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    O quadro montado para o vídeo das redes da candidata do PSB, que agora está pendurado ao lado do cafezinho da casa-estúdio da campanha no Alto da Lapa Imagem: Daniel Bergamasco

vultos do voto

A feitura de um viral eleitoral

Tabata, Homeland e couro vegano contra Pablo Marçal

Daniel Bergamasco, de São Paulo | 01 set 2024_08h02
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Em uma campanha política, profissionais com as mais diferentes expertises podem ser úteis, a depender das demandas locais. Nos Estados Unidos, a figura do demógrafo tem ganhado importância, para estudar detalhadamente o perfil dos eleitores de distritos mais decisivos no idiossincrático sistema do colégio eleitoral. Nas eleições municipais de São Paulo, a campanha da candidata Tabata Amaral, do PSB, acoplou recentemente uma psicanalista.

A profissional, que faz parte do conselho integrado da candidata, tem estudado os vídeos do oponente Pablo Marçal, do PRTB. Ela assiste, observa seus gestos, vê o que o deixa mais irritado. As anotações vão para o briefing dos debates. Quinta colocada nas pesquisas, a deputada federal decidiu mirar a artilharia contra ele, algo até então evitado pelos demais concorrentes. 

De perfil kamikaze, o ex-coach (que conta já ter ido a um velório tentar ressuscitar dois mortos, entre outras façanhas constrangedoras) atropelou os principais candidatos e tem se destacado nas pesquisas, embolado na liderança com Guilherme Boulos (Psol) e Ricardo Nunes (MDB) dentro das margens de erro. No debate promovido pelo jornal O Estado de S. Paulo com a Faap, simulou exorcizar Boulos com uma carteira de trabalho, e recebeu de volta um tapa no documento. No encontro seguinte, promovido pela revista Veja com a ESPM, Boulos, Nunes e José Luiz Datena (PSDB) cancelaram a participação, para evitar novas ciladas. Tabata se manteve no púlpito e foi para cima. Em um momento em que o comparou ao ex-governador João Doria, disse que “até a calça está mais apertadinha”.

A repercussão foi boa e ela viu ali a chance de ganhar algum protagonismo e ampliar sua base para além de mulheres da periferia, que concentram sua maior intenção de voto. “Apesar de ter essa voz e essa carinha, sempre fui uma pessoa muito firme”, disse à piauí.  

Pouco depois da meia-noite da sexta-feira, 23 de agosto, sua campanha soltou um vídeo que repetia a estética sombria das peças audiovisuais de Marçal. O horário meio inusitado foi intencional. “O Twitter é o fumódromo da internet. Então tem ali os notívagos que eu sabia que iam engajar de cara com essa história”, explica o marqueteiro Pedro Simões, citando a rede X de Elon Musk, que seria suspensa do Brasil dias depois. 

“Temos que usar o veneno da cobra para criar o antídoto”, diz a candidata. Ela se refere a um vídeo no qual Marçal coloca uma série de cartas na mesa, com os rostos dos outros candidatos. Sobre ela, Marçal diz que “não dá conta de cuidar” da cidade, por não ser casada e não ter filhos (em outra ocasião, já havia insinuado que era culpada pelo suicídio do pai).

No vídeo, a própria Tabata põe cartas na mesa, e nelas há os rostos de Marçal e de homens ligados a ele, suspeitos de envolvimento com o crime organizado. “Na escola clássica de marketing político, você nunca coloca o candidato num filme de ataque. Você esconde ele e coloca um sujeito com uma voz meio cavernosa”, diz Simões. A primeira carta mostrava o fisioculturista e influenciador Renato Cariani, réu sob acusação de tráfico de drogas, suspeito de abastecer o PCC. Foi uma isca, para que os fãs de Cariani – muito popular na internet, com 8,4 milhões de seguidores só no Instagram – registrassem seus xingamentos, fazendo o campo de comentários bombar e assim aumentando o engajamento do post em diferentes plataformas.

