Foto de Chichico Alkmim/ Acervo Instituto Moreira Salles.
Os símbolos da branquitude sob análise
Em Imagens da Branquitude, novo livro de Lilia Moritz Schwarcz, antropóloga analisa mapas, fotografias e peças publicitárias criados a partir do século XVI para diagnosticar como o racismo se disseminou por meio da imagem
Esse é o retrato de Don Eusebio, figura conhecida na história argentina como Don Eusebio de la Santa Federación — o bufão do caudilho Juan Manuel de Rosas. Na sua pessoa se misturam marcas preconceituosas com relação a raça, gênero, estatura, características físicas e psiquiátricas. Tudo junto e atravessado.
A pintura acadêmica foi realizada por um artista até hoje desconhecido. Eu cheguei à obra a partir do excelente trabalho da historiadora Paulina Alberto, que investigou características raciais e preconceituosas presentes na caracterização do personagem[2]. No registro encontrado no Museu Histórico Nacional de Buenos Aires aparece apenas a descrição pouco precisa: “anônimo, cerca de 1830”. Eusebio teria vivido de 1810 a 1873, e foi representado na obra num contexto em que trabalhava para Rosas e sua família[3].
A narrativa acerca da vida de Eusebio acompanha o mesmo processo de apagamento presente na especificação da autoria da tela. Mistura história com memória e lenda. Esses são todos termos ligados à ideia de um tempo passado e que, apesar de parecerem sinônimos, não o são. Na verdade, o passado é tanto um terreno conflituoso como projetivo — à sua maneira, e, quando revisto, representa sempre uma “projeção” das questões do presente. Não por acaso, a ele se referem a memória e a história, que, como categorias distintas, competem no entendimento do passado, sem se confundirem ou complementarem. Nem sempre a história consegue dar crédito à falta de método da memória, enquanto a memória, não raro, desdenha de uma reconstituição que não inclua a subjetividade e o direito à lembrança [4] . Algo semelhante ocorre com o terreno da lenda, que se opõe à história e à memória por ser em geral adstrita ao lugar da ficção, da invenção.
Detalhe de Don Eusebio de la Santa Federación.[17]
O certo é que há sempre algo de imprevisível na abordagem do passado. Por isso, com frequência ele se torna um território de embates e desavenças. Historiadores trabalham com métodos que implicam a compreensão e a reconstituição de episódios do passado, por meio do contraste entre documentos e fontes. Elaboram desse modo um conjunto de hipóteses, mas não suscitam certezas absolutas ou finais. Já os procedimentos da memória se sustentam na revalorização da primeira pessoa e no reconhecimento de uma dimensão subjetiva, em que se embaralham temporalidades. Sendo assim, a história é o “presente do passado”, uma vez que leva o tempo “do antes” a se transformar naquele “de agora”. Já a lenda corresponde a um tempo anacrônico, “o presente sem presente”. Por fim, como a atualização faz parte do fermento da memória — as questões atuais se inscrevendo nas nossas lembranças —, ela se parece com o “presente do presente”.[5]
Tomadas nessa perspectiva, ampla e conflitiva, memória, lenda e história se comportam como atores fundamentais na construção de narrativas políticas — sejam elas escritas ou visuais —, testemunhos e/ou processos artísticos. Voltemos, assim, a Eusebio, esse personagem que atravessa os terrenos porosos da história, da lenda e da memória. Sabe-se “algo” sobre ele. Não muito. As crônicas de época o descrevem como “mulato”, “anão” e “demente”. Eusebio condensava, pois, uma série de estereótipos e preconceitos em seu próprio corpo e representação.
Segundo o sistema de divisão racial vigente na Argentina da época, Eusebio era considerado “mulato”. O termo foi usado desde o século XVI na língua espanhola, referindo-se, originalmente, ao filhote macho do cruzamento do cavalo com a jumenta ou da égua com o jumento — que em português é chamado de mula. Nesse mesmo contexto, estabeleceu-se uma analogia, perversa, com o conceito, passando este a definir os filhos mestiços de uma mãe branca com um pai negro, ou o contrário. Há quem aposte também, como o pesquisador Jack D. Forbes, que a palavra “mulato” tenha origem árabe — muwallad, utilizada bem antes da vigência da escravidão mercantil europeia para descrever “árabes estrangeirizados”, isto é, de origem étnica mista.[6] Outra possibilidade é que o sentido venha do árabe maula (servo com relação feudal). Assim sendo, as línguas espanhola e portuguesa teriam incorporado o termo muito precocemente, já no século XVI, poucas décadas depois da conquista das primeiras feitorias na África muçulmana e do começo do processo de escravização. De toda forma, e para além da origem etimológica, a palavra acabou recebendo uma conotação e sentido pejorativos, estereotipando pessoas negras e hipersexualizando as mulheres.
Além do mais, em função do preconceito que circunda pessoas de baixa estatura, Eusebio não poucas vezes seria ridicularizado nas ruas e em público. Comentava-se em tom de galhofa a cicatriz bem protuberante em seu rosto, mas ninguém sabia precisar a origem do acidente.
Eusebio era um dos “bufões” da “corte” de Juan Manuel de Rosas, na época em que o general exercia o cargo de governador da Província de Buenos Aires, primeiro durante os anos de 1829 a 1832 e depois de 1835 a 1852. Há quem conte que, quando jovem, Eusebio teria atuado como trabalhador braçal nas propriedades pertencentes à família de Encarnación Ezcurra. Depois do casamento dela com Rosas, em 1813, o rapaz passou a integrar o grupo de pessoas e trabalhadores que circundava os espaços de intimidade do casal, mas de maneira subordinada.
Proveniente de uma família abastada, Rosas costumava alistar pessoas que atuavam em suas propriedades para comporem milícias privadas. Nessa condição de dependência, elas tomavam parte em disputas entre facções que, não raro, levaram a uma sequência de guerras civis no país. Por sinal, tendo se saído bem em tais disputas, Rosas conseguiu grande influência pessoal: era sempre seguido (e temido) pelo exército particular e leal que o acompanhava aonde quer que fosse. Virou, inclusive, um modelo do caudilho, como eram denominados os senhores que faziam suas próprias leis e atuavam a partir delas.
Eusebio, ao que se sabe, e a despeito da baixa estatura, fora recrutado como miliciano. Com o tempo, e em função de sua proximidade com o casal, se mudou para a moradia construída após o matrimônio para abrigar os noivos. E assim, juntando dois mais dois, quando o patrão é eleito, em dezembro de 1829, e depois cria uma verdadeira ditadura de Estado, a mansão onde vivia nosso protagonista se converte em centro de decisões do governo de Buenos Aires. Pelo que consta, Eusebio teria morado por lá, junto com a família íntima do caudilho, até o final do governo deste, em 1852.
Mas a principal atividade que Eusebio assumiu seria hoje considerada, no mínimo, excêntrica — ele se converteu, com o tempo, no mais conhecido dos bufões da família. Pessoas de baixa estatura eram com frequência aliciadas para essa função nas cortes europeias, de maneira a destacar e ironizar seus marcadores de diferença. Eusebio, que cumpriu tal papel a partir de 1835, vira e mexe era “convocado” para ridicularizar adversários políticos do governo de Rosas. Adotado e protegido pelo caudilho, “Don Eusebio” tinha como função divertir os amigos da família e gozar dos inimigos. E a importância de sua presença nessa corte improvisada era proporcional aos títulos irônicos que foi acumulando: Eusebio de la Santa Federación, Sua Excelência, Governador da Província, Conde Martín García, General das Califórnias, Majestade da Terra, Grande Marechal da América.[7]
Rosas gostava, ele próprio, de fazer um pouco de bufonaria, conferindo a Eusebio títulos honoríficos e condecorações que permitiam ao “amigo” estar presente nas reuniões oficiais. Tudo, porém, dentro do limite tênue entre o real e o inventado. O historiador Vicente Fidel López narra como Rosas tinha por hábito investir no jogo da fantasia, vestindo Eusebio com roupas episcopais ou costumes de embaixador.[8] Pouco se sabe, contudo, dos sofrimentos e atribulações que Eusebio sofria ao se ver imiscuído nesse tipo de teatro do poder, onde atuava mais como vítima do que na qualidade de algoz.
