lhe arranjando muito trabalho hoje?”.
Telefonou ainda para três jornalistas da GloboNews, um após o outro. Nas conversas, em clima de camaradagem, zombou da estratégia dos bolsonaristas para barrar a CPI. Isso porque o líder do governo no Senado, Carlos Portinho (PL-RJ), havia enviado um ofício para o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, argumentando que a investigação não poderia ser aberta pois já havia toda uma fila de CPIs aguardando decisão. O objetivo de Portinho era pedir que a ordem cronológica fosse respeitada – jogando a nova CPI, com isso, para as calendas –, mas o ofício na prática pedia a instalação imediata de todas as comissões.
“É um argumento a nosso favor!”, concluiu Rodrigues, soltando uma gargalhada aguda em uma das ligações. Depois se divertiu ao telefone com o senador Jean Paul Prates (PT-RN). “Essa estratégia do governo é uma doce ilusão, Jean. Quero saber quem vai estar interessado na todo-poderosa CPI das obras inacabadas”, debochou. “Vai ter transmissão ao vivo da GloboNews, com certeza… Já tô imaginando até a escalada do Jornal Nacional: ‘A CPI das obras inacabadas do século passado!’” Os dois riram.
A despeito das trapalhadas, a pressão do governo surtiu efeito. Os líderes de bancada decidiram, em maioria, deixar a CPI do MEC para depois da eleição. Rodrigues diz que, se a investigação não for instalada em agosto, vai recorrer ao Supremo Tribunal Federal – estratégia que garantiu a CPI da Covid. É provável que a investigação não prospere.
“O pôr do sol aqui é lindo”, comentou Rodrigues, quando já anoitecia. Levantou-se da cadeira e apertou um botão que fez girar os brises de ferro da janela do gabinete, permitindo que a luz natural entrasse na sala. “Das facilidades que Lucio Costa deixou para nós…”, observou, satisfeito com a iluminação crepuscular.
Às sete da noite, a secretária entrou na sala para lembrá-lo de uma consulta odontológica. O senador pediu que ela acionasse o motorista. Antes de deixar o gabinete, ele se dedicou por alguns minutos à campanha de Lula, da qual é coordenador. Ligou para a empresária Paula Lavigne, anfitriã de reuniões do meio artístico e político no Rio de Janeiro, e tentou armar na casa dela e de Caetano Veloso um encontro do ex-presidente com “aquela turma boa do Projac”. Repassou a ideia a Gilberto Carvalho, que foi chefe de Gabinete da Presidência no governo Lula e tem cuidado da agenda do petista. Depois gravou um vídeo para o portal Mídia Ninja, resumindo os passos necessários para a instalação da CPI do MEC.
Sem mais afazeres, deixou a sala. No caminho até o elevador, se deparou com a assessora que cuida de suas redes sociais. “Ficamos nos trending topics o dia todo, né?”, perguntou o senador, sorrindo. Ela respondeu que sim: as hashtags #CPIdoMEC e #BolsolaodoMEC tinham bombado no Twitter. “Mas também falaram em Randolfe, né?”, brincou o senador. Entrou no elevador e foi embora tratar dos dentes.
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