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    Anderson, manifestante vindo de Goiânia, saudou Bolsonaro, Trump e Musk e criticou os comunistas em um único cartaz Pedro Tavares

vultos do voto

Um bingo do bolsonarismo no Sete de Setembro

As pedras cantadas (e a pedra escondida) no ato mais concorrido da direita na temporada eleitoral 

Daniel Bergamasco e Pedro Tavares, de São Paulo | 07 set 2024_21h30
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Acompanhar a atualização dos trending topics das manifestações “patriotas” nos últimos tempos não tem sido uma tarefa para pessoas preguiçosas. No ato convocado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro na Avenida Paulista, neste Dia da Independência, um desavisado se surpreenderia com uma militante gritando ao megafone de cima de um trio elétrico: “Afasta de mim esse cálice!”. Mais à frente, um cartaz pedia “Abaixo a ditadura” em letras de forma. Outros traziam clássicos da esquerda como “Não adianta nos enterrar. Nós somos sementes”. O deputado Eduardo Bolsonaro destacou “o tradicional jornal Folha de S.Paulo” ao citar as reportagens que mostram vazamento de mensagens do ministro Alexandre de Moraes, do STF – e logo o senador Magno Malta se disse “solidário” ao mesmo jornal, devido ao veto de Moraes a uma entrevista. Isso tudo entre faixas e gritos que clamavam pela “democracia”, na defesa de anistia para pessoas presas em Brasília justamente sob acusação de tentar promover um golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023.

Os sujeitos já pareciam irremediavelmente indissociados dos predicados quando a imagem de um manifestante ajudou enfim a situar o tempo e o espaço no Sete de Setembro bolsonarista: era um homem de uns 40 anos vestindo uma camiseta preta na qual se lia, com a primeira palavra em itálico: “Todes é meu ovo”.

Era então possível olhar para o lado e seguir com um “bingo” para verificar quais pedras bolsonaristas estavam lá presentes, e aquelas que ficaram na gaveta.

Enquanto alguns verbetes já caíram do repertório (as citações a militares se dissiparam desde o ano passado, depois da decepção de entusiastas pelas Forças Armadas não terem levado o golpe adiante), novos protagonistas e assuntos cresceram no código:

O impeachment de Alexandre de Moraes. Bingo! As orelhas do ministro ferveram mais que as de Lula na Paulista, em citações sempre acompanhadas de vaias. Era tema de cartazes, camisetas (50 reais, em várias estampas desabonadoras variáveis) e da fantasia de um um cidadão que andava com uma careca de silicone encaixada no crânio, com camisa preta na qual se lia “impeachment”. Bolsonaro disse que era preciso colocar “um freio” em Moraes e que ele é pior que Lula. O filho Eduardo chamou o ministro de “psicopata” e puxou o coro “Fora, Xandão!”.

Elon Musk. Bingo! Pedra cantadíssima no ato, o bilionário dono do X (ex-Twitter), suspenso no Brasil por Moraes depois do não cumprimento de decisões judiciais, apareceu como um Gandhi alternativo. Havia ambulantes com camiseta em sua homenagem, algumas numa troça com “faz o L” – mas é “faz o ELon Musk. Em um tecido vendido por 50 reais, aparece ao lado da logo do X e da bandeira do Brasil com a frase “Somos pela liberdade. Brasil livre e democrático”.

“Globolixo”. Bingo, mas com viés de baixa. O epíteto foi visto pontualmente, com pouca frequência. As críticas a veículos de comunicação não pareciam tão presentes dessa vez.

Israel. Bingo! Símbolos do país e do judaísmo estavam por toda a parte, nas roupas e bandeiras de muitos dos participantes do ato.

Pixuleco. Bingo! Eis um elemento raiz da manifestação: o boneco do presidente Lula com roupa de presidiário, onipresente quase uma década atrás, foi inflado no ato. O carro de som ao seu lado tocava exaustivamente uma paródia do funk Baile de Favela criada pelo MC Reaça (morto em 2019) que chega neste nível: “Dou pra CUT pão com mortadela/ E pras feministas, ração na tigela/ As mina de direita são as top mais bela/ Enquanto as de esquerda têm mais pelo que cadela”. 