Em outro momento, é colocada a carta com o rosto de Tarcísio Escobar de Almeida (ex-presidente da executiva de São Paulo do PRTB), marcada apenas com o nome Escobar. Ele é acusado de participar de um esquema de troca de carros de luxo por cocaína. Aparece ao lado de Pablo Marçal, de um jeito que ficam lado a lado os nomes “Pablo” e “Escobar”, em alusão ao traficante colombiano. Um print da cena também se espalhou pelas redes. 

Por ideia do diretor de arte, Tiago Peregrino, as cartas formavam um M, selado por uma carta com apenas uma foto de Marçal, tirada de uma das várias vezes em que fechou a narina direita com o dedo indicador para fazer uma insinuação infundada de que Boulos consome cocaína. 

O segundo vídeo  carrega ainda mais na estética de programa de true crime: um mural de cortiça cheio de recortes de jornal e fotos, com denúncias contra Marçal e nomes ligados a ele, e uma fita vermelha ligando os alfinetes até formar novamente uma grande letra M. Peregrino conta que se inspirou em cenas da série Homeland. A figura de Tabata faz as vezes de Carrie Mathison, personagem de Claire Danes obcecada por encontrar terroristas e impedir os próximos atentados. Por isso, usaram a jaqueta de couro, semelhante à da personagem (como em rede social tudo é assunto, a campanha teve que explicar que a jaqueta é de couro vegano). Na hora da gravação, Tabata ajeitou uma correntinha com um pingente de uma pomba que representa o Espírito Santo para que ela ficasse centralizada na imagem. 

No final, as palavras Pablo Coach Criminoso eram colocadas uma acima da outra, formando a sigla PCC, da facção criminosa paulista. Mais importante, a candidata condensou nos dois vídeos as denúncias e suspeitas de ligação entre o candidato e o crime (negadas por ele). “Um especialista em PCC postou que Tabata deve ter informações privilegiadas da polícia”, diz Simões. Mas era “tudo notícia de jornal”, explica o marqueteiro. Ao reunir informações que acabam dispersas no grande volume de informações do noticiário e das redes sociais, o vídeo ganhou ares de trabalho investigativo. 


O segundo vídeo foi feito às pressas no domingo passado, no embalo do êxito do primeiro. “A reunião sobre ele terminou ao meio dia. Às 15h, o roteiro estava pronto. Às 16h30, estávamos gravando.” À noite, Tabata foi à igreja Nossa Senhora Achiropita rezar ao lado do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), seu apoiador de maior patente. Mais tarde, na madrugada de segunda (26), já estava no ar.

À parte a campanha de Pablo Marçal, que tem de longe as melhores métricas no Instagram, esse segundo vídeo de Tabata se tornou o mais visto das campanhas eleitorais paulistanas no Instagram até agora no mês de agosto, com 4,2 milhões de visualizações (o primeiro teve 2,5 milhões). O vídeo de Nunes com mais visualizações alcançou 1 milhão. O de Boulos, 2,5 milhões.  Datena chegou mais perto, com 3,6 milhões. 

Marçal teve seus perfis oficiais suspensos por uma decisão liminar da Justiça Eleitoral, que viu abuso de poder econômico com indícios de que o candidato remunera perfis que conseguirem o maior número de visualizações com cortes de seus vídeos. Ele pode criar contas reserva, que estão crescendo rapidamente. A denúncia partiu do PSB, o partido de Tabata.

No TikTok, a diferença alcançada pela candidata foi muito maior. Esse vídeo ao estilo Homeland chegou a 4,8 milhões de visualizações. Ao longo de agosto, mês em que se iniciou oficialmente a campanha, o maior vídeo de Boulos teve 1 milhão, o de Datena 769 mil, o de Nunes 50 mil e o do segundo perfil de Marçal (que está autorizado a funcionar), 1,2 milhão.