Não há quem duvide do protagonismo de Eusebio no interior da corte de bufões do general Rosas. Ele teria a capacidade de descobrir quais eram as pessoas mais antipáticas a seu patrão, e sobre elas soltava, sem dó nem piedade, as piadas mais sarcásticas, assinalando criticamente peças de vestuário, ironizando partes do corpo que considerava desproporcionais ou outros elementos que desabonassem os inimigos.
Don Eusebio não era o único bufão de Rosas; ficaram famosos personagens como o Padre Biguá, o Loco Bautista, o Negro Marcelino. O caudilho gostava de ser visto rodeado por eles, e usando de seu chicote fazia com que aprendessem, decorassem e declamassem versos, discursos e piadas. Entretanto, as memórias de época destacam certo apreço especial do general para com Eusebio, que, dizem, perdera o juízo e gostava de mesclar, nos seus delírios, retóricas exaltadas de louvor ao amo.
Nessa história, que tem muito de lenda, conta-se que Eusebio fora atingido por um golpe na cabeça em meio a uma briga quando procurava proteger seu chefe. A mesma narrativa defende que, por conta do acidente, o bufão passara a sofrer com problemas neurológicos, que anos depois teriam resultado em sua insanidade.[9] Havia sempre algo de burla na figura dele: era uma pessoa deslocada em termos de classe social, em sua estatura, comportamentos e cor.
Juan Agustín García, em Sombras del pasado, detalha o ambiente do bairro de Palermo, em Buenos Aires, nos tempos do caudilho, a partir de uma só cerimônia: “À sua direita se sentavam os generais Rolón e Pinedo; à sua esquerda o mulato Eusebio, governador de piada, sério, grave, que fala dentro de seu papel, com olhos presos no amo que o observa, e que alterna — com grande facilidade — a risada e a fúria”.[10] “Governador de piada” é termo que revela o deboche com que Eusebio era tratado, bem como seu lugar submisso dentro da hierarquia de Rosas. Deveria obedecer, agradar ou agredir, fazer rir ou magoar. A Batalha de Caseros, de 1852, marca a derrota final de Rosas. Para Eusebio ela significou o fim de sua posição, de alguma maneira, privilegiada. O bufão deixou de fazer graça e se transformou num mendigo das ruas de Buenos Aires. Nos seus últimos anos de vida, com o movimento de higienização das grandes cidades, foi levado para o Hospital General de Hombres, onde ficavam recolhidos os “loucos”. Eusebio morreu em 1873, internado num asilo, sozinho, pobre e sem saber, exatamente, onde se encontrava. Viveu e morreu entre a realidade e a lenda criada em torno dele.
Na história de Eusebio, os limites entre loucura, assédio e pobreza, riso e drama, capacitismo e raça se encontram todos cruzados. E nenhum desses marcadores sociais de diferença fala a favor do antigo bufão. Eles se interseccionam e agem no sentido de inferiorizar e criticar a imagem de Eusebio como histrião: personagem que ele criou, mas foi também imposto a ele, e acabou por vitimizá-lo.
Marcadores sociais são categorias classificatórias e de articulação compreendidas como construções sociais, locais, históricas e culturais, que tanto pertencem à ordem das representações sociais — como são os mitos, as fantasias, as ideologias — quanto exercem uma influência real, pragmática, no mundo, por meio da produção e reprodução de identidades coletivas, de hierarquias sociais e processos de subalternização.[11]
Essas categorias, com muita frequência, não produzem sentido isoladamente; elas agem por meio da conexão que estabelecem entre si. Marcadores sociais, como raça, geração, região, gênero, sexo, classe social e deficiências físicas e mentais, entre outros elementos, têm a capacidade de impactar a realidade, produzindo hierarquia e formas de subordinação. Marcadores funcionam, pois, e na maior parte das vezes, perversamente quando atravessados entre si.
Hora de olhar com cuidado para o retrato acadêmico de Eusebio. Uma impressão inicial, mais positiva, digamos assim, não passa pelo escrutínio mais detido. Em primeiro lugar, o fato de a pintura fazer parte do acervo do Museu Histórico Nacional de Buenos Aires já confere a ela um lugar destacado, ao lado de outros trabalhos que ajudam a construir visualmente a narrativa nacional argentina. A boa técnica também despista: a obra é bem executada dentro das convenções neoclássicas, que fizeram dos retratos um ótimo ganha-pão e, sobretudo no século XIX, serviram, de modo geral, para elevar e distinguir seus modelos. Por isso mesmo, costumavam dignificar as elites — majoritariamente masculinas e brancas — incluindo adereços e roupas que as distinguiam do restante da população. Proprietários de terra aparecem com seus melhores trajes, bengalas e chapéus; religiosos surgem com vestes episcopais e bíblias na mão; militares, com seus uniformes, condecorações, botas e armas.[12] Essas são convenções visuais que permitem que tais quadros sejam lidos exatamente da maneira como deseja o artista, e em especial seu cliente.
De acordo com a definição crítica de Ernst Hans Gombrich: “Os homens [da época das revoluções] gostavam de se considerar cidadãos livres de uma Atenas ressurgida”, esse modelo incorporando nos retratos um ideal de elevação moral e física.[13] Visto a partir dessa perspectiva, o retrato de Eusebio estaria, portanto, a serviço de sua glorificação, e, ademais, muito bem inserido no Museu, ao lado do panteão de outros heróis da pátria argentina. Logo percebemos, porém, se observarmos os pequenos/grandes detalhes presentes na tela, que há algo que não combina bem com as demais obras expostas naquelas paredes — no caso do nosso personagem, destaca-se um mundo de associações desabonadoras.
O que mais chama atenção no quadro, em si, é o fato de Eusebio estar vestido com um elegante uniforme militar. Quando vista de maneira apressada, a tela parece, com efeito, ressaltar a altivez do personagem — suas calças brancas e casaca bem cortadas evocam a imagem do seu próprio patrão, o general Juan Manuel de Rosas, presente, aliás, na mesma ala do Museu Histórico Nacional de Buenos Aires.
Outros elementos ajudam a compor a dignidade da figura. Na mão esquerda ele traz uma bengala com um adereço distinto no topo, bem como um anel dourado no dedo mindinho, ambos os elementos lhe conferindo um ar de nobreza. Com a mão direita Eusebio aponta com um dedo, como se mirasse e indicasse o futuro.
Mas o retrato grandioso começa a se dissolver quando passamos a “ler pelos detalhes”. Há algo de ultrajante na figura. Em primeiro lugar, completa o personagem um chapéu bicorne com fitas e penachos coloridos porém um tanto desalinhados; sobretudo os que aparecem na parte de baixo do adereço. Por outro lado, as fitas sustentam na parte inferior uma chave. Que nobre andaria com um apetrecho desses pendurado em seu uniforme, de maneira a ser incluído num retrato oficial? Resposta imediata: apenas um falso e improvisado militar.
Além do mais, caprichando na lente de aumento, rapidamente se percebe como a barba é malfeita e os cabelos, debaixo do chapéu bicorne, estão um pouco desarranjados. Todos esses elementos juntos dão a impressão de que Eusebio, diferentemente de outros militares e membros da elite, apresenta um aspecto sujo e desleixado. O uniforme não passa, assim, de fachada frágil. Por outro lado, se olharmos para a casaca do modelo bem na altura do cotovelo esquerdo, será possível notar a existência de um remendo, que confere um ar farsesco ao suposto galante militar.
