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    André Singer, entre Luigi Mazza e Flavia Lima Foto: Marcelo Saraiva

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André Singer: a eleição em São Paulo será decisiva “para todas as forças políticas”

O cientista político falou sobre as preocupações do lulismo e do bolsonarismo na corrida eleitoral 

Lara Machado, de São Paulo | 11 ago 2024_10h36
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De um lado, um lulismo que tenta apaziguar suas dissonâncias internas; de outro, um bolsonarismo desfalcado pela inelegibilidade de seu líder. É assim que André Singer, cientista político, jornalista e professor titular do Departamento de Ciência Política da USP, avaliou a configuração do tabuleiro político do Brasil atual na mesa intitulada “Um panorama da eleição”, mediada pelos jornalistas Luigi Mazza, editor da piauí, e Flavia Lima, secretária assistente de Redação e editora de diversidade no jornal Folha de S.Paulo.

Singer cunhou o termo lulismo durante a campanha presidencial de 2002, é autor de Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador (2012) e de Lulismo em Crise: um quebra-cabeça do período Dilma (2011-2016) (2018) e acompanhou de perto as transformações do PT. “O quadro que nós estamos vivendo hoje é mais ou menos estável em relação ao que aconteceu em outubro de 2022”, afirmou.

Para o professor, naquele momento o lulismo adotou o que ele chama de “concertação”, que é marcada pela união de uma frente ampla com partidos de centro-direita que não apoiaram Lula na eleição, mas estão no governo, distribuídos por 11 ministérios. “O objetivo da concertação é consolidar essa coalizão a ponto de manter essa superioridade até 2026 e o presidente Lula ser reeleito”, analisa Singer. Para esse fim, o lulismo vai precisar driblar obstáculos como as divergências internas entre o que o professor chama de burguesia cosmopolita e a ampla camada popular que compõe o lulismo: “Os programas dessas camadas são opostos e, até certo ponto, incompatíveis”, afirmou Singer.  

Se o lulismo precisa lidar com a falta de um programa definido, o bolsonarismo também teve suas baixas: derrotado nas eleições de 2022, o movimento agora precisa se manter articulado para encontrar um novo líder, já que o ex-presidente Bolsonaro foi tornado inelegível até 2030. Apesar disso, não há um movimento do ex-presidente que corresponda a essa demanda: “Bolsonaro não transferiu [sua liderança]. Ele continua apostando que sua inelegibilidade vai ser revogada”.

As eleições de 2024, diz, podem sevir de observatório para essa correlação de forças na prática. O caso especial é de São Paulo, onde Guilherme Boulos, apesar de ser candidato do Psol, representa o lulismo e Ricardo Nunes (MDB) encarna o bolsonarismo. “O simbolismo da eleição em São Paulo será decisivo para todas as forças políticas”, aponta.

André Singer, que foi porta-voz da Presidência da República no primeiro governo Lula, entre 2005 e 2007, também comentou sobre o ganho de poder do Congresso na última década. No ponto de vista do professor, embora a Constituição de 1988 favoreça o Congresso, o elemento de virada do jogo foi a “trivialização do impeachment”. “Com o impeachment da ex-presidente Dilma, o Congresso descobriu uma arma fatal”, defendeu. Com essa nova organização, o presidente da Câmara fica dotado de mais poder e altera a queda de braço entre poderes que impacta, por exemplo, na distribuição do orçamento entre o Executivo e o Legislativo. Com a margem de gasto do governo mais apertada e o Congresso munido do impeachment como ferramenta política, Singer não vê chance de acordo entre as duas esferas. Para ele, “a maneira como o presidente da Câmara ficou dotado pelo poder de autorizar o processo de impeachment virou um elemento estrutural”. 

Por outro lado, Singer destaca que o fortalecimento do Congresso não é ruim em si. “O problema é a natureza dos representantes que estão sendo eleitos ali”, defendeu. Na visão do cientista político, o parlamento tem se desenvolvido numa direção que é avessa aos interesses da sociedade, e mesmo os interesses que são atendidos se dão por uma via corporativa e pouco transparente. Se essa tendência é prejudicial para a democracia por si só, a situação fica ainda mais delicada, na visão de Singer, ao considerarmos que “hoje, a sociedade civil fala menos do que falava no começo dos anos 80”. 

As reconfigurações do tabuleiro podem parecer desesperadoras, mas Singer também vê pontos de esperança para o Brasil. Tarcísio de Freitas, Ronaldo Caiado e Romeu Zema, apontados como possíveis herdeiros do bolsonarismo “têm perfis menos ameaçadores para a democracia”, nas palavras de Singer. “Nenhum deles tem essa característica de um discurso abertamente disruptivo que ameaça a democracia nem tem o viés autocrático, porque eles não têm uma liderança carismática”, afirma.

A mesa da qual André Singer participou compôs a segunda edição dos Encontros piauí, que neste ano aconteceu no auditório do Instituto Moreira Salles – IMS Paulista, em São Paulo, com o tema “O que está em jogo: democracia, voto e eleições”. O acesso foi restrito para convidados e assinantes da piauí que se pré-inscreveram.

O evento foi aberto com uma conversa entre a ministra Cármen Lúcia, presidente do TSE, o diretor de redação André Petry e a repórter Consuelo Dieguez sobre a corrida eleitoral. Também houve um painel sobre confiança no processo eleitoral, mediado pelo editor da piauí Guilherme Henrique, com participação de Alana Rizzo, líder de políticas públicas do YouTube no Brasil, e João Brant, secretário de políticas digitais da governo; outro sobre jornalistas mulheres na cobertura política, mediada por Catarina Alencastro, gerente de parcerias estratégicas do YouTube, com a participação de Marina Dias (The Washington Post), Camila Mattoso (Folha de S.Paulo) e Basília Rodrigues (CNN Brasil); e uma edição especial ao vivo do Foro de Teresina, apresentada por Fernando de Barros e Silva, Ana Clara Costa e Celso Rocha de Barros, com a participação especial do violonista e compositor Arthur Nestrovski, que falou sobre a obra de Tom Jobim, tema de sua série de aulas nas plataformas digitais da piauí: A longa arte de Antonio Carlos Jobim.

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