Trump. Bingo! Ainda que menos presente que Elon Musk, seu nome e seu rosto apareciam aqui e ali. Vestido de “Tio Sam”, um homem circulava pela multidão. “Um patriota!”, saudou um manifestante com a amarelinha da seleção brasileira com o nome de Neymar nas costas. 

Guilherme Boulos. Bingo! O candidato do Psol à prefeitura de São Paulo levou o bronze entre os antagonistas do ato, atrás de Moraes e de Lula. Em um carro de som, um manifestante evocou um ato da campanha do psolista em que o Hino Nacional foi executado em “linguagem neutra”: “Aqui a gente faz uso do pronome neutro. Mas em apenas um caso: Boules. Quem gosta do Boules?” E aí os manifestantes seguiram em coro: “Boules para Cuba! Boules para Cuba!”.

Pablo Marçal. Bingo! O candidato do PRTB foi prioridade para os camelôs. Em uma bandeira, aparecia pressionando uma narina com o indicador, como fez nas acusações infundadas sobre uso de cocaína por Boulos. Havia muitos jovens vendendo o boné azul com a letra M usado pelo ex-coach, mas boa parte deles eram apoiadores mobilizados, não ambulantes profissionais. Na dispersão, um dos vendedores sugeriu ao parceiro evocar o número de urna do candidato para o colega de barraca: “Faz por 28 reais. Vai vender que nem água.”

Marçal chegou de helicóptero, mas não subiu ao trio de Bolsonaro (afirmou que foi vetado, mas Silas Malafaia disse que ele chegou depois do horário possível). Subiu no capô de um carro e foi celebrado por entusiastas.

A presença de Marçal tornou bem mais barulhenta a pedra escondida nessa cartela: o atual prefeito Ricardo Nunes, do MDB, que tenta se manter na cadeira.

Durante as primeiras horas do ato, o prefeito parecia tão vivo quanto Olavo de Carvalho: zero adesivo, zero camiseta, zero citação, de forma espontânea ou plantada. Até que o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), seu apoiador, subiu ao palco, e logo começaram os gritos na aglomeração com seu nome, mas de forma negativa: “Fora Nunes! Fora Nunes!” Na sequência, vários grupos levantaram “Faz o M! Faz o M!”, formando as letras com os dedos das mãos”, celebrando Marçal. 

Nunes começou a campanha escondendo Jair Bolsonaro (que indicou um vice de seu partido, o PL, na composição da chapa) para evitar rejeição desnecessária num embate que tinha apenas Boulos em alta estatura no horizonte, em uma metrópole que deu preferência a Lula na última eleição presidencial.

Com a ascensão do ex-coach, Nunes passou a precisar do aliado, mas o jogo virou. O prefeito é visto como um nome que não empolga os fãs de Bolsonaro (que eram mais afeitos à opção por Ricardo Salles, do Novo). O ex-presidente se associou ao prefeito por acordo com o centrão, com o qual o ex-presidente conta para tentar se livrar da prisão pela intentona golpista.

Nunes subiu ao trio, mas ficou meio escondido, e não discursou – alegou depois que poderia ferir a lei eleitoral. É verdade. Mas não foi sequer citado no palco por Bolsonaro, por Tarcísio, por Malafaia, por Malta, por Nikolas Ferreira. 

Seu nome não está também nos planos daquele que pode ser aclamado como o vencedor deste bingo do bolsonarismo no Sete de Setembro da Avenida Paulista: um manifestante que se apresenta como Anderson, vindo de Goiás, e ficou perto de gabaritar o jogo. Em único um cartaz, destacado na imagem de abertura deste texto, ele risca o comunismo com um X e faz de uma vez uma ode a “Bols-Elon-Trump”/ “Trump-Onaro-Musk”.

Uma nova versão, que levará na mistura sílabas de Vladimir Putin, já está sendo planejada.

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