Na parede que aparece na obra também podem ser lidas duas frases: “Muerte Rosas” (Morra Rosas) e “Viva Lavalle”. Juan Galo Lavalle foi um militar independentista, que atuou como governador de Buenos Aires de 1828 a 1829, quando acabou sucedido por Rosas. Ele pertencia ao Partido Unitário e fazia oposição ao caudilho, chefe de Eusebio. Portanto, os dizeres deixam evidente como o retrato respeita a forma acadêmica da Revolução, para então subvertê-la por meio da ironia. O quadro é apenas supostamente engrandecedor. Visto com cuidado, constata-se que o objetivo é o oposto: desautorizar o general e seu principal lacaio e bufão. Logo, e como bem mostra a historiadora Paulina Alberto, longe de engrandecer Eusebio, o pseudorretrato traz a perspectiva dos oponentes liberais de Rosas, que o chamavam de “tirano”.[14]
Existe ainda outro detalhe, muito revelador mas que pode passar desapercebido. Eusebio caminha por sobre um chão pavimentado, e nele se destacam suas botas de militar. Mais uma vez, a primeira observação pode ser traiçoeira, pois a impressão que se tem é de que os calçados condizem com o vistoso uniforme e o completam. Pois bem, aguçando-se o olhar em direção ao pé esquerdo, nota-se, contudo, que falta o couro da frente do sapato, o que faz com que os dedos de Eusebio fiquem expostos.[15] Faltam também as meias que protegeriam os pés dele. Tais pormenores poderiam parecer insignificantes, não fosse essa uma marca racializada e reiterada, uma espécie de lembrete visual da representação de pessoas escravizadas, libertas ou negras, com grande frequência imortalizadas descalças. Afinal, Eusebio tem a cor dos “mulatos” e, portanto, de pessoas africanas que chegaram à América escravizadas.[16]
É certo que na Argentina, e diferentemente do que ocorria no Brasil, por conta da inclemência do clima, nem todos os escravizados eram vistos e representados sem sapatos.[18] Mesmo assim, o pequeno detalhe é revelador de alguns estereótipos recorrentes, presentes em toda a América — a associação entre categorias como classe e raça à imagem de pessoas sem sapatos ou meias: ícones detidos por uma certa civilização que a partir do século XVIII apagou suas diferenças e se definiu como ocidental e branca.[19]
Imagens nada têm de inocentes, e o retrato de Eusebio é tudo menos ingênuo. Ele pretende destacar a origem “espúria” do falso militar e assim desclassificar sua integridade. Quer fazer mais, vinculá-lo à sua raça, marcada, segundo as teorias deterministas da época, por estigmas de loucura e criminalidade. A imagem devolvia, pois, o que a pseudociência de então afirmava: o bufão não passava de um resultado degenerado da mistura de raças, que, segundo os mesmos modelos, levava à detração física e moral.[20]
O quadro é verista no sarcasmo e classista na forma. O miliciano era mesmo pobre, destituído de posses materiais, e suas roupas, quiçá, andavam de fato rotas ou sujas. Mas o que mais sobressai, nesse caso, é um certo “padrão de intenção”. Conforme explica o historiador da arte Michael Baxandall, é preciso escrutinar as obras em séries muitas vezes, para encontrar na reiteração um “padrão” — um argumento construído visualmente.[21]
Existe também um tom de deboche, de bizarria, no retrato. É como se uma pessoa semelhante a Eusebio — pobre, “mulato”, falastrão e de baixa estatura — não coubesse num retrato na parede, daqueles que as elites “fazem por merecer” pelo mero fato de existirem e poderem comissionar uma obra como essa e que — diferentemente do exemplo de que estamos tratando — é em geral muito laudatória.
Eusebio não foi, porém, um exemplo isolado na representação visual que circulou pelo espaço afro-atlântico formado pelo nefasto tráfico de almas. A falta de sapatos virou um símbolo da escravidão, de hierarquia e da inexistência de liberdade em especial nas mãos de artistas, naturalistas e fotógrafos em sua grande maioria de origem europeia.
E, se Eusebio viveu na Argentina, por aqui, no Brasil, viajantes, cientistas, desenhadores, artistas, gravadores e depois fotógrafos capricharam ao demonstrar os verdadeiros abismos existentes entre pessoas livres e pessoas escravizadas. Não poucas vezes representaram proprietários e seus cativos lado a lado, mas as roupas eram distintas, os adereços e penteados igualmente. A situação social era, sobretudo, diversa: escravizados trabalhavam e seus senhores e senhoras passeavam nas ruas ou eram carregados por eles. Mas outro imenso detalhe não passou desapercebido do olhar oitocentista e do começo do Novecentos. Escravizados não eram registrados calçando meias e sapatos. A interdição não fazia parte da lei; era da ordem do costume assentado, que, à sua maneira, é sempre muito rigoroso na sua aplicação. Por isso, sapatos logo se converteram em símbolo de liberdade, no imaginário dos escravizados, mas também em formas de mostrar a inferiorização na palheta dos artistas ocidentais — que tenderam a dominar esse tipo de documentação visual oitocentista.
Não terá sido por coincidência que o viajante francês Jean-Baptiste Debret, o qual chegou ao Brasil em 1816 com o objetivo de se tornar uma espécie de pintor da corte de D. João e voltou à França como membro da Academia Imperial de Belas Artes, decidiu, entre suas inúmeras imagens pitorescas, reproduzir uma loja de sapatos.[22] Há sapatos por todos os lados: no teto, nas paredes, pelo chão. Sapatos só não estão nos pés dos escravizados, sendo que um deles é retratado com um olhar desconfiado e com o pé direito nu bem destacado.
A cena toda mostra uma situação de repressão e controle, o patrão aplicando a palmatória na mão do escravizado que se encontra ajoelhado e com a cabeça baixa, em outra circunstância que denota subserviência. A imagem representa um elogio ao controle e à ordem naquele Brasil do trabalho forçado, tendo a presença de sapatos (nos pés do patrão) e a ausência deles (no caso dos escravizados) como símbolos diletos para representar o sistema que supõe a posse de uma pessoa por outra. Aliás, é o próprio Debret quem estabelece a associação entre pés descalços e escravidão quando observa surpreso o número elevado de sapatarias no Rio de Janeiro de 1816 — cidade onde 75% da população era composta de escravizados que enfrentavam as ruas enlameadas com seus pés descalços.[23]
O certo é que a liberdade calçava sapatos e a ausência deles representava, até alegoricamente, o cativeiro. O costume de andarem descalços também era lido como sinal de respeito diante daqueles que eram considerados superiores, e virava ainda uma marcação externa acerca da condição escrava. Não por acaso, essa sorte de comparação foi muito frequente nas obras de artistas visuais europeus como Debret, Rugendas, Chamberlain e tantos outros, que investiram pesado nesse tipo de representação.
A partir da década de 1850, com a entrada da técnica da fotografia, a exposição didática da desigualdade social entre brancos e negros seria também retratada por esses novos profissionais, igualmente provenientes, em sua maioria, do assim chamado Velho Mundo. E, se são inúmeros os exemplos nesse sentido, existe, porém, um documento, feito no estúdio paulista de Militão Augusto de Azevedo[24], ainda nos tempos da escravidão, que parece servir de modelo sobre como se legitima a hierarquia a partir do registro visual.
Perdemos no tempo o nome do proprietário, e tampouco sabemos o dos trabalhadores. Mas temos certeza de que se trata de uma foto encomendada pelo senhor, que nela incluiu seus cativos como prova de riqueza e privilégio. Em primeiro lugar, o patrão encontra-se um passo à frente dos demais — o que já denota anterioridade na hierarquia. Em segundo, ele traz o traje completo — calça, jaquetão, camisa branca e gravata-borboleta —, que se destaca sobretudo em comparação com as roupas mais remediadas dos outros. A cor do proprietário que encomendou a foto é branca e seu cabelo e barba mais claros — numa espécie de reforço de quem exerce o mando e tem o domínio material e simbólico da situação. Mas o que distingue, para valer, o homem que está no centro da foto são seus sapatos, que aparecem com muita evidência e ganham ainda maior relevância ante a ausência de calçados nos pés dos demais — seus escravizados.
