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    “Deixa eu passar, caralho”, gritou Rafael Saraiva (União-SP), antes de usar um pedaço de pau para atingir uma mulher em Itaquaquecetuba Foto: Reprodução/Instagram

vultos do voto

Gritos, lives e pauladas em nome dos animais

Para alguns deputados, vale qualquer coisa para resgatar pets maltratados – inclusive agredir seus donos, acusá-los sem provas e publicar tudo na internet

Marcos Candido, de São Paulo | 10 set 2024_09h48
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Eleito com os votos de 98 mil paulistas, o deputado estadual Rafael Saraiva (União-SP) legisla pelo bem-estar de todos os animais, mas os que mais mobilizam seus seguidores nas redes sociais são os pets. Ele dedica o mandato a resgatar cães e gatos vítimas de maus-tratos. Sai às ruas, sempre acompanhado de policiais, em operações filmadas que somam centenas de milhares de visualizações na internet. O deputado não hesita em adotar medidas agressivas. Em dezembro do ano passado, foi gravado ameaçando uma moradora de Itaquaquecetuba (SP) com um pedaço de pau. Ele diz ter recebido uma denúncia de que, na casa dela, havia pitbulls sofrendo maus-tratos crônicos. Segundo as mensagens, os cães viviam presos a correntes curtas, desnutridos e com sede.

“Deixa eu passar, caralho”, esbravejou Saraiva, acompanhado de uma veterinária e integrantes do Grupo de Operações Especiais da Polícia Civil. A mulher, consternada, armou-se com um cano de PVC, ameaçando impedir que qualquer um deles entrasse em sua casa um barraco modesto numa favela da cidade. O parlamentar deu então duas estocadas contra ela, usando o pedaço de madeira.

O vídeo, obtido pela piauí, foi gravado por uma de suas assessoras. Nas redes sociais, Saraiva omitiu o trecho em que agride a mulher, mas publicou outras gravações desse dia, uma das quais acumula 496 mil visualizações no Instagram e muitos comentários de apoio. Apesar do aparato policial (um dos agentes portava até um fuzil), o companheiro da mulher conseguiu fugir carregando um pitbull. Outros dois cachorros foram encontrados por Saraiva num matagal ali perto, aparentando desnutrição um deles sofria uma infestação de carrapatos, segundo o deputado. Na delegacia, a mulher negou que esses dois cães fossem seus. Diante das informações contraditórias, o delegado a liberou no mesmo dia (agora, os advogados dela pretendem processar Saraiva por danos morais e estudam levar o caso à ouvidoria da Assembleia Legislativa de São Paulo).

Frame do vídeo mostra um dos momentos em que Saraiva, de azul, agride uma mulher denunciada por maus-tratos (Imagem: Reprodução)

 

Passados alguns meses, um novo entrevero. Numa feira em que estavam sendo comercializados animais de raça, perto do Parque Villa-Lobos, na Zona Oeste de São Paulo, Saraiva fez escândalo contra os vendedores. Flagrou a venda de filhotes com menos de 50 dias de vida, o que é crime no estado desde julho, por força de uma lei sancionada pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos). Mileide da Silva, de 27 anos, tentou impedir que a polícia apreendesse um de seus cães, deflagrando uma confusão. No meio da briga, o deputado foi filmado aplicando um mata-leão nela, que caiu no asfalto e sofreu ferimentos leves.

“Minha boca estourou por causa do aparelho [dentário] e meu nariz ficou sangrando”, relata Silva. Ela registrou boletim de ocorrência contra o deputado por lesão corporal. Ele retrucou: registrou um B.O. contra ela, também por lesão corporal. “Em nenhum momento a agredi”, alega, apesar da gravação. O parlamentar argumenta que tentou apenas conter Silva para que ela não atacasse uma veterinária que o acompanhava. O episódio rendeu três vídeos para suas redes sociais, dos quais dois ultrapassaram a marca de 1 milhão de visualizações no Instagram. “SÃO PAULO TEM LEI”, diz a legenda de um deles.

Saraiva, de camisa preta, segura pelo pescoço Mileide da Silva, em frames do vídeo gravado em São Paulo (Imagem: Reprodução)

 

A causa do bem-estar animal, vasta em temas importantes, tem grande valor eleitoral no Brasil. Além de Saraiva, outros tantos parlamentares, de diferentes matizes ideológicos, foram eleitos em 2022 prometendo combater os maus-tratos a bichos. É o caso do delegado Bruno Lima (PP), de São Paulo, sexto deputado federal mais votado do país, com 461 mil votos. Também de Célio Studart (PSD-CE), terceiro mais votado para a Câmara dos Deputados no Ceará. As bandeiras desse grupo vão da proibição de fogos de artifício (que perturbam muitos animais com o barulho das explosões) ao fim das provas de hipismo.