Esses dois vídeos da candidata tiveram uma trajetória para além de seus perfis oficiais: acabaram destacados por nomes fortes nas redes, como Felipe Neto e foram notícia em veículos como O Globo, Valor Econômico e o portal UOL. Na seção “Três poderes” da tradicional coluna Painel, da Folha de S.Paulo, a “vencedora da semana” foi “Tabata Amaral (PSB), que conseguiu chamar a atenção com críticas duras a Pablo Marçal e provocou outros candidatos a fazerem o mesmo”. O próprio Marçal disse em um vídeo que não responderia aos ataques de alguém “que tem 4%” de intenção de votos. “A economia da atenção, os nove [concorrentes] juntos não estão sabendo jogar.”

Segundo a plataforma Google Trends, o nome de Tabata chegou a ser mais buscado que o de Boulos, algo inédito nas últimas semanas, à frente de todos os outros oponentes – exceto Marçal, que tem se mantido o campeão isolado de buscas.


Na campanha do primeiro turno, Marçal não tem direito a tempo na propaganda gratuita na TV, assim como outros cinco candidatos de partidos com baixo desempenho nas eleições legislativas federais de 2022. Ele conta, portanto, com a força nas redes sociais que cultiva desde os tempos de coach e influenciador para fazer a diferença. 

No Instagram, a rede social de maior audiência no Brasil, Marçal tinha 13 milhões de seguidores quando a conta foi suspensa. No perfil alternativo que foi autorizado a criar, chegou em poucos dias a 3,8 milhões, bem mais que os oficiais de Boulos (2,3 milhões), Tabata (1,5 milhão), Nunes (978 mil) e Datena (962 mil). 

Para Tabata, a despeito da repercussão, os resultados do viral ainda não apareceram. Na única pesquisa divulgada desde o êxito dos vídeos, a da Quaest, ela está com 8% das intenções de voto, atrás de Boulos (22%), Nunes (19%) e Marçal (19%), num triplo empate técnico dentro da margem de erro de 3 pontos percentuais, e tecnicamente empatada com Datena, com 12%. O levantamento encomendado pela TV Globo ouviu 1.200 pessoas entre domingo e terça-feira da última semana.

Para quem tem 30 segundos de tempo de tevê (ante 6 minutos e meio de Nunes), as plataformas digitais são a alternativa obrigatória. Na semana passada, Tabata lançou um bot no WhatsApp que conversa com eleitores. O foco em internet rendeu toda sorte de interação nas duas vezes em que se elegeu deputada federal. Há dois anos, seu time detectou que estava competindo com Marina Silva, da Rede, por um público bem semelhante, e que para não desidratar nesse embate precisava reforçar seu nome para falar de meio ambiente, especialidade da colega. Foi então ao podcast Inteligência Ltda debater com Ricardo Salles (Novo), ex-ministro de Bolsonaro e pesadelo dos ambientalistas, com visões muito diferentes das suas. Cortes com cenas do podcast foram um sucesso – para ela e para ele.

Na terça-feira, 27, a produção da campanha montou um “gabinete da periferia” em cima de uma laje na Vila Missionária, seu bairro de nascimento na Zona Sul, com mesa de madeira, bandeiras do Brasil, do estado e da cidade. “Ela chegou lá e falou que ‘de jeito nenhum’ vai sentar na cadeira, que dá azar”, contou Simões à piauí. Em 1985, Fernando Henrique Cardoso aceitou ser fotografado na cadeira de prefeito de São Paulo e acabou derrotado por Jânio Quadros. A cena da laje foi então desmontada na hora, e ela gravou sem a cenografia.

A advogada Maís Moreno preside os dois conselhos da campanha de Tabata, que tem nomes como o economista Armínio Fraga, o ex-ministro Celso Lafer, o fundador da Natura Guilherme Leal, o reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, José Vicente, e ao menos dois nomes fortes da comunicação: o apresentador Luciano Huck e o diretor Konrad Cunha Dantas, o Kondzilla, dono do canal brasileiro com mais inscritos no YouTube (67,3 milhões). 

Kondzilla, contam pessoas ligadas à campanha, a aconselhou a não “glamourizar a pobreza” e a tratar de temas como economia com a periferia. De Huck, veio a sugestão de gravar vídeos visitando eleitores, no melhor estilo Caldeirão ou Domingão. “Mas não deu tanto resultado”, diz Simões. 