Era muito difícil controlar o resultado de uma foto no formato albúmen, e a abertura lenta das lentes fez com que as reações dos escravizados tomassem vulto. O homem na extremidade direita se mexeu e saiu borrado. Além disso, enquanto as duas outras pessoas da direita revelam passividade e resignação diante do lugar que devem ocupar na representação, a que está postada logo à esquerda do senhor mostra contrariedade, com os braços cruzados. O registro guardou, porém, a lógica simbólica dos sapatos. Mesmo sem nomes, é também por conta dos calçados que divisamos quem tem ou não tem liberdade.
Não calçar sapatos definia a condição escrava. Escravizados de ganho, por exemplo, podiam andar mais livremente pelas ruas, sendo vistos bem trajados, com anel no dedo, relógio no bolso, chapéu-coco na cabeça, paletó e tudo o mais. Mesmo assim, continuavam andando descalços, o que funcionava como uma espécie de atestado da condição servil e marca de sua raça.
Aqui vemos uma foto de Christiano Júnior [25], profissional que se especializou em fazer “tipos de negros” e vender seus trabalhos no exterior, de alguma maneira exotizando a violência da situação. Causa hoje espanto ver o descompasso entre as indumentárias, os jaquetões, os guarda-chuvas, quando contrastados com os pés descalços; estrategicamente colocados bem à frente e ao centro nas fotos. Sim, pois o profissional não pretende esconder nada. Quer antes destacar.
Símbolos não são aleatórios — seu significado vem do fato de serem compartilhados e aceitos pela sociedade. Sendo assim, eles acabam por dialogar com a realidade, produzindo e corroborando percepções, mas igualmente as concretizando. O certo é que, para funcionarem, símbolos como esses precisavam ser conhecidos e reconhecidos por quem se valia deles, mas também por quem sofria por causa deles. Tanto que muitos negros e negras “fujões”, como eram chamados, quando capturados estavam calçando sapatos como uma estratégia para ludibriar seus perseguidores.
Os sapatos se converteram assim em símbolos de liberdade naquela sociedade do trabalho imposto. Tanto é verdade que, não raro, quando um escravizado era alforriado, logo comprava um par deles. No entanto, como os seus eram pés acostumados a pisar o chão de terra, muitas vezes era difícil trocar um costume por outro. Por isso, e como “o hábito faz o monge”, contavam os viajantes que era comum observar libertos trazendo os sapatos a tiracolo, ou presos pelo cadarço mas pendurados nos ombros.[26]
Era também de praxe expô-los em lugares de destaque nas casas, como decoração ou atestado de conquista da liberdade. Ficavam, então, bem à vista, logo na entrada das moradias, como se servissem de prova de que o que fora conquistado não poderia ser tirado deles.[27]
É também de sapatos que trata o documento da página seguinte, feito pelo fotógrafo italiano Vincenzo Pastore[28], que captou com suas lentes uma São Paulo em inícios do século XX; tempos de República, quando já não existiam escravizados no Brasil. Dois homens negros e anônimos tomados de costas conversam sentados num banco que traz, talvez não por obra do acaso, a propaganda de uma marca de sapatos: Calçado Clark. Do mesmo modo, o texto da mensagem não há de passar desapercebido: “O único superior no Brazil”. Em seu sentido literal, a frase se referiria apenas a uma superioridade do produto. No entanto, no contexto brasileiro, ela diz respeito à recente ausência de critérios sociais de superioridade ou inferioridade pautados na escravidão, finalmente extinta no país em 1888, bem como alude à voga das teorias evolucionistas e higienistas que, depois da abolição, propagaram-se no país e em suas instituições científicas.
A foto fala por si. Os dois homens negros não aparecem trabalhando, diferentemente de como pessoas negras costumavam ser representadas nos tempos da escravidão, quando foram desenhadas e registradas por artistas e fotógrafos transportando pesadas cargas (humanas e materiais), cozinhando, serrando madeiras, remando, amamentando filhos alheios, cuidando de crianças, vendendo de tudo. Dessa vez, conversam tranquilamente — ainda que se saiba tratar-se de uma foto montada e que os figurantes devem ter recebido orientações precisas do profissional para que agissem com naturalidade e sem olhar para a máquina.
O da direita veste paletó branco e calça preta. Dele é possível inferir a idade um pouco mais avançada. O outro traz o rosto praticamente coberto por uma das mãos. Entretanto, o que conseguimos ver é mais que suficiente. Vislumbramos seu chapéu elegante, o terno completo e a bota confortável.
Para o fotógrafo estrangeiro, ela fazia apenas parte de um jogo “entre entendidos”. Várias camadas de sentido se juntam nesse documento visual, já que, calçando sapatos, as ações de “jogar conversa fora” e deixar as horas passarem ao lado de um amigo não eram regularmente associadas a pessoas negras. A imagem, muito sensível, joga, então, com a inversão, e produz seu sentido da mesma maneira que a piada: do deslocamento de significados. Afinal, comunidades imaginam em conjunto, conforme explica o sociólogo Benedict Anderson[29], e não no vazio. O próprio conceito de imaginário vem da palavra “imagem”: das associações que fazemos diante de uma imagem.
Na verdade, se é possível ler imagens a partir de suas formas estéticas e do maravilhamento que sem dúvida produzem, o significado das obras que acabamos de analisar se dá também em contexto, e a partir do conhecimento de convenções visuais “lidas” com certa facilidade por aqueles que consomem esse tipo de produtos, e inclusive por pessoas que são, de determinada maneira, vítimas deles. Estamos diante, assim, de culturas visuais, projetos imaginários de alguma forma oficiais, cuja vigência e reiteração só podem persistir a partir da eleição — intencional ou não — do que se pretende lembrar e do que se quer esquecer e até mesmo esconder. Tudo de maneira silenciosa e por vezes envergonhada, como se existisse uma espécie de acordo praticado por uma parte dessa sociedade que, após tantos séculos, se acostumou a deter privilégios e a monopolizar o domínio social e político.
Muitas nações se pensam e se definem a partir de aquarelas, óleos, telas e fotos icônicas, que cumprem também a função de resumir desejos e projeções de certos setores dominantes da sociedade. A tela Independência ou morte (1888), de Pedro Américo, por exemplo, teve tal impacto que, de projeto imaginário — em que a artificialidade da cena é reconhecida pelo próprio pintor na época —, virou “testemunha” de um fato que decidiu a sorte do país.[30] Com esse quadro, produzido muitas décadas depois do evento do dia 7 de setembro, fomos socializados na ideia de que a emancipação política não foi uma conquista do povo e resultado de um processo de lutas descentralizadas pelo país, mas um “acordo de cavalheiros” provenientes dos setores palacianos. História parecida cerca o trabalho de Victor Meirelles chamado A primeira missa no Brasil. Criada em 1861, a partir do mecenato do imperador d. Pedro II, que pretendia, entre outras coisas, elevar a imagem do Brasil, a obra descreve a invasão portuguesa como uma missão civilizadora europeia, e os indígenas observando “tranquilos e passivamente” a tomada de seu território. A beleza, não raro, dissimula, produzindo emoção e fazendo uma nação partilhar supostos sentimentos e desejos comuns, cuja história e os dados do passado têm a capacidade de desmentir.
É possível dizer, pois, que subsiste uma sorte de pacto social implícito, produzido e reproduzido por uma série de registros visuais. Parte significativa do Brasil se imagina branca, a despeito de vivermos num país em que 55,5% da população é negra, segundo dados do IBGE. Trata-se de uma espécie de contrato pautado numa “amnésia social”, que faz com que confiemos nas imagens, mais do que na própria realidade.