Alguns desses políticos, no entanto, têm enveredado por ações espalhafatosas, por vezes violentas, que causam choque e viralizam nas redes sociais. Saraiva não é o único. Aprendeu o ofício com seu padrinho político, o deputado federal Felipe Becari (União-SP), que também faz escândalo em defesa dos animais. Os dois têm o hábito de postar fotos de ferimentos, tumores e bichos magérrimos, geralmente encontrados em bairros pobres. Não à toa, as publicações de ambos costumam ser acompanhadas de legendas que alertam para “cenas fortes”.

Policial civil, conhecido também nas redes sociais por ter sido noivo da atriz e ex-BBB Carla Diaz, Becari tem 1,7 milhão de seguidores no Instagram. Tirou licença da Câmara e exerce, hoje, o cargo de secretário de Esportes e Lazer da Prefeitura de São Paulo. Foi ele quem lançou Saraiva na política, contratando-o como coordenador de campanha e, mais tarde, como chefe de gabinete durante seu mandato de vereador. Os dois se elegeram numa dobradinha em 2022.

Em 2021, Becari, embora fosse vereador por São Paulo, fez uma batida surpresa em Santo André (SP). O objetivo era flagrar e prender um criador de coelhos que, segundo ele, maltratava os bichos. Becari fingiu estar interessado na compra dos animais e marcou um encontro na casa do homem – um ex-segurança de 35 anos chamado Marcos Pereira. Os vídeos da operação, transmitidos ao vivo pelo político, mostram uma casa visivelmente pobre, numa rua íngreme, rodeada de casebres e pequenas igrejas evangélicas. Em dado momento, o então vereador surpreende o ex-segurança. “Vamos lá: eu não sou o cara que você tá pensando”, diz. “Você acha que eu tô armado à toa? O que você tá fazendo é maus-tratos, você sabia disso?” Pereira responde: “Eu não sabia, não. Peguei mesmo porque era uma renda extra, estava desempregado.”

Becari repreende o homem e, mesmo sem mandado judicial, entra na casa. As veterinárias que o acompanhavam fotografaram as orelhas dos coelhos e a pele de um deles, e concluíram que a situação configurava maus-tratos. O vereador então quebrou as gaiolas, libertando os animais, que depois foram encaminhados para uma ONG de São Paulo. O ex-segurança foi conduzido até uma delegacia. 

A criação doméstica de coelhos, assim como a venda, o abate e o consumo, não são proibidos no Brasil. O animal, por isso, é comercializado em petshops – geralmente enjaulado, como na casa de Pereira – e sua carne é vendida em açougues. O que é ilegal é maltratar o animal, causando ferimentos ou transportando-o pelos Correios. A Lei de Crimes Ambientais prevê de três meses a um ano de prisão, além de multa, para quem agredir animal doméstico ou silvestre. Em 2020, o Congresso endureceu a regra ao aprovar a Lei Sansão, batizada em homenagem a um pitbull brutalmente agredido em Confins (MG). O texto aumentou a pena nos casos em que o animal agredido for um cão ou um gato. O infrator pode pegar de dois a cinco anos de cadeia, mais uma multa.

Pereira nega ter maltratado os coelhos, e os vídeos do então vereador não evidenciam sinais de violência. O ex-segurança diz que, num primeiro momento, criou os animais para consumo próprio, mas, precisando de dinheiro, resolveu vender alguns deles. Depois de cerca de três horas retido na delegacia, recebeu o veredito: não havia elementos que justificassem sua prisão. Foi liberado.

Seguiu-se um imbróglio jurídico. Pereira processou Becari, pedindo indenização por danos materiais devido às gaiolas que o então vereador destruiu e danos morais devido à exposição de sua imagem nas redes sociais. O ex-segurança alega que, embora o seu rosto não tenha sido focado, ele pôde ser identificado, já que nas gravações aparece com o uniforme da empresa para a qual trabalhava na época. Afirma que foi demitido semanas depois da visita de Becari, e que passou a ter má-fama entre os vizinhos por ter sido alvo de uma operação.

