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Acervo de Lélia Gonzalez é objeto de disputa

Herdeiros de uma das principais intelectuais brasileiras reivindicam objetos e manuscritos guardados no terreiro Ilê da Oxum Apará

Plínio Fraga, do Rio de Janeiro | 16 maio 2024_08h32
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Uma das primeiras pessoas a saber da morte da antropóloga Lélia Gonzalez, em 10 de julho de 1994, foi o babalorixá Jair de Ogum. Ele era guia espiritual de Gonzalez e líder do Ilê da Oxum Apará, um terreiro de candomblé e umbanda em Itaguaí, cidade da Região Metropolitana do Rio. Quando a família da antropóloga precisou dar um destino aos objetos pessoais dela, recorreu a Jair de Ogum. Ele propôs abrigar o acervo no terreiro, e um documento de doação foi assinado por Eliane de Almeida, sobrinha de Gonzalez.

Agora, essa doação, que continua guardada no terreiro, tornou-se objeto de uma disputa judicial entre os herdeiros da antropóloga e os do Jair de Ogum (que morreu em 2020). Os familiares de Lélia Gonzalez dizem que, enquanto Jair de Ogum estava vivo, eles tinham acesso livre ao acervo, o que lhes foi negado depois que a liderança do terreiro passou para Leonardo Ogum-Faislon, filho do pai de santo.

Faislon diz que nunca restringiu o acesso da família de Gonzalez ao acervo e assegura que jamais ganhou dinheiro com ele. Em agosto de 2023, a Justiça recusou o pedido de uma liminar de busca e apreensão do acervo, solicitada pela família da antropóloga. O juiz determinou que a acusação e a defesa acrescentassem mais provas ao processo, que não tem data para ser julgado.

O acervo contém manuscritos, documentos, retratos, objetos pessoais e toda a biblioteca de uma das mais importantes intelectuais do país no século XX, reconhecida mundialmente por sua reflexão pioneira sobre o feminismo negro e o racismo.

O principal do material está guardado em um sobrado de dois pavimentos no terreiro, em duas salas contíguas. Na primeira sala, foram reunidos os livros, dispostos em estantes de aço. Na segunda sala, estão a escrivaninha, a máquina de escrever Olivetti Linea 98 cinza e o abajur africano de Gonzalez, dispostos de maneira a reproduzir seu ambiente de trabalho.

Nesta mesma sala, em dezenas de caixas de papelão e plástico, arranjadas em um armário de aço, estão documentos, manuscritos e fotos de Gonzalez, bem como recortes, panfletos e jornais que ela armazenou. Há papéis de grande valor histórico ali, como o escrito datilografado que traça a estratégia a ser seguida pelo Movimento Negro Unificado (MNU), do qual Gonzalez foi uma das fundadoras em 1978. O documento afirma: “A exploração do negro é formada fundamentalmente pelo tripé = Exploração Econômica, Opressão Psicológica e Violência Policial. Nosso trabalho principal é de destruição desse tripé maligno.”

No local, também estão guardados seus originais de artigos e ensaios, como Por um feminismo afro-latino-­americano, escrito em 1988 para uma publicação no Chile do instituto Isis Internacional, de apoio jurídico às mulheres, ou artigos sobre viagens ao Caribe e países africanos. Entre os escritos para jornais, encontra-se um comentário manuscrito à peça Anjo negro, de Nelson Rodrigues, sobre um negro que rejeita sua condição racial. Na crítica, Gonzalez escreve: “A arte (o teatro) se debruça e investiga os destinos humanos que falharam. Aqueles que poderiam ou deveriam ter sido de uma maneira, mas que, pela interferência do fado, resultaram de maneira às avessas. Quanto maior esta inversão, maior e mais belo o destino trágico de um personagem. Maior e mais bela a obra.”

Assinantes da piauí podem ler a íntegra da reportagem neste link.

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