Símbolos como os sapatos serão tão ou mais eficientes quando se afirmarem na lógica do consenso social — que por definição não precisa sequer ser objetivamente enunciada. A língua, a história, os mapas, a literatura, os jornais, a propaganda e as imagens cumprem papel fundamental no sentido de tornar natural, ou pouco passível de questionamento, o que na verdade é da estrutura da engenharia social. É assim que a nação se constrói imaginando tempos e populações homogêneas e pretensamente universais.
Registros visuais desempenham função crucial nesse tipo de jogo político, disputado cotidianamente, mas também na longa duração. E no Brasil, como em outros locais, o nacionalismo não é uma forma inócua: ele tem raça e gênero. Ou melhor, num país como o nosso, que contou com o mais longo, largo e enraizado sistema de trabalhos forçados, pintado e representado por inúmeros viajantes europeus; onde a fotografia entrou cedo — já entre os anos 1840 e 1860 — e a escravidão terminou demasiado tarde, apenas em 1888, a imaginação é atravessada por processos de racialização e os constitui igualmente. O patriarcalismo também molda esse tipo de produção, jogando para os homens brancos o lugar de mando e para as mulheres o espaço da reclusão; ou melhor, e como teremos oportunidade de explorar, as figuras femininas de elite são introduzidas, com constância, no espaço seguro do lar, enquanto as escravizadas ocupam as ruas e são descritas a partir da exaltação de uma suposta e enganosa “sensualidade natural”.
É fato reconhecido no Brasil, e no exterior também, como a iconografia nacional é não só abundante em marcadores sociais de raça, gênero e sexo, região, geração e classe, e de seus cruzamentos, como muito condicionada por esses elementos. Contudo, chama atenção, num contexto em que boa parte dos países pretendia esconder a escravidão, que aqui ela tenha virado matéria do pitoresco, sendo registrada corriqueiramente.
Documentos visuais passam, assim, pelas mesmas especificidades de outras fontes: eles e seus artistas não precisam ser transformados em monumentos ou gênios isolados.[31] Obras como essas têm autoria, data de nascimento, origem, e todos esses elementos fazem tremenda diferença para a compreensão e leitura delas. Se muitas vezes se limitam ao belo, em repetidas ocasiões carregam seus próprios projetos, dialogando com outros registros de época.[32] Não se comportam, pois, apenas como “ilustrações”, no sentido de darem lustro a textos cujo sentido se adivinha previamente. Consistem, com muita frequência, em registros influentes: ao mesmo tempo que são produto do seu contexto, ajudam a produzi-lo.
Outro aspecto a sublinhar. Se a autoria de tais obras sempre foi basicamente identificável — sendo boa parte delas realizada por pessoas de origem europeia, em geral homens provenientes das classes médias —, durante muito tempo não se deu importância a esse tipo de informação. Ou seja, várias dessas imagens foram consumidas como meros testemunhos, registros de época, transformando-se, assim, visões parciais e subjetivas em verdades de largo alcance.
O caso mais famoso é o do pintor Jean-Baptiste Debret. Hoje sabemos que ele chegou ao Brasil em 1816, vindo de uma França que sofria com os reveses de uma guerra prolongada e da queda de Napoleão. O pintor fazia parte do círculo de artistas que cercavam o imperador corso, e ficara repentinamente sem emprego. Perdera também um filho e recusara outros convites na Europa, farto que estava de viver num ambiente assolado por conflitos internacionais. O translado transatlântico representava assim uma boa oportunidade de ele ganhar um emprego no único Reino Unido das Américas. O objetivo era, então, esquecer a guerra, a perda de seu filho, e tentar, como vimos, “fazer a América”.
Formado na escola acadêmica de Jacques-Louis David, seu primo e chefe do ateliê onde trabalhava, Debret trouxe para o Brasil o que aprendera nessa que era uma espécie de escola para formar artistas a serviço do Estado. E, em tal circunstância, pouco importava o fato de Portugal ter sido inimigo da França; por aqui ele pintaria a colônia “pitoresca” de d. João, com escravizados de corpos anatomicamente perfeitos, sempre a trabalhar com calma, sem denotar conflito algum, nessa colônia dos regimes de trabalho forçados.[33] Tudo exótico, tropical e palatável para o gosto europeu, que andava carente de outras paisagens e repertórios a consumir.[34]
Todavia, no país, e mesmo no exterior, sobretudo a partir dos anos 1930, Debret se converteria numa espécie de “etnógrafo” da escravidão, sem maiores questionamentos em relação a sua origem, à identidade de seus comandatários, de quem o financiava, e aos interesses dele durante sua longa estada no Brasil.[35] Não pretendo afirmar que tudo é “falso” nas aquarelas de Debret. Ao contrário, até hoje seu trabalho sobrevive graças à beleza de suas pranchas e dos dados que efetivamente contêm. Mas é certo, também, que, em razão da encomenda que recebeu, existiu de um lado uma tentativa de embelezar as imagens da escravidão, de outro, uma busca de engrandecer a monarquia e as elites que pagavam pelo trabalho do artista e, de outro ainda, uma denúncia velada ao cativeiro.[36] Uma explicação não se separa da outra.
A corroborar a ideia de que essa era mesmo uma “intenção”, basta lembrar que duas das aquarelas de Debret censuradas na época pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro — estabelecimento patrocinado pela realeza — foram pranchas que mostravam cenas diretas de violência: a imagem de um escravizado sendo chibatado por um feitor e a representação de um entreposto no mercado do Valongo, conhecido por realizar o comércio de pessoas. Na cena, chocante, africanos recém-chegados são apresentados pelo artista com seus corpos esquálidos, deitados em bancos ou largados pelo chão, muitos já sem forças para ficar de pé. Em destaque, mais à direita, surge um menino sendo vendido por um traficante e examinado por um proprietário branco.[37] A violência explícita não era, assim, bem recebida; já a mais cotidiana e disseminada nos detalhes parecia não chocar ou agredir.
Como veremos neste livro, uma obra de arte é feita a partir de processos de escolha: na fatura estética da obra, na eleição do tema e também entre o que se quer mostrar e nuançar, ou mesmo não mostrar. Portanto, na difusão acrítica desse tipo de iconografia imperou uma certa onipotência (praticamente) invisível de quem controla, encomenda e assim ganha não só o direito de se autorrepresentar como o de identificar “o outro”. Pois, se os comandatários das obras são, normalmente, “sujeitos” da homenagem e da memória, os demais se comportam como “objetos”, uma vez que não têm controle sobre como e em que circunstâncias serão retratados. Não raro, acabam sendo incluídos de maneira subordinada nesse teatro que não é orquestrado por eles.
Cultura funciona, porém, como uma espécie de segunda natureza: ela se inscreve em nosso corpo tal qual tatuagem. Gruda nas pessoas como se fosse parte essencial, e não construída, de nossa identidade. É por isso que certas imagens — entre aquarelas, óleos, fotografias, litografias, caricaturas, filmes, propagandas, impressos — criaram verdadeiras comunidades que se imaginam juntas a partir delas, sem que a bula ou o “certificado de origem” precise ser comprovado, ou mesmo verificado.
E foi também dessa maneira que se divulgou e naturalizou um mundo dos valores da cultura da branquitude, sem que fosse necessário racializá-la, sendo as situações apresentadas como se fizessem parte da ordem do geral ou até do universal. Por outro lado, raças foram criadas para definir os “outros” — que, em sua terra natal ou mesmo vivendo em seu contexto original, não se reconheciam como negros, mestiços ou indígenas. Essas são classificações externas, como as que foram impostas a Eusebio, e que ajudam, de forma consciente ou não, a estabilizar situações sociais, apagando-se as práticas coloniais que as sedimentaram, e a violência de uma “história global”, que durante tanto tempo somente disse respeito aos feitos de nações euro-americanas e os enalteceu.
Este é um livro que trata do fenômeno social e cultural da branquitude, e que foi escrito por uma mulher branca, paulistana e judia. Esse é meu lugar de fala, e de onde me localizo.[38] E, se o conceito da branquitude já foi muito bem analisado por autores e autoras que teremos tempo de conhecer nos próximos capítulos, poucas vezes tal cultura do privilégio foi trabalhada a partir da linguagem das imagens e desse tipo de imaginário que, sob a capa da inclusão, escancara e performa muita exclusão social.
