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    Com um novo presidente da República, haverá a expectativa promissora, no âmbito do cinema brasileiro, de que a comunidade cinematográfica tenha a consciência e disposição necessárias para redesenhar o modelo institucional e de financiamento vigente. Crédito: Reprodução do filme Terra em Transe, de Glauber Rocha

colunistas

Expectativa de mudança

Troca no governo exigirá da comunidade cinematográfica disposição para redesenhar modelo de financiamento vigente

Eduardo Escorel | 28 set 2022_08h57
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A quatro dias do primeiro turno da eleição presidencial em 2 de outubro, alguém estará muito interessado no magote de filmes brasileiros que continua a estrear às quintas-feiras? A maioria desses títulos chega aos cinemas de forma semiclandestina, sem ter os meios necessários para tornar sua existência conhecida.

Frente à importância do resultado das urnas no próximo domingo, tudo mais, se não chega a ser de todo irrelevante, está ao menos em segundo plano. Confirmadas as previsões dos institutos de pesquisa, porém, mesmo que haja segundo turno, em 30 de outubro, a provável mudança de governo será um enorme alívio. 

Com um novo presidente da República, a partir de janeiro de 2023 haverá a expectativa promissora, no âmbito do cinema brasileiro, de que a comunidade cinematográfica tenha a consciência e disposição necessárias para redesenhar o modelo institucional e de financiamento vigente. Consolidado nos últimos vinte anos, bem antes, portanto, de o atual governo ser eleito em 2018, esse sistema de produção, mesmo nos seus períodos menos entravados, acometido de hipertrofia burocrática, demonstrou ser incapaz de superar os entraves estruturais que impedem o florescimento de uma cinematografia vigorosa, autossustentável e criativa. O grave risco que corremos agora, como tem sido recorrente após sucessivas crises enfrentadas desde sempre, é de se retomar o status quo ante responsável pelas características da maioria dos filmes brasileiros que vêm sendo desovados – produções de modo geral “bem feitas”, mas carentes de perfil próprio e desprovidas de escopo instigante. Em relação a algumas dessas produções é legítimo perguntar a quem podem interessar, a não ser aos seus próprios diretores e roteiristas. Mantidos os parâmetros atuais do seu sistema de produção, o cinema brasileiro sobreviverá por mais algum tempo em estado vegetativo, mantendo-se, porém, alheio ao compromisso de se tornar menos dependente do Estado e de encontrar seu lugar no circuito exibidor e nas demais mídias.

Recriar o Ministério da Cultura, conforme tem sido anunciado, não passa de um símbolo. Será preciso ir muito além disso – primeiro, assegurar força política e orçamento condigno ao órgão ressuscitado. Em seguida, abolir a burocratização e, no caso do audiovisual, coordenar uma reforma profunda da atividade em suas diferentes modalidades.

 

Após ter assistido na semana passada a quatro filmes brasileiros, à procura de ao menos um para comentar aqui, não me senti motivado para escrever sobre nenhum deles. O que me ocorreu, então, foi voltar ao ensaio “Do Transe à Vertigem: Imagens da Derrota no Cinema Brasileiro”, de Rodrigo Nunes, capítulo 6 de Do Transe à Vertigem: Ensaios Sobre Bolsonarismo e Um Mundo Em Transição (São Paulo: Ubu Editora, 2022). Conforme os dois títulos indicam, Nunes investiga “as imagens da derrota” que dois filmes, em especial – Terra em Transe (1967), de Glauber Rocha, e Democracia em Vertigem (2019), de Petra Costa – “projetam e, por meio disso, [procura] ler as respostas dadas pela esquerda a essas duas conjunturas históricas [o golpe de 1964 e o impeachment de 2016]”. Interessam ao autor “tanto as histórias que esses filmes contam quanto o que essas histórias têm a dizer sobre quem as conta, isto é, o que elas revelam – direta e indiretamente, por meio de presenças tanto quanto de silêncios – sobre a situação em que foram produzidas”.

Não pretendo escrever uma resenha desse brilhante ensaio, a leitura recente mais estimulante que tive oportunidade de fazer. O que me ocorreu, sempre a partir da probabilidade de derrota do incumbente na eleição presidencial deste ano, foi pensar, parafraseando Nunes, até que ponto os documentaristas brasileiros, homens e mulheres, terão capacidade de abordar as imagens da vitória política, tornando visível o que estiver oculto e audível o que foi silenciado, evitando que passe “para a história como silêncio”. Uma das valiosas lições do autor assinala que “o custo de não olhar para as lacunas e fissuras do drama[…] é, em última análise, ficar cego para as condições estruturais que criaram as oportunidades nas quais as dramatis personae agiram,[…]”, no caso da eleição deste ano com o envolvimento, ainda que compulsório, de milhões de eleitores no processo.

O desafio para filmes sobre a provável vitória do candidato do PT e sua volta à Presidência da República será evitar as “lacunas” que Nunes assinala em Democracia em Vertigem e também em O Processo (2018), de Maria Augusta Ramos, fruto de “uma simples ausência de distanciamento crítico. Não é que as diretoras estejam meramente reproduzindo a linha do partido, mas antes que elas[…] compartilham dos mesmos pontos cegos”.

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Destaque (XI):

“Ainda faltam alguns dias para a eleição, mas as placas tectônicas de Brasília já se movem na direção do que seus operadores consideram será o novo eixo do poder: a órbita de Luiz Inácio Lula da Silva… A questão é que, se não há grandes dúvidas no Planalto sobre os resultados da eleição, há, sim, muita incerteza sobre o dia seguinte, por uma única e bilionária razão: o orçamento secreto. O destino dessa verba definirá não só o rumo dos primeiros meses de um eventual governo Lula, mas toda a relação do Executivo com o Legislativo nos próximos anos… Por aí se vê que, ao contrário do que a propaganda eleitoral faz parecer, o que espera Lula num eventual início de governo são trincheiras, e não flores. Enquanto os eleitores ainda decidem, os gladiadores se posicionam, à espera de que os jogos de verdade comecem.” Malu Gaspar, “A primeira grande batalha de Lula”, O Globo, 22/9/2022, Opinião, p.3.

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