A sentença veio em novembro de 2022. A juíza Daniela Dejuste de Paula, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), afirmou que a defesa dos animais é uma causa nobre, “mas não pode ser desvirtuada” como “forma de autopromoção”. Escreveu ainda que, num país onde milhões de pessoas passam fome cronicamente, “esperar que todos aqueles que necessitam da criação de carne para consumo próprio sigam, à risca, procedimentos adequados para o bem-estar do animal criado para o abate desafia o bom senso”. Becari foi condenado a pagar uma indenização de 23,6 mil reais ao ex-segurança e a excluir os vídeos de suas redes sociais, sob pena de multa diária de mil reais. O deputado recorreu, e o processo aguarda julgamento em segunda instância. 

À piauí, Becari admitiu que a “única coisa que faria de diferente” seria não filmar o ex-segurança e alegou que, por se tratar de um possível flagrante, não era necessário mandado judicial para entrar na casa de Pereira. O deputado federal negou que as batidas policiais, transmitidas ao vivo, tenham o objetivo de viralizar na internet. “Essa é uma das milhares de visões que você pode ter sobre isso”, argumentou Becari. “Eu acredito que, quando você posta, você expõe uma realidade à qual as pessoas não têm acesso, e com isso você alerta e encoraja elas a denunciarem situações de maus-tratos. E você protege os animais.”

Pereira, por sua vez, disse à piauí que, depois do episódio, viveu à base de doações de amigos por um bom tempo e teve de pedir dinheiro emprestado para arcar com os honorários do advogado. Como a decisão da Justiça foi em primeira instância, ainda não recebeu a indenização. Sentiu-se deprimido, e só começou a melhorar de vida quando conseguiu um emprego como gesseiro numa empresa de Santo André. “Levei uns dois anos para começar de baixo, tudo de novo.”

 

Aos 30 anos, Rafael Saraiva é um dos mais jovens deputados da Assembleia Legislativa de São Paulo. Nas fotos de campanha, frequentemente aparecia carregando um cachorro e sorrindo para a câmera. “Nós lutamos pelos animais”, dizia um dos flyers, que também pedia voto para o colega Felipe Becari. Uma das propostas de Saraiva é baratear as rações, reduzindo a alíquota do ICMS que é aplicada sobre elas. Passariam a ter, com isso, uma taxação semelhante à do arroz e do feijão. No ano passado, a Alesp aprovou um projeto seu que proibia a venda de animais em pet shops. O governador vetou a proposta, mas sancionou uma mais amena, proibindo a exposição de cães e gatos em vitrines fechadas.

O que mais motiva Saraiva, no entanto, é o resgate de pets maltratados. Abusos contra animais devem ser denunciados à polícia ou, em se tratando de um animal silvestre, ao Ibama. Graças às redes sociais, porém, é cada vez mais comum que o primeiro destinatário de uma denúncia seja um influenciador digital. A equipe de Saraiva recebe fotos e vídeos aos montes, relatando abusos contra animais em diferentes cantos do estado. Foi assim no episódio de Itaquaquecetuba (SP), quando o deputado perdeu as estribeiras e agrediu a mulher denunciada.

Saraiva, que recebeu a piauí em seu gabinete na Alesp, diz não se arrepender da agressão. Alega ter ouvido, no calor do momento, que a mulher estava com uma faca – “uma possível peixeira”, segundo ele. “Não vi a faca, mas isso foi falado por pessoas que estavam ali”, explica o parlamentar. “Penso primeiro na minha vida.” O boletim de ocorrência daquele dia não menciona nenhuma faca.

O deputado diz que os vídeos e fotos chamativas não têm o objetivo de gerar likes. São, em vez disso, uma forma “pedagógica” de atrair atenção para a causa animal. “Acho que hoje o pilar do meu trabalho é a conscientização”, ele justifica. “Isso é muito importante para impedir novas infrações contra animais.”