Imagens da branquitude trata também da eficácia simbólica. Da maneira como símbolos são convenções sociais, nada aleatórias, pois fazem parte de hábitos arraigados e muitas vezes pouco diretamente enunciados. Ninguém sabe de quem é a autoria, ninguém justifica a verdade deles ou aposta nessa verdade, mas todo mundo convive com esses pressupostos, como se abarcassem suas próprias respostas. Eusebio usava sapatos, mas eles estavam cortados bem na ponta do pé, de modo a evidenciar que, mesmo calçado, no fundo ele andava descalço. Talvez o sapato estivesse de fato roto, desgastado pelo uso, e faltasse dinheiro para substituí-lo. Não discuto. Mas o que interessa aqui é assinalar a intenção social embutida no ato de representar assim o bufão.
Por meio das frases dispostas na parede, já sabemos que a tela pretendia fazer críticas a nosso personagem. Pretendia mais: criar uma comunidade de sentimentos, que sabe ler os ícones incluídos nesse tipo de imagem. Sabe rir deles. Consegue assim não só adivinhar a condição social e de raça do modelo, como ajuizar que, de fato e de direito, ele não fazia jus a tal símbolo da civilização, índice de um certo letramento e cultura. Esse era um privilégio dos bem-nascidos; grupo para o qual nosso personagem, mesmo convivendo com as elites, jamais ganharia um tíquete de entrada.
Pretendemos “ler imagens”, pois, atentando para o conjunto mas também para esses imensos detalhes. Se não podemos restituir os calçados a Eusebio, ao menos podemos mostrar as operações que fazem com que, mesmo tendo a capacidade de “ver”, não consigamos “enxergar” esses grandes e perversos detalhes. Afinal, ver é uma propriedade biológica que quase todos têm; já enxergar é uma opção cultural.
É na conta dessa fatura que o historiador Alberto da Costa e Silva chamou a atenção para o “remorso” que assola parte da produção brasileira sobre o período.[39] E a única possibilidade de ao menos minorar o obstáculo criado por esse verdadeiro nó social é buscar desfazê-lo, e sem peias. Não me refiro apenas às consequências que tal sistema trouxe para as populações negras — as verdadeiras vítimas do processo. Mas também, e como mostra Cida Bento, aos impasses que essa estrutura criou para a própria sociedade branca, que foi socializada na imaginação do mando, da hierarquia e do privilégio.[40] Dizem os analistas que indivíduos precisam enfrentar seus traumas para que não recaiam ou fiquem presos no círculo vicioso que eles criam. Sociedades também carregam seus traumas coletivos, os quais, muitas vezes, se apartam no silêncio da omissão — de maneira deliberada ou não. No entanto, é com a explicitação desses traumas que avançaremos como uma nação que não apenas se define como uma democracia, mas que encontra na diversidade e na inclusão social um mote para o seu fortalecimento.
O trauma é antigo, e levou a que, continuamente, o tema fosse adiado, a partir do silêncio de uma história sempre contada pela metade. Por exemplo, logo após a abolição da escravidão, uma determinação do então ministro da Fazenda Rui Barbosa, datada de dezembro de 1890, ordenava a destruição de documentos vinculados à escravidão, porque a “República [era] obrigada a destruir esses vestígios por honra da pátria, e em homenagem aos nossos deveres de fraternidade e solidariedade para com a grande massa de cidadãos que com a abolição do elemento servil entraram na comunhão brasileira”. A boa intenção priorizava apagar um passado considerado vergonhoso, reconstruindo-se a história a partir de outros ideais e incorporando os ex-escravizados ao projeto de modernização que se anunciava na época. É certo também que o objetivo da lei era evitar que antigos senhores de escravos pedissem indenizações por suas “perdas”. Afinal, se houve algum processo de ressarcimento após a abolição, ele priorizou os proprietários e não os escravizados[41] — e Rui Barbosa pretendia justamente negar aos primeiros esse tipo de direito.
Mas o ato acabou por representar — de maneira consciente ou não — uma forma de esquecimento. Em 1890, o poeta Medeiros e Albuquerque compõe o Hino da Proclamação da República, com a seguinte estrofe: “nós nem cremos que escravos outrora/ tenha havido em tão nobre país”. Fazia apenas um ano e meio que a escravidão fora abolida, por um ato tímido e não inclusivo, a menor lei que o Brasil já criou, e ninguém pretendia “lembrar” o que ocorrera e ainda ocorria com a criação de novas formas de exclusão social.
Um pouco antes, em 1883, Joaquim Nabuco expressou a “nódoa” que recaía sobre as populações brancas do Brasil: “Com a escravidão, não há patriotismo nacional, mas somente patriotismo de casta, ou de raça; isto é, um sentimento que serve para unir todos os membros da sociedade, é explorado para o fim de dividi-los. […] Brasil e escravidão tornaram-se assim sinônimos. […] Se o Brasil só pudesse viver pela escravidão, seria melhor que ele não existisse”.[42] Já na virada do século, quando se encontrava no exterior, o mesmo autor reuniu em livro uma série de ensaios. Chamou a obra de Minha formação; tratava-se de uma autobiografia nostálgica, em plenos dias republicanos. O estadista olha então para trás, como quem visiona o futuro. É a partir desse olhar projetivo, mas também como membro de uma família de proprietários do engenho Massangana, localizado em Pernambuco, onde ele viveu de 1849 a 1857, que o intelectual define a fatura onerosa: “O traço todo da vida é para muitos um desenho da criança esquecido pelo homem, mas ao qual ele terá sempre que se cingir sem o saber […]. A escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil”.[43]
Pois bem, “a escravidão permanecerá por muito tempo” dentro de nós, se continuarmos a tratar de negritude sem problematizar, ao mesmo tempo, o lugar da branquitude — uma vez que esses são termos definidos na relação que estabelecem entre si. Ou então, entender os andaimes dessa que é uma construção social, econômica, política e histórica do prestígio. Vale a pena enfrentar as consequências de o Brasil ter contado com o mais longo sistema escravocrata da modernidade e ainda manter a triste marca de ser o oitavo país mais desigual do mundo.
Nesse sentido, é inegável como foram as elites brancas que criaram o sistema colonial, essa verdadeira maquinaria social violenta; que inventaram as teorias raciais dos anos 1870; que pretenderam biologizar a diferença no contexto do fim da escravidão; que reintroduziram modelos de branqueamento; que deram guarida ao mito da democracia racial que nos anos 1930 exportou a imagem frágil de um país igualitário; e que, em tempos mais recentes, defendem a noção de meritocracia — um modelo que, em nome da universalidade de direitos, elide a diferença de acesso a informações, bens e riquezas no país. Teremos tempo e calma para tratar de todos esses temas complexos, a partir, sobretudo, das imagens que foram sendo criadas e dos imaginários que tais modelos construíram na base de uma sociedade que se pensa como branca ou branqueada.
Imagens da branquitude trata da temporalidade das imagens e de seus muitos sentidos — no tempo passado e neste que nos foi dado viver. Mas procura realizar mais: inquirir como uma série de documentos visuais que lemos de maneira inocente são atravessados por práticas do racismo — que foi, no limite, um projeto da modernidade europeia. Não se trata de apostar numa visão moralista, tampouco na lógica binária e simplista que opõe um grande “nós” a um imenso “eles”. Melhor é inquirir essa que é uma espécie de “pacto das imagens”.
