CRÉDITO: ANDRÉS SANDOVAL_2022
No topo do mundo
A consagração de um jovem violinista da periferia
João Batista Jr. | Edição 194, Novembro 2022
O violinista jovem mais talentoso do mundo mora desde que nasceu em Parelheiros, na periferia de São Paulo. Ele tem 17 anos, nunca foi a um show de música popular, não possui conta no Spotify nem ouviu o novo álbum de Beyoncé. Com aparelho nos dentes, espinhas no rosto e topete alto à la Elvis Presley, Guido Sant’Anna venceu em setembro o Concurso Internacional de Violino Fritz Kreisler, a mais respeitada e difícil competição de violinos do mundo, criada em 1979, em Viena, na Áustria. Neste ano, 235 violinistas de quarenta países estavam inscritos, todos com até 30 anos, conforme determina o regulamento. “Eu treinei todos os dias, entre janeiro e abril, pensando nesse concurso”, conta Sant’Anna.
Foram quatro horas diárias de ensaio, das 18 às 22 horas, quando Sant’Anna guardava o instrumento para não perturbar os vizinhos. O processo de seleção pedia dos concorrentes gravações em vídeo de três peças: dois movimentos de alguma sonata solo de Bach, o primeiro e o segundo movimentos do Concerto nº 5 em Lá Maior para Violino e Orquestra k. 219, de Mozart, acompanhado de piano, e um dos 24 Caprichos, de Paganini. Em maio, foi divulgada a lista dos selecionados para as quatro etapas presenciais do concurso. Embora pudesse indicar cinquenta nomes, o júri selecionou apenas 46.
A primeira peneira em Viena escolheu dezoito candidatos, depois afunilados para seis e então para os três finalistas que, em 25 de setembro, se apresentaram na Musikverein, uma das principais salas de concerto do mundo. Para a derradeira disputa, Sant’Anna escolheu o Concerto para Violino e Orquestra em Ré Maior, Op. 77, de Brahms, um desafio técnico. Foi ovacionado após os quarenta minutos do concerto e conquistou o júri com sua execução impecável.
O prêmio mudou a vida de Guido Sant’Anna. Ele ganhou 20 mil euros (cerca de 100 mil reais), que serão investidos em sua educação, e uma extensa lista de compromissos: vai se apresentar com a Orquestra Sinfônica Nacional da Lituânia, com a Orquestra de Câmara da Lituânia e com a Orquestra Sinfônica Siciliana. A Sociedade Filarmônica Estatal Nizhny Novgorod, em Moscou, e a World Culture Networks, em Viena, também devem convidar o violinista para solos. “Na Rússia, em razão da guerra, não sei se o compromisso será mantido”, diz Sant’Anna.
A agenda atribulada exige um novo patamar de profissionalização. “Estou em busca de uma agência de músicos internacionais para me representar”, conta. Esse é um de seus planos para o segundo semestre de 2023. Antes disso, Sant’Anna, que cursa o último ano do ensino médio, precisa se formar. Ele é aluno bolsista da Graded – The American School of São Paulo, um dos colégios bilíngues mais caros da capital, com mensalidade de 12 mil reais. Conseguiu a bolsa há seis anos, depois de fazer aulas de inglês na mesma Graded.
Caçula dos três filhos de Glauce Sant’Anna, dona de casa, e Silvano Sant’Anna, funcionário público, Guido cresceu em um lar de apreciadores de música. Sua avó materna tocava piano e, inspirada por ela, Glauce fez questão de que os filhos aprendessem algum instrumento. O mais velho, Ivan, estudou violino em uma escola do bairro. “Devo a ele o meu primeiro contato com o instrumento”, diz Guido Sant’Anna. Foi um contato demasiado precoce: os bracinhos do futuro virtuose nem conseguiam segurar o violino. Aos 5 anos, ele começou a ter aulas. Porém, como a renda familiar só dava para manter Ivan na escola musical, Glauce resolveu aprender violino em cursos na internet para ensinar os outros dois filhos.
O passo decisivo para a carreira de Guido Sant’Anna veio no ano seguinte, quando ele estava com 6 anos e estudava com bolsa em uma escola de música, o Instituto Fukuda. Os alunos da professora Marcia Fukuda Uhlemann foram convidados a fazer uma participação na novela infantil Carrossel. O som que o menino tirou do violino encantou o maestro Júlio Medaglia, presente na gravação. “Eu me apresentei com o Júlio em algumas ocasiões, e ele me apresentou ao maestro João Carlos Martins”, conta Sant’Anna. Foi Martins quem fez a ponte para que o menino desse uma entrevista a Jô Soares, em 2013, quando tinha 9 anos. O programa foi um sucesso.
No mesmo ano, Sant’Anna obteve uma bolsa na Sociedade de Cultura Artística. A entidade, que tem dezoito músicos bolsistas, banca aulas particulares com uma das mais renomadas professoras de piano do país, Elisa Fukuda (prima de Marcia). Também custeia viagens para apresentações em festivais, como o concurso Fritz Kreisler, do qual ele saiu vitorioso. “A ida de Guido para Viena foi um dos melhores investimentos que já fizemos”, diz Frederico Lohmann, superintendente da Cultura Artística.
Sant’Anna viajou para a Áustria acompanhado da mãe. Mas não foi a sua primeira viagem internacional. Antes, havia participado, em Genebra, como primeiro sul-americano, do Concurso Internacional de Violino Yehudi Menuhin, uma das principais competições de violino do mundo para músicos de até 22 anos, e, em Nova York, do Perlman Music Program, um curso de verão para jovens violinistas. “Também já me apresentei em Bruxelas, Madri, Londres, Moscou e Berlim”, enumera.
Quando Sant’Anna viaja para apresentações, os professores da Graded costumam reorganizar sua agenda de provas e trabalhos, para que ele possa cumprir todas as obrigações e não ser prejudicado nas notas. O plano do violinista é fazer uma faculdade de música no exterior, onde espera encontrar um professor de primeiro time. Se conseguir isso na cidade que agora o consagrou, ficará satisfeito. “Viena é organizada e linda. Morar lá pode ser bem legal”, comenta.
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