Ao seu lado, nas operações, está sempre a veterinária Marina Passadore. Ela presta serviços para o Instituto Eu Luto Pelos Animais (Ielpa), uma ONG localizada em Cotia, município da Grande São Paulo. Passadore é responsável por examinar os animais resgatados por Saraiva e assinar laudos veterinários. Antes disso, trabalhou para o Instituto Luisa Mell, onde se envolveu em um caso polêmico. Foi acusada, em 2018, de emitir um atestado de óbito falso para uma cadela borzoi resgatada de um canil em São Sebastião (SP), onde, segundo o instituto, praticavam-se maus-tratos. O animal, de uma raça rara no Brasil, importada por até 30 mil reais, foi encontrado mais tarde com uma socialite no interior do estado, o que levantou suspeitas de que ele havia sido resgatado apenas para ser vendido. (Em 2021, o Instituto Luisa Mell alegou “erro material” no atestado assinado por Passadore. À piauí, a veterinária também disse ter cometido apenas um erro. Afirmou, além disso, que o animal não foi vendido, e que a casa da socialite era só um lar temporário. O Instituto Luísa Mell processou por danos morais a dona do canil de São Sebastião, que a havia acusado de roubo. Em junho deste ano, a Justiça deu ganho de causa ao instituto.)

O Ielpa chama-se, oficialmente, Aliança Internacional do Animal (Aila). Foi presidido por Ila Franco, conhecida militante da causa animal, e hoje é administrado por Mario Cesar Trunci de Marco, empresário que se candidatou a deputado estadual pelo PHS em 2018. A ONG se tornou um palco de atuação para os deputados estaduais da bancada de defesa dos animais, a ponto de ter operado, durante algum tempo, sob o nome fantasia Instituto Felipe Becari.

Hoje, Becari diz ter se afastado do antigo aliado e da ONG, mas Saraiva continua muito ligado a ela. Intitula-se embaixador da instituição, divulga seu trabalho nas redes sociais e, no ano passado, destinou a ela 705 mil reais em emendas parlamentares da Alesp. O dinheiro ainda será pago pelo governo estadual.

 

Além das agressões registradas em vídeo, Saraiva tem no currículo um episódio nebuloso. Em junho do ano passado, sua equipe recebeu por WhatsApp a denúncia de que, numa casa no Jardim Celeste, Zona Oeste de São Paulo, dois cães viviam em condições insalubres e eram agredidos por seu dono, Felipe dos Santos. O deputado acionou a Polícia Civil e entrou na casa. Encontrou Thor, um buldogue francês de 4 anos, e Pitucha, uma pinscher de 3, com algumas fezes ao lado. Thor estava preso a uma corrente curta. “ATÉ QUANDO?”, escreveu Saraiva no Instagram, e levou embora os cachorros não sem antes posar para fotos com os dois e avisar aos seguidores: “vídeo completo amanhã no feed às 17h”.

Santos, que trabalhava durante o dia como coordenador de vendas em uma unidade da Leroy Merlin, voltou para casa assim que soube da operação. Ao chegar, não encontrou Thor nem Pitucha, mas dois policiais civis. Recebeu voz de prisão em flagrante e foi conduzido até uma delegacia. Quando soube quem era o deputado que havia levado seus cachorros, ficou perplexo: ele conta que não apenas tinha votado em Saraiva na eleição de 2022 como acompanhava seus conteúdos na internet, compadecendo-se dos animais que ele resgatava.

“Mais um infrator preso”, comemorou Saraiva, nas redes. O deputado, assim que encontrou os cães, os rebatizou em homenagem a dois políticos do Movimento Brasil Livre (MBL), grupo de direita com o qual tem afinidade: Thor virou Guto Zacarias (deputado estadual do União Brasil) e Pitucha virou Renata (referência a Renato Battista, suplente de deputado estadual do mesmo partido).

Quem acionou Saraiva foi uma vizinha, que também foi à delegacia registrar boletim de ocorrência. No depoimento, ela relatou que havia “meses” era incomodada “com os latidos e choros dos cães do autor [Santos] dia e noite sem parar”, e que o vizinho, quando chegava do trabalho, tarde da noite, passava “a brigar com os cães e agredi-los”. Ela disse que também sentia cheiro de fezes vindo do local. Outra vizinha afirmou que, certo dia, depois das onze da noite, “as agressões [de Santos contra os dois cães] duraram cerca de uma hora”. 

Santos nega ter agredido os pets e alega que, por um lapso, deixou Thor preso à parede naquele dia. O buldogue, segundo ele, era acorrentado só por alguns instantes, diariamente, quando a ração de Pitucha era servida. Santos fazia isso para impedir que ele comesse a porção dela, e logo em seguida o liberava. Diz que, naquele dia, estava especialmente atribulado e por isso esqueceu de soltá-lo da corrente antes de sair para o trabalho.