Na maioria das vezes, essas obras não foram tomadas como depreciativas, ao menos no contexto em que foram produzidas. Afinal, inseriam-se em momentos nos quais a escravidão era legitimada pelo Estado. Sendo assim, trabalhar numa sociedade racista nem sempre significou compactuar com ela. A questão não é, portanto, normativa, e não se trata de simplesmente destronar personagens do passado e colocar outros no lugar. Mais relevante será ler tais documentos na contramão, a partir do que, com frequência, o artista não pretendia expor ou destacar; ou mesmo pensar na difusão mais recente dessas obras. Afinal, documentos visuais estão sempre em disputa no interior das lógicas simbólicas operantes, seja em sua própria época, seja em outros tempos que as ressignificam.
Todavia não pensamos em arte apenas como uma resposta a questões de ordem política, social ou econômica. Por sinal, geralmente a arte excede esse tipo de retórica apenas centrada no poder, e aponta também para a própria liberdade humana.
Este livro se escreve e se lê a partir de imagens. Imagens que têm a capacidade de, em primeiro lugar, encantar com sua beleza e com a força de suas formas estéticas. Mas imagens podem também dissuadir, desviar o olhar ao oferecer visões incompletas de si mesmas ou das realidades que dizem descrever. Afinal, ninguém lê livremente e sem as lentes e códigos da sua cultura.
Não vamos seguir uma cronologia estrita, pois imagens costumam desrespeitar temporalidades progressivas e monotonamente evolutivas; são em geral anacrônicas.[44] Aqui são os temas que articulam as imagens: sapatos, mapas, alegorias, patrimônios, mães negras, sabonetes, teorias e imagens do branqueamento e da democracia racial são como que janelas para explorarmos o tema que orienta este livro. Não existe também nenhuma preocupação de exaurir assuntos nem sequer de apresentar um conjunto extensivo de imagens. Os capítulos podem ser lidos como ensaios ou crônicas que se organizam em torno de imagens selecionadas a partir de determinados motes que acabam por conformar séries visuais, compondo, dessa forma, argumentos analíticos.
E, se todas as identidades raciais não passam, como veremos, de ficções sociais que ganham ares de realidade, as imagens que vamos analisar aqui têm a imensa capacidade de criar consigo novas realidades. A realidade de alguma maneira incômoda mas confortável de uma certa cultura da branquitude, que usa sapatos e meias, e ainda vê neles um símbolo de poder.
A obra Refino #5 (pés), de Tiago Sant’Ana, faz parte de uma pesquisa que o artista faz com viajantes europeus como Debret e Rugendas, com o intuito de mostrar de que maneira, na maior parte das vezes, retrataram pessoas negras escravizadas destacando aspectos bucólicos e doces dessa mão de obra forçada. Para “dissolver” essas representações ele justamente coloca em evidência os pés com uma espécie de moldura feita de açúcar. Eles nunca estão calçados, o que denota, a partir dos detalhes, a negação do direito à cidadania e à liberdade.[45]
Em 2020, a Coalizão Negra por Direitos lançou um manifesto afirmando que “enquanto houver racismo, não haverá democracia”. Eram tempos da morte por asfixia de George Floyd nos Estados Unidos e de João Alberto Freitas no Brasil — ambos morreram sem ar. No entanto, e como escreveu o professor Oscar Vilhena Vieira, citado por Sueli Carneiro, “o protagonismo do movimento negro não exime brancos antirracistas da responsabilidade de participar dessa luta”.[46]
Este é um livro, pois, que se pretende antirracista, uma vez que essa não é uma questão moral nem uma categoria de acusação. Ela implica o compartilhamento de boa informação e o incentivo a atitudes propositivas. Implica, ainda, tirar o véu e associar também a parte da sociedade criada pelos valores da branquitude nesse tema que não afeta apenas as pessoas negras; diz respeito a todas e todos nós que queremos um país mais justo, democrático e inclusivo. Implica produzir, por fim, autorreflexão, autocrítica e letramento racial para pessoas que, como eu, fazem parte de uma certa cultura social e política da branquitude, e não estão acostumadas a ser racializadas.
Igualdade na mistura, mestiçagem enquanto miríade de equidade, podem até ser utopias de largo curso. Mas no presente a história é outra, é a diferença social que tem dado o tom e o compasso, não o amalgamento democrático. Como afirma Sueli Carneiro, estamos todas e todos “convocados” como “partícipes na construção de outro tipo de sociedade”, pois “não há futuro para esse país se não formos capazes de equacionar essa realidade” e assim construir outro projeto de nação.[47]
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Neste livro as palavras se apresentam, muitas vezes, como imagens. E fontes visuais, ao anunciar o novo, carregam muito de um tempo nostálgico, um tempo anacrônico. São o passado do presente.
Optamos neste livro por usar o termo “branquitude” e não “branquidade”, seguindo a sugestão das psicólogas Edith Piza e Cida Bento, e do sociólogo Lourenço Cardoso, que estabeleceram uma contraposição e um paralelo com os conceitos de negritude e negridade. Branquidade corresponde ao conceito de negridade — que diz respeito, por sua vez, a um momento em que o ativismo negro dos anos 1930 buscava se integrar no “mundo branco” negando sua história diaspórica, e elevando apenas valores, narrativas e conceitos ocidentais. Seria assim uma concepção que rejeita parte de si. Já o conceito de negritude é fruto do ativismo negro dos anos 1970 que defende uma postura identitária e de auto-orgulho, que remete à ancestralidade africana e afrodiaspórica. O conceito correspondente é, pois, branquitude — que é o que adotamos aqui. A diferença é que negritude se refere a um movimento social de autoafirmação; já a branquitude reluta em aceitar essa titulação que remete à especificidade de seu lugar social. Voltaremos ao tema no capítulo que se segue e a partir dos intelectuais que definiram esse debate.[48]
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Introdução do livro As Imagens da Branquitude
[²] Conferir Paulina Alberto, “Pity: A Palimpsest on Dispossession and Abandonment”. Da autora, leia-se ainda: Black Legend: The Many Lives of Raúl Grigera and the Power of Racial Storytelling in Argentina. Foi com Paulina Alberto que aprendi a “ver” Don Eusebio.
[³] Vide Paulina Alberto, “Pity: A Palimpsest on Dispossession and Abandonment”.
[4] Beatriz Sarlo, Tempo passado: Cultura da memória e guinada subjetiva.
[5] Vide Lilia Moritz Schwarcz e Heloisa Murgel Starling, “Material didático” para o livro Brasil uma biografia
[6] Vide Jack D. Forbes, Africans and Native Americans: The Language of Race and the Evolution of Red-Black Peoples.
[7] Vide mais dados em Paulina Alberto, “Pity: A Palimpsest on Dispossession and Abandonment”.
[8] Vicente Fidel López, Historia de la República Argentina: Su origen, su revolución, y su desarrollo político hasta 1852.
[9] Guillermo Enrique Hudson, La tierra purpúrea: Allá lejos y hace tiempo, p. 252
[10] Ibid.
[11] O conceito de “marcadores sociais de diferença” foi construído junto com o Grupo de Trabalho do qual participo na usp chamado Núcleo de Estudos sobre Marcadores Sociais da Diferença (Numas). Sobre o tema vide, entre outros, Avtar Brah, “Diferença, diversidade, diferenciação”. Judith Butler, Problemas de gênero: Feminismo e subversão da identidade. Cristina Donza Cancela, Laura Moutinho e Júlio Assis Simões (Orgs.), Raça, etnicidade, sexualidade e gênero em perspectiva comparada. Sergio Carrara; Júlio Assis Simões, “Sexualidade, cultura e política: A trajetória da identidade homossexual masculina na antropologia brasileira”. Mariza Corrêa, “A natureza imaginária do gênero na história da antropologia”. Vincent Crapanzano, “Estilos de interpretação e a retórica das categorias sociais”. Kimberle Crenshaw, “Demarginalizing the Intersection of Race and Sex: A Black Feminist Critique of Antidiscrimination Doctrine, Feminist Theory and Antiracist Politics”. Id., “Documento para o encontro de especialistas em aspectos de discriminação racial relativos ao gênero”. Donna Haraway, Simians, Cyborgs and Women: The Reinvention of Nature. Laura Moutinho, “Diferenças e desigualdades negociadas: Raça, sexualidade e gênero em produções acadêmicas recentes”. Júlio Assis Simões et al., “Desire, Hierarchy, and Agency: Youth, Homosexuality, and Difference Markers in São Paulo”. Júlio Assis Simões; Isadora França; Marcio Macedo, “Jeitos de corpo: Cor/raça, gênero, sexualidade e sociabilidade juvenil no centro de São Paulo”. Verena Martinez-Alier, Marriage, Class, and Colour in Nineteenth Century Cuba: A Study of Racial Attitudes and Sexual Values in a Slave Society. bell hooks, Aint’ I a Woman. Angela Davis, Women, Race and Class.
