CRÉDITO: ANDRÉS SANDOVAL_2023
A sombra de Janja
A militante que é o braço direito (e esquerdo) da primeira-dama
Thais Bilenky | Edição 197, Fevereiro 2023
Ela percorreu a Esplanada dos Ministérios no Rolls-Royce presidencial, caminhou logo atrás de Lula no dia 1º de janeiro, indo do topo da rampa do Palácio do Planalto até o Parlatório, e estava perto do presidente quando ele chegou ao tradicional coquetel para os convidados da posse. Não, não se trata aqui da socióloga Rosângela Lula da Silva, a Janja, mas da chefe de gabinete da primeira-dama, Neudicléia Neres de Oliveira, mais conhecida como Neudi.
Na antevéspera da posse, Oliveira teve a oportunidade de, a bordo do Rolls-Royce, sentir a brisa dos novos tempos no Cerrado soprar em seu rosto. Foi ela que ocupou o lugar da primeira-dama no veículo durante o ensaio geral do evento. Quando os ventos mudaram na capital federal, no dia 8 de janeiro, domingo, ela estava ao lado de Janja para inspecionar a destruição causada pelos vândalos bolsonaristas no Planalto, no Supremo e no Congresso.
Desde que foi convidada para ser a assessora da socióloga na pré-campanha eleitoral, em setembro de 2021, a catarinense de 32 anos não sai de perto do “primeiro casal”. Não mesmo: até nas viagens, ela se hospeda em um anexo à suíte presidencial.
Oliveira se considera antes de tudo uma amiga da primeira-dama. O cargo como chefe de gabinete vem depois, ela diz. As duas tiveram o primeiro contato em 2018. Quando Lula foi preso, no dia 7 de abril daquele ano, militantes da Central Única dos Trabalhadores (CUT), do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e de outras organizações montaram acampamento em frente à Superintendência Regional da Polícia Federal em Curitiba. A chegada foi confusa. Ativistas viraram noites até estruturar banheiros, barracas e cozinha. Oliveira estava entre eles, como militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), fundado em 1991.
Ela ganhou espaço já naqueles primeiros dias em Curitiba, ajudando a resolver todo problema que aparecesse pela frente. Fazia segurança, comida, faxina e assessoria de imprensa, assumindo a interlocução com jornalistas que cobriam a Vigília Lula Livre. No dia 28 de abril, os militantes foram alvos de tiros no acampamento durante a madrugada. Oliveira estava lá e testemunhou o tiro que feriu Jefferson Menezes, do sindicato dos motoboys de Santo André, na Grande São Paulo.
Janja frequentava a vigília, mas os acampados não sabiam que ela era namorada do prisioneiro célebre – seu relacionamento com Lula só viria a público no ano seguinte. Em 1º de Maio, Dia do Trabalho, as centrais sindicais promoveram em Curitiba um grande ato na Praça Santos Andrade, com shows de Beth Carvalho, Ana Cañas e outros artistas.
Como boa parte dos militantes, Janja saiu da vigília e se dirigiu à praça. Pretendia ir ao fosso do palco com Lurian Cordeiro Lula da Silva, filha do presidente, e a advogada Gabriela Araujo, mulher de Emidio de Souza (atualmente deputado estadual pelo PT-SP), que tinham acesso VIP. Mas Oliveira quase barrou a entrada da futura primeira-dama. Ricardo Stuckert, fotógrafo oficial de Lula e hoje chefe da Secretaria Nacional do Audiovisual, viu a cena e agiu rapidamente para liberar Janja, que nem chegou a notar que por pouco teria sido vetada. Logo depois, Nicole Briones, então responsável pelas redes sociais de Lula, chamou Oliveira para uma conversa discreta. Explicou que o presidente, de dentro da cela, havia pedido que cuidassem bem de sua namorada – e que a namorada era Janja.
A militante buscou então se aproximar da socióloga, que, com o namorado trancafiado, andava carente. As duas passaram a conviver intensamente: jantavam, iam a shows e militavam juntas. A amiga também acompanhava Janja quando ela fazia declarações de amor sob as janelas da carceragem, colocando músicas marcantes do casal em volume bem alto para Lula ouvir. Quando Oliveira fez aniversário, em 13 de novembro de 2019, Janja publicou na sua página no Instagram:
E você chegou assim na minha vida, de mansinho, ressabiada, mas de coração aberto. Me deu a mão e nunca mais soltou. Foi puro acolhimento e carinho e eu te amei naquele momento em que as lágrimas escorriam do meu rosto e você simplesmente me abraçou e me acalmou. Te amo com toda força do meu coração.
