CRÉDITO: ANDRÉS SANDOVAL_2025
A outra da outra
Homônima de stylist de Preta Gil é esmigalhada na internet
Angélica Santa Cruz | Edição 228, Setembro 2025
Escrachadíssima, a peça A comédia dos erros, de William Shakespeare, conta a história de dois pares de gêmeos idênticos, ainda por cima homônimos, que, separados na infância, acabam reunidos anos depois na mesma cidade. A troca de identidade que se segue entre os irmãos chamados Antífolo e entre seus criados, ambos denominados Drômio, provoca confusões em série: esposas que recebem o marido errado, dívidas cobradas de quem não deve, bofetadas e, sobretudo, acusações absurdas. Stylist, influenciadora e empreendedora, a cearense Ingrid Lima foi parar em enredo semelhante na dose de coincidências. Só que na chave do drama.
Há dois anos, ela é confundida com a mulher que foi o pivô da separação da cantora Preta Gil e seu ex-marido, Rodrigo Godoy – que também se chama Ingrid Lima e, por supremo acaso, também é stylist.
Na semana em que a cantora morreu, em julho, a Ingrid Lima que não tem nada a ver com o episódio voltou a receber em suas redes sociais mensagens irascíveis. Duas delas: “Essa é a PT que era amante do ex-marido da Preta Gil?”; “mostra que gosta de homem dos outros”. Uma terceira, lacônica, escreveu: “Amante.” Às vezes, ela até consegue catequizar seus haters. Explica a sua situação, e eles passam a defendê-la nas caixas de comentários. Às vezes, nenhum esclarecimento ajuda.
Logo que a confusão começou, Ingrid Lima postou um vídeo avisando que nunca foi stylist de Preta Gil – e que nem sequer conhecia a cantora. No TikTok, vieram as reações, escritas na típica sintaxe desvairada das redes: “Vc não tem vergonha frequenta a casa de preta gil e fica com o marido dela”, “vítima roubando o marido dos outros da própria amiga que Deus tenha misericórdia de você você usou a confiança dela”, “vergonha na cara não tem!”, “vítima vagabunda ordinária, a família dela pode cancelar vc de abrir sua boca imunda verme lixooo”.
Por causa dessas manifestações, ela incorporou publicamente outro sobrenome de sua família: passou a assinar Ingrid Moreira Lima. De pouco adiantou.
Ingrid Moreira Lima nasceu em Fortaleza e se mudou para São Paulo há quinze anos. Formada em design de moda, cavou seu lugar ao sol nesse ambiente de alta competitividade. Abriu a empresa de assessoria de estilo IDsetters e, depois, lançou uma marca de moda praia sustentável chamada IDswimwear. Em paralelo, foi virando influenciadora. Publica nas redes sociais as típicas fotos hiperposadas do ramo, preferencialmente usando roupas de estilistas nordestinos. Por quatro temporadas consecutivas, foi convidada pela Fédération de la Haute Couture et de la Mode (FHCM) para acompanhar a Paris Fashion Week, um dos mais disputados eventos do calendário da moda global. Em uma dessas viagens, em 2015, posou para um ensaio no Palácio de Versalhes. Uma das fotos virou seu xodó e ilustra seu LinkedIn.
Em outubro de 2022, ela estava feliz da vida. Integrava a equipe de figurinistas do filme Rodeio rock e, depois de certa insistência, conseguiu emplacar uma jaqueta de lantejoulas pesadíssima, da grife Amapô, no look da atriz principal, Carla Diaz. A roupa ajudou a compor a estética cowgirl da protagonista e foi parar em uma nota no site da Vogue e no cartaz do filme. Radiante por ter escolhido a peça-chave, a stylist postou uma selfie com Carla Diaz, nos bastidores das filmagens. Apareceu um comentário que soou misterioso: “Que pena, jogou uma carreira linda fora por um ‘bofe’… Sororidade que se fala, né?” Quando leu a mensagem, a influenciadora estava ao lado do marido, o produtor de cinema Ivan Teixeira. Ambos acharam que devia ser engano.
Em abril de 2023, uma nota publicada na coluna de Leo Dias, então no site Metrópoles, projetou a boataria que já ganhava as redes sociais: de que Rodrigo Godoy mantinha um caso com a outra Ingrid Lima, stylist e amiga de Preta Gil. A notícia vinha com o bônus de um vídeo, feito por um anônimo, que mostrava o casal clandestino andando em um aeroporto. A internet entrou em polvorosa, e a própria Preta Gil falou abertamente sobre a violência de ter sido traída enquanto travava uma batalha contra o câncer.
Todo mundo se indignou. Inclusive a mineira Luciana dos Santos Duarte, uma estudiosa da moda sustentável radicada na Holanda que mantinha um site chamado Ethical Fashion Brazil, hoje extinto. Seguindo o furor das redes, ela postou, também em abril de 2023, uma crítica com o título: “Stylist Ingrid Lima trai a cliente Preta Gil e ainda trai a moda sustentável.” Citando a nota de Leo Dias, o texto espinafrava a Ingrid errada. Mostrava uma foto de Moreira Lima usando um maiô rosa – feita para divulgar sua marca –, publicava o endereço de seu LinkedIn, deduzia que sua pegada sustentável era pura enganação e criticava empresas que tinham parceria com ela.
Ingrid Moreira Lima recebeu links do post – um deles enviado por uma ex-sócia, avisando que, por causa dele, uma reunião com uma empresa que fecharia uma parceria fora cancelada. Procurada pela piauí, Duarte não quis dar entrevista, mas lamentou, por WhatsApp, ter publicado o texto e disse que tirou do ar assim que foi avisada do engano. Como a internet jamais esquece, ainda é possível encontrá-lo em repositórios como o Internet Archive.
Em setembro de 2023, o site R7 noticiou que a Ingrid Lima que de fato fora amiga de Preta Gil estava processando jornalistas que falaram de seu caso com Godoy. Mas usou uma foto de Ingrid Moreira Lima, justo aquela feita em Versalhes, que ela adora.
A pancadaria nas redes sociais recomeçou. O dono de uma fábrica de máquinas de costura que fecharia parceria com a grife dela mandou uma mensagem: “Fiquei um pouco em dúvida com alguns comentários que vi em suas redes sociais ligando o seu perfil a uma questão envolvendo a Preta Gil. Antes de qualquer acordo preciso entender melhor essa questão.” Esse contrato também flopou. “As pessoas me diziam que sabiam que não era eu, mas que, mesmo assim, suas marcas não podiam correr o risco de ser associadas ao episódio”, lembra ela.
Avisada do equívoco, a redação do R7 tirou a notícia do ar. Mas outros sites já haviam republicado a notícia com a foto errada, em uma disseminação que também deixa rastros até hoje na web. A influenciadora abriu um processo contra a Record, empresa dona do site, pedindo indenização por danos morais e direito de resposta. A defesa da emissora, feita pelo escritório Benício Advogados, afirma que não há provas de dano moral e, por isso, não cabe indenização ou retratação. Nos autos, os advogados usam um argumento de fundir a cuca: “Por ser influencer digital, a autora [do processo] tem o direito à imagem relativizado, uma vez que se vale da sua condição de pessoa pública e de ‘celebridade’ para promover a sua própria imagem.”
Tanta barafunda até lembra de novo A comédia dos erros. A certa altura, os personagens ficam confusos com a própria identidade. “Fui transformado, mestre? Eu não sou eu?”, pergunta o servo Drômio de Siracusa. “Foste, sim: eu também já não sou eu”, responde, meio zoró, Antífolo de Siracusa, o patrão.
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