CRÉDITO: ANDRÉS SANDOVAL_2023
Cantor doidão
Um humorista apresenta sua anarquia musical
Pedro Tavares | Edição 204, Setembro 2023
Antes de sair do carro, Diogo Defante ajeitou o boné e puxou até a canela o meião preto com emblemas do filme Os Caça-Fantasmas. Com os olhos vendados, ele foi guiado pela produtora Bruna Alvarenga até a pista do Circo Voador, casa de shows no Rio de Janeiro. “Já pode olhar?”, perguntou, ansioso. “Ainda não”, respondeu Alvarenga.
“Pode abrir os olhos”, ela finalmente ordenou, quando os dois estavam bem em frente ao palco. “Ca-ra-ca! Que é isso?!”, disse Defante, deslumbrado com o cenário. Pendurada no teto, a gigantesca réplica de uma linguiça na brasa pairava sobre o palco – um símbolo do humor anárquico que tomaria o Circo Voador dali a dez dias, em 13 de agosto, no show de lançamento de Robson, primeiro EP de Defante, de 34 anos.
Embora aquele fosse seu primeiro show profissional, Defante conta com uma sólida base de fãs, o que lhe garantiu casa cheia no Circo Voador. Esse público foi cultivado em mais de dez anos de atuação no YouTube, onde já publicou mais de seiscentos vídeos e conquistou 2,44 milhões de inscritos. No bairro do Leme, no Rio, onde mora desde o ano passado, ele não anda na rua sem ser parado por jovens que acompanham seu canal. “Eu sinto que, de alguma forma, eu posso ser o cara que as pessoas assistem e que contribui para o caminho que elas tomam. Isso me dá muito orgulho”, diz o humorista.
O EP Robson entrou nas plataformas de streaming em julho e traz cinco músicas compostas e interpretadas por Defante. O espírito debochado do álbum lembra Mamonas Assassinas e Massacration, a banda de heavy metal paródica do programa Hermes e Renato, exibido pela MTV Brasil no início do século. Fiel ao espírito juvenil, uma das faixas de Robson é a canção Jerry, que o humorista compôs quando era adolescente, sobre um rato especialista em afanar queijos.
Diogo Defante cresceu na região do Barata, no bairro de Realengo, na Zona Oeste do Rio. Aos 13 anos, montou uma banda com colegas de escola, a Let’s Go, que tocava em festas de amigos, bares e pequenas casas noturnas. Ele era o baterista, mas tinha seu momento à frente do palco, quando o vocalista titular assumia o violão e o futuro humorista fazia as vezes de cantor. Também compunha, mas suas canções não tinham muita aceitação na turma, que se pretendia mais séria. “Eu gostava de fazer letrinha boba”, conta Defante. A banda acabou se dissolvendo.
Já adulto, ele se aventurou no YouTube pela primeira vez em 2012, como integrante do Kaozada, que se descrevia como um “grupo de humor carioca completamente sem limites”. Quando encerrou suas atividades, essa sociedade de amigos havia lançado 33 vídeos e alcançado só 5 mil inscritos em seu canal. Defante foi atrás de emprego.
Trabalhou em dois canais da Paramaker, produtora de vídeos do Felipe Neto, no Youtube. Inicialmente no Canal Foco, que não durou muito, e depois como assistente de direção do Canal Parafernalha. Foi seu aprendizado na produção profissional. Ele ainda trabalhava no Parafernalha quando decidiu focar em seu próprio canal, que já existia, mas lançava poucas novidades. Um amigo que trabalhava na edição dos vídeos incentivou-o a investir na carreira solo – e no humor nonsense. Defante aceitou o desafio.
Encontrou seu estilo certa tarde em que resolveu brincar de repórter no Parque Madureira e fazia essa pergunta nonsense aos passantes: “Apertar um dezoito no telhado lá no palco?” A maioria das pessoas ficava atônita e confusa com questões absurdas como essa, o que por si só já criava o efeito cômico. Mas o melhor era quando os entrevistados entravam na onda do entrevistador. “Ah, o Diogo Nogueira tem a cara de Madureira”, respondeu um deles àquela mesma pergunta. “O cara tá respondendo isso, mano? Perguntei nada com nada e ele tá aqui rendendo coisa engraçada”, disse Defante.
Nesse vídeo de 2 minutos e 23 segundos, publicado em 2016, nascia seu personagem de maior sucesso: o Repórter Doidão. O personagem transformaria a vida do irreverente carioca. O ápice da jornada do Doidão foi a viagem ao Catar, como correspondente da CazéTV, canal do youtuber Casimiro Miguel, durante a cobertura da Copa do Mundo de 2022.
As canções do musical A Bela e a Fera foram uma das inspirações melódicas de Robson, de acordo com Defante. Mas a mistura caótica e debochada faz parte de um processo que o humorista-cantor prefere caracterizar como “Disney do absurdo”. De fato, a história de um pelo púbico angustiado com a perspectiva de ser depilado – tema de uma das canções de Robson – dificilmente caberia em uma animação da Disney. A canção diz: Um pentelho aborrecido/faz uma reflexão/sobre humanos que raspam suas genitais/e por eles não tem compaixão.
Robson, o show, está na estrada. Até o final de setembro, deve ser apresentado em São Paulo, Curitiba, Porto Alegre e Brasília. Na banda que acompanha Defante, a guitarra está sob o encargo de seu irmão – o que despertou reminiscências nostálgicas no camarim do Circo Voador, antes do show de estreia. “Meu irmão com uma raquete de frescobol, tipo fazendo uma guitarrinha, e eu batendo um martelinho, tocando Mamonas, tá ligado?”, recordou o cantor. “Esse show parece um pouco a minha trajetória.”
O Circo Voador estava lotado naquela noite chuvosa. Como o EP tem apenas cinco faixas, o show incluiu mais duas músicas inéditas e alguns covers. Defante e sua banda tocaram Garçom, de Reginaldo Rossi, com a base pesada de uma música da banda de metal americana Slipknot. Uma grande roda punk, com troca de empurrões e chutes, se formou em meio ao público quando Defante cantou a música do “rei do brega”.
Em seguida, os mesmos que haviam se engalfinhado sentaram no chão e se abraçaram ao som de Amigo Estou Aqui, música-tema do filme Toy Story. Lembrando o início de sua carreira musical, Defante fez um solo de bateria. Em outro momento, puxou uma banqueta e ofereceu um rápido stand-up para o público. Quando a apresentação ia lá pela metade, um espectador gritou para seu vizinho: “Esse é o show mais maluco da minha vida.”