Oliveira nega que tenha sabido do relacionamento entre Lula e Janja antes que ele se tornasse público. “A minha postura enquanto dirigente de uma organização social era defender o presidente Lula. O que Lula faz na vida pessoal dele não me diz respeito. Sempre respeitei muito isso”, diz à piauí. Mas ela soube, sim. Durante os 580 dias de prisão, trocou cartas com Lula e foi das poucas escolhidas para visitá-lo na Polícia Federal – duas vezes. “Lula era muito grato ao povo que estava no acampamento. Ele se preocupava muito conosco”, afirma. “Curitiba é uma terra muito fria. A gente passou inverno, passou tempestade, a gente levou tiro.”
Nascida em Celso Ramos, cidade catarinense de menos de 3 mil habitantes na divisa com o Rio Grande do Sul, Oliveira tinha 7 anos quando a sua casa foi inundada, em decorrência de um vazamento na barragem da Usina Hidrelétrica de Machadinho. O infortúnio levou seus pais a participarem do movimento dos atingidos pelas águas da barragem e a receberem lideranças em casa. A filha cresceu nesse ambiente de luta. Quando ela estava com 15 anos, a lavoura de seus pais foi afetada por um novo vazamento, agora da barragem da Usina Hidrelétrica de Campos Novos, na região para onde sua família havia se mudado. “Daí, então, eu fui pro mundo”, conta Oliveira. Ela foi viver de maneira independente e ajudou a organizar uma mobilização do MAB em Alto Uruguai, no Norte do estado gaúcho.
Oliveira foi uma das cinco indicadas pelo MAB para cursar jornalismo na Universidade Federal do Ceará, numa turma especial organizada pela Via Campesina, um movimento internacional de camponeses. Em 2013, ela se formou e foi escolhida para fazer um curso de especialização do MAB em parceria com a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) cujo tema era “energia e sociedade no capitalismo contemporâneo”. Três anos depois, mudou-se para São Paulo a fim de trabalhar como coordenadora de comunicação do MAB, cuja sede é na capital paulista. Filiada ao PT desde 2011, Oliveira foi enviada a Curitiba na época da prisão de Lula, e só deixou o Paraná ao lado dele e de Janja, em 2019, todos prontos para iniciar a campanha presidencial.
Esse percurso demonstra a dedicação de Oliveira às causas que elege e também seu afinco em conquistar espaço. Ela sabe se impor com afagos, favores ou, se preciso, até com cotoveladas. Colecionou críticos e, às vezes, desafetos, que a consideram uma pessoa que cria problema para vender solução. “Não precisa ser dura, rígida, para ser profissional, mas é a forma com que ela foi construindo sua trajetória”, diz Alexania Rossato, colega do MAB. “Não vou dizer que seja uma pessoa doce, sabe? Mas ela é querida, gosto muito da Neudi”, acrescenta, sorrindo.
No entorno de Lula, o grude de Janja e Oliveira rendeu um apelido à dupla: Xuxa e Marlene Mattos. Uma dá o show, a outra faz acontecer. A chefe de gabinete engole sapo, mas desfruta do poder e do prestígio de ser o braço direito e o esquerdo da primeira-dama. Assessores do presidente consideram que a atuação de Oliveira esbarra em certo amadorismo: ela não preza pela discrição, aparece nas fotos oficiais, ocupa um espaço disputado a tapa e cheio de intrigas. Há uma coisa, porém, que evita: melindrar a amiga e chefe Janja. “Conheci a Rosângela Silva, não a esposa do Lula. Humana como ela é, valoriza o trabalho das mulheres, e eu a levo no coração, é uma pessoa digna da palavra amizade”, afirma Oliveira, comovida.
Ela também se emocionou no casamento de Lula e Janja, em maio de 2022, do qual foi uma das duzentas pessoas convidadas. “Ver Lula conseguindo amar novamente, passar por cima de tudo, depois de tudo que enfrentou, me deu inclusive um sentido de esperança para a minha vida”, diz. “Eu considero Lula e Janja um exemplo de superação.”
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