[12] Sobre o tema do retrato neoclássico vide, entre outros, Mario Praz, On Neoclassicism; e “The Meaning and Diffusion of the Empire Style”. Viccy Coltman, Fabricating the Antique: Neoclassicism in Britain, 1760-1800. Walter Friedlaender, De David a Delacroix.
[13] Ernst Hans Gombrich, A história da arte, 379.
[14] Paulina Alberto e Eduardo Elena (Orgs.), Rethinking Race in Modern Argentina.
[15] Ibid.
[16] Vide Paulina Alberto, “Pity: A Palimpsest on Dispossession and Abandonment”.
[17] O Museu Histórico Nacional de Buenos Aires possui uma caricatura de Eusebio de la Santa Federación feita a partir dessa tela, gravada por Bernardo Darrieux no século XIX (42,5 cm × 37 cm; Donación de Antonio Garcia al Complejo Museo- gráfico Provincial Enrique Udaondo).
[18] Andrés Eduardo Yañez, “La vestimenta de los esclavos en el Buenos Aires posrevolucionario: Un análisis a través de los avisos de fugas y extravíos publicados en La Gaceta Mercantil de Buenos Aires (1823-1831)”.
[19] Segundo Françoise Vergès (Decolonizar o museu, 85), essa concepção de mundo não existiria sem a colonização escravista. É com os tratados de Utrecht, de 1713-5, que se põe fim a doze anos de guerra pela sucessão espanhola e se redesenha o mapa dos países europeus e da possessão das colônias, buscando pôr de lado as desavenças que eram muito maiores do que os consensos.
[20] Voltaremos com mais calma a essas pseudoteorias, nos próximos capítulos.
[21] Michael Baxandall, Padrões de intenção.
[22] Jean-Baptiste Debret, Viagem pitoresca e histórica ao Brasil (1834). Tratei com mais vagar da biografia e obra de Debret no livro O sol do Brasil: Nicolas-Antoine Taunay e as desventuras dos artistas franceses na corte de João.
[23] Ibid, v.1.
[24] Militão Augusto de Azevedo (Rio de Janeiro, 1837 – São Paulo, 1905) foi um dos mais importantes nomes da fotografia brasileira da segunda metade do século XIX. Retratista, pioneiro da fotografia urbana, foi um dos precursores da documentação da cidade de São Ele é autor do Álbum comparativo da cidade de São Paulo 1862-1887 (São Paulo: Photographia Americana, 1887), que registra as mudanças na paisagem da capital paulista, em decorrência da expansão urbana. (Fonte <https://ims.com.br/titular-colecao/mili- tao-augusto-de-azevedo/>.)
[25] José Christiano de Freitas Henriques Júnior (Portugal, 1832 – Paraguai, 1902) chegou ao Brasil em Na década de 1860, dedicou-se aos retratos de estúdio e aos registros de “tipos negros”. Christiano conduzia os escravizados ao estúdio, onde realizava imagens de closes e de simulações de atividades profissionais, vendidas, em geral, para estrangeiros que voltavam à Europa, no formato de cartes de visite. Também produziu retratos de “tipos locais” no Brasil e na Argentina, e uma série de fotografias médicas. (Fonte: <https://bra silianafotografica.bn.gov.br/?p=11149>.)
[26] Maria Cristina Cortez Wissenbach, Práticas religiosas, errâncias e vida cotidiana no Brasil (Finais do século XIX e inícios do XX).
[27] Nei Lopes, Dicionário escolar afro-brasileiro, 153. Maria Cristina Wissenbach, “Da escravidão à liberdade: Dimensões de uma privacidade possível”, em Nicolau Sevcenko (Org.), História da vida privada no Brasil 3: Da Belle Époque à Era do Rádio.
[28]Vincenzo Pastore (Itália, 1865 – São Paulo, 1918) fotografava tipos e costumes do cotidiano da cidade, como trabalhadores de rua (feirantes, engraxates, vassoureiros e jornaleiros), mulheres conversando e brincadeiras de crianças. Utilizava uma câmera de pequeno formato, o que ajudava na captura de imagens. Também fotografou eventos e prédios da capital, e realizou montagens com desenhos e retratos de exposições. (Fonte: <https:// brasilianafotografica.bn.gov.br/?p=1379>).
[29] Benedict Anderson, Comunidades imaginadas: Reflexões sobre a origem e a difusão do nacionalismo.
[30] Escrevi junto com Carlos Lima Junior e Lúcia K. Stumpf um livro sobre esse tema. Vide O sequestro da Independência: Uma história da construção do mito do Sete de Setembro.
[31] Tadeu Chiarelli, “O novo e o sobrevivente: O caso Raphael Galvez”.
[32] Vide, nesse sentido, Sergio Miceli, Nacional estrangeiro.
[33] Para ótimo levantamento dos artistas franceses atuantes nesse contexto, vide Elaine Dias, Artistas franceses no Rio de Janeiro (1840-1884).
[34] No livro O sol do Brasil, tive oportunidade de analisar com mais vagar a situação particular de Debret, quando de sua vinda ao Brasil, bem como sua biografia.
[35] Vide Anderson Ricardo Trevisan, A redescoberta de Debret no Brasil modernista.
[36] Sobre o tema, vide Elaine Dias, “A representação da realeza no Brasil: Uma análise dos retratos de João vi e d. Pedro I, de Jean-Baptiste Debret”.
[37] Devido à violência retratada nessas pranchas, preferi não as reproduzir. Mas elas podem ser facilmente identificadas no livro de Jean-Baptiste Debret, Viagem pitoresca e histórica ao Brasil (1834). Voltaremos ao tema mais à frente neste livro.
[38] Djamila Ribeiro, Lugar de fala.
[39] Alberto da Costa e Vide prefácio escrito pelo autor para Dicionário da escravidão e da liberdade.
[40] Cida Bento, O pacto da branquitude.
[41] Vide Maria Helena T. Machado e Celso Thomas Castilho (Orgs.), Tornando-se livre: Agentes históricos e lutas sociais no processo de abolição.
[42] Joaquim Nabuco, O abolicionismo (1883), 97, 193. Para um ótimo balanço da obra e biografia deste autor, vide Angela Alonso, Joaquim Nabuco.
[43] Joaquim Nabuco, “Massangana”, em Minha formação.
[44] Georges Didi-Huberman, “Quando as imagens tocam o real”.
[45] Texto retirado do site do artista: <https://tiago com/2019/03/19/refino#5>.
[46] Sueli Carneiro, “Alianças possíveis e impossíveis entre brancos e negros para equidade racial”, em Ibirapitanga e Lia Vainer Schucman (Orgs.), Branquitude: Diálogos sobre racismo e antirracismo, 64. O artigo de Oscar Vilhena Vieira, “Perverso pacto racial”, saiu na Folha de S.Paulo em 14 ago. 2020.
[47] Ibid., p. 65.
[48] O assunto será tema do próximo capítulo. Para o debate, vide Maria Aparecida da Silva Bento, “Branqueamento e branquitude no Brasil” e O pacto da branquitude. Edith Piza, “Branco no Brasil? Ninguém sabe, ninguém viu”. Lourenço Cardoso, O branco ante a rebeldia do desejo: Um estudo sobre a branquitude no Brasil.
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