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    Ahmed Hassan em A Praça Tahrir Foto: Divulgação

colunistas

Vicissitudes do protagonista

Filme discute o impacto de documentários sobre a vida de seus personagens

Eduardo Escorel | 19 abr 2023_08h00
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Subject (2022) foi exibido em São Paulo na abertura do 28º Festival Internacional de Cinema É Tudo Verdade e terá sessões no Rio de Janeiro no próximo domingo (23/4), último dia do Festival. O tema, ou subject, dessa produção americana, dirigida por Jennifer Tiexiera e Camilla Hall, é o modo em que a vida de pessoas foi afetada por terem sido protagonistas de documentários célebres, tomando como principais exemplos a minissérie The Staircase (2004), A Praça Tahrir (2013), Basquete Blues (1994), Os Irmãos Lobo (2015) e Na Captura dos Friedmans (2003).

Nesses cinco casos emblemáticos de Margaret Ratliff e Michael Peterson, Ahmed Hassan, Arthur Agee, Mukunda Angulo e Jesse Friedman, a filmagem em tempo real de eventos traumáticos nos quais estiveram envolvidos e o sucesso dos documentários resultantes não só influenciou os acontecimentos em si como deixou sequelas variadas em cada uma dessas seis pessoas.

É possível que tivessem sido outros os destinos do escritor condenado à prisão perpétua pelo assassinato de sua mulher; do jovem cineasta militante que levou um tiro na cabeça e quando estava caído na rua entregou sua câmera para ser filmado pelo médico que chegou para socorrê-lo; do jogador de basquete colegial, às voltas com suas relações familiares, ambições esportivas e atos de discriminação racial; do menino criado com seus irmãos em cativeiro doméstico imposto pelo pai; do filho do professor de informática que ficou preso treze anos, condenado por abusar de crianças – mais do que possível, é provável que, sem terem se tornado protagonistas de documentários, a vida de cada um deles teria tomado outro rumo.

Além desses exemplos, aos quais Subject dedica um pouco mais de atenção, sem, contudo, tratar cada um com a profundidade requerida, o filme justapõe inúmeras declarações de cineastas, críticos e dirigentes de festivais sobre a questão central da vertente do cinema documentário que transforma pessoas em personagens. Mais uma vez, no entanto, Subject resulta aquém da relevância de seu próprio tema. Não faltam afirmações que tocam em questões relevantes, mas disseminadas como são, ao longo de 93’, resultam diluídas, e o documentário termina por adquirir feição de antologia simplificada de lugares comuns. Alguns exemplos: “Nunca quero que o público fique confuso quanto às regras básicas estabelecidas entre o cineasta e o protagonista” (David Guggenheim, roteirista e produtor); “O cerne da questão é uma relação de poder assimétrico entre o cineasta e o protagonista” (Assia Boundaoui, cineasta); “Existe um acordo tácito de que o protagonista nunca falará sobre o processo de estar no filme… e que o cineasta pode apresentar o produto a este outro mundo e nunca ter que assumir a responsabilidade pelo modo como ele se moveu nesse mundo. Mas existe o mundo onde você faz o filme e o mundo onde você apresenta o filme e você espera que os dois nunca se encontrem” (Boundaoui); “Você precisa construir uma relação de confiança” (Michèle Stephenson, cineasta); “Mas é, na verdade, uma indústria muito apropriada, até que comecei a aprender mais e aí virou essa selva ética e moral” (Bing Liu, cineasta).

Para a codiretora Camilla Hall, “Subject trata de algumas das questões mais profundas que nossa indústria enfrenta em uma época na qual a narrativa de documentários passou de um espaço de transmissão pública menor para um empreendimento corporativo muito maior. Alguns estão chamando isso de ‘a mudança de uma era de ouro para uma era corporativa’… a explosão de empresas produtoras e a competição por fundos aumentou o risco de tomar atalhos éticos quando se trata das pessoas no centro de nossas histórias” (“It’s a golden age for documentaries – but at what price for people whose lives are laid bare?” – “É uma idade de ouro para documentários – mas a que preço para pessoas cuja vida é posta a nu?”, The Guardian, 12 de março, 2023).

Hall sugere ter havido aumento recente do risco de documentários tomarem “atalhos éticos”. Na verdade, porém, transgressões éticas efetivas estão longe de ser novidade na história do cinema documentário.

As linhas abaixo, que Jean-Louis Comolli publicou, em janeiro de 2011, na revista Images documentaires, nº 69/70, nos dizem mais do que Subject:

“Existem… maneiras de tocar ou envolver o espectador nas vicissitudes de um personagem, especialmente se esse personagem tem sua origem em uma pessoa realmente viva que concordou em ser filmada. Só as formas nos conduzem, nos cativam, nos retêm. Sozinhas, elas fazem as questões éticas passarem pelo filtro da sensibilidade, do conhecimento sensível. Porque as formas que nos permitem ver, ouvir, acompanhar uma narrativa, nos propõem, nos sugerem modelos, condutas, formas de lidar com os outros que chegam a nós. Para o cinema ‘documentário’, o que chamamos de ética é precisamente a forma dada à relação filmada, ou seja, o lugar e a forma que damos à questão do outro – o outro estando tanto do lado daqueles que nós filmamos quanto do lado dos nossos espectadores. André Bazin e Serge Daney definiram o cinema como um sistema para domar a alteridade.”

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