A Justiça, no entanto, considerou graves os relatos das vizinhas e converteu sua prisão temporária em preventiva. O Ministério Público de São Paulo sugeriu a perda provisória da guarda de Thor e Pitucha. Os animais, então, foram encaminhados para o abrigo do Ielpa, o instituto apoiado e financiado por Saraiva.

No decorrer do processo, a juíza Maria Domitila Prado Manssur, do Tribunal de Justiça de São Paulo, convocou Santos, Saraiva e as vizinhas para novos depoimentos. O deputado alegou que os dois cães encontrados eram agredidos e não tinham acesso a comida ou água. Um laudo assinado por Marina Passadore, a veterinária que sempre o acompanha, corroborou a acusação, acrescentando que os dois animais estavam muito magros e vivendo em ambiente insalubre.

Acionado pela juíza, no entanto, o Grupo de Trabalho Pericial Permanente da Polícia Civil chegou a uma conclusão diferente. A perita responsável, especialista em apurar maus-tratos contra cães e gatos, concluiu que “não é possível caracterizar a natureza criminal oferecida” pela denúncia. A quantidade de fezes encontradas, segundo ela, não denotam “demasiado acúmulo para dois cães de porte médio em um prolongado período de tempo”. E não havia indícios de que Thor e Pitucha estavam desnutridos, diferentemente do que disse Passadore.

Em paralelo, os depoimentos mudaram de tom. As vizinhas, que antes relataram agressões, passaram a dizer que, na verdade, nunca testemunharam um episódio de violência contra os cães, nem viram ferimentos. Ouviam apenas latidos frequentes. Uma professora da vizinhança, que depôs a pedido de Santos, contou que sempre o via brincando com os animais, e que aquela quantidade de latidos era normal, considerando que o tutor passava o dia inteiro fora de casa. Os policiais disseram não lembrar se havia ou não ração e água para os cachorros.

Com base nas novas evidências, a juíza concluiu que, possivelmente, as vizinhas, incomodadas com os latidos frequentes, pesaram a mão contra Santos. “As testemunhas arroladas pela denúncia deixaram claro que se incomodavam com os latidos dos animais, o que pode ter sido a motivação da denúncia, mesmo porque não confirmaram os maus-tratos”, escreveu Mansur. Em janeiro, ela absolveu Santos e determinou que Thor e Pitucha fossem devolvidos a ele.

Alguns meses antes, em outubro, a juíza havia concedido a Santos o direito de responder ao processo em liberdade. Coincidentemente, no dia seguinte à decisão da juíza o Ielpa disponibilizou Thor e Pitucha, rebatizados como Guto Zacarias e Renata, para adoção. Trata-se de uma irregularidade, já que Santos não havia perdido a guarda dos cachorros ambos constavam como “fiel depositários” de Passadore, uma espécie de guarda provisória que vale durante o processo judicial. Questionado sobre isso, Saraiva confirmou que os animais foram levados a um evento de adoção, mas não soube dizer se por equívoco ou se a ideia era simplesmente adaptá-los a um novo ambiente. Num vídeo publicado no Instagram, no entanto, o deputado prometeu que os cachorros “teriam uma nova família”. Passadore não quis se pronunciar sobre o episódio.

Depois de ser solto, em janeiro, Santos foi até o Ielpa, acompanhado de um oficial de Justiça, para reaver Thor e Pitucha. Os cães o aguardavam presos em uma redoma. Santos tem uma imagem de Thor tatuada em um dos antebraços.

Ele conta que até hoje não se recuperou do trauma. Preso durante quatro meses no Centro de Detenção Provisória de Pinheiros, teve o cabelo raspado pelos policiais e perdeu peso. Viveu todo esse tempo com medo de ser agredido por outros detentos. Demitido da Leroy Merlin, precisou vender o carro para pagar as contas, e agora, com antecedentes criminais, tem tido dificuldade para achar emprego. Voltou a morar com a mãe no Jardim Ângela, na Zona Sul da cidade.

Hoje, Santos faz bicos como auxiliar de limpeza em uma escola. Recebe cerca de 100 reais por dia, mas nem sempre o serviço é requisitado. Ele conta que entrou em depressão. “Vivo sem alegria nenhuma”, afirmou à piauí. “Minha mãe já é de idade. Quando ela morrer, eu morro junto na semana seguinte.” Na última sexta-feira (6), Santos abriu um processo na Justiça contra Rafael Saraiva e o Ielpa. Pede 500 mil reais por danos morais e a remoção dos vídeos gravados em sua casa. A equipe do deputado afirma ainda não ter sido notificada do processo.

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