O marqueteiro explica a razão, citando uma dificuldade para as campanhas políticas: vídeos de proposta têm tido baixíssimo engajamento, ainda mais em uma eleição municipal, em que falam sobre problemas locais. Os algoritmos das redes sociais têm por lógica outros tipos de segmentação (muito mais temática que geográfica) e ganham mais força quando trazem personagens e assuntos nacionais (no geral, todos os competidores ganharam grande alcance com posts sobre as Olimpíadas). Marçal, que virou meme com suas histórias (como ter aprendido a nadar em um dia e dado aulas de natação no seguinte) e ganhou adeptos com seus conselhos de vida, é por si só um assunto nacional. 

“A gente tem um vídeo que eu considero bom, em que a Tabata está conversando com um mecânico que teve um problema com a Cracolândia – que começou a se espalhar para a frente da oficina dele – e começou a perder clientes. Tem um minuto, uma edição bacana, é rápido. Mas teve apenas umas 30 mil visualizações”, lamenta Simões.

Egresso do curso de jornalismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que não chegou a concluir, o carioca Pedro Simões, de 37 anos, trabalhou na TV Globo (foi repórter do site do Fantástico). Participou da eleição e do governo de Eduardo Paes no Rio de Janeiro, com mídias sociais, e atuou fora do Brasil em campanhas legislativas da Venezuela e na vitória de Pedro Pablo Kuczynski, o PPK, como presidente do Peru, em 2016.

Quando recebeu a piauí na casa do Alto da Lapa que abriga nos fundos o estúdio da campanha, em uma manhã fria, vestia uma malha escura por cima da camisa e um blazer azul, numa estética mais para Ricardo Nunes, e tinha a fala no ritmo de um áudio acelerado na velocidade 2, que voltava ao normal quando o gravador era desligado. Fato raro para profissionais do ramo, usa pouco a primeira pessoa.

Simões substituiu o primeiro marqueteiro, o argentino Pablo Nobel, que ajudou a eleger  Tarcísio de Freitas (Republicanos) governador de São Paulo e atuou no segundo turno de Javier Milei, presidente da Argentina. Antes, já havia trabalhado com Aécio Neves, Geraldo Alckmin e alguns petistas como Aloizio Mercadante, e chegou a se acertar como marqueteiro de Sergio Moro quando o ex-juiz decidiu ser candidato à presidência. O rompimento com Tabata envolveu questões de dinheiro e desentendimento sobre sua autonomia.

Cila Schulman, CEO do instituto de pesquisa Ideia – que atuou na última campanha de Tabata a deputada federal, mas neste ano não se engajou em nenhuma candidatura –, diz que a visibilidade da estratégia da deputada tem valor para além dessa eleição. “A campanha vai ser super importante para a Tabata, fundamental para o futuro dela. Mesmo que ela perca, já está ganhando.”

Para Schulman, a corrida em São Paulo tem se mostrado muito diferente da que se vê no restante do país – uma “anomalia”. “Essa não é uma eleição de outsider em nenhum lugar do Brasil. E São Paulo não está numa situação dramática que precisasse de um outsider: não é o Brasil em 2018, depois de uma Lava Jato e do impeachment.”

As fragilidades dos dois principais candidatos, diz, abriu caminho para a disparada de Marçal. “No pelotão da frente você tem, de um lado, um prefeito [Nunes] que é desconhecido, porque não foi eleito majoritariamente e não tem gosto pela comunicação. Do outro, um candidato altamente rejeitado, que é o Boulos.” A pouco mais de um mês para o primeiro turno, em 6 de outubro, é para ela um dos pleitos mais imprevisíveis do país: “O cenário ainda não está colocado.”

O próximo debate da contenda paulistana, promovido pela TV Gazeta e pelo canal MyNews do YouTube, acontece neste domingo, às 18h. Dessa vez, além de Marçal e Tabata, Nunes, Boulos e Datena também estarão presentes.

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