O nome de André Marques na lateral do bonde: sua última viagem durou menos de 50 segundos CRÉDITO: CÂMARA MUNICIPAL DE LISBOA_2025
A morte de um guarda-freio em Lisboa
Funcionário que trabalhava no bondinho da Glória tentou impedir o acidente do dia 3 de setembro
André Jorge Gonçalves Marques vivia em Lisboa, uma das cidades-símbolo do Portugal moderno, mas acabou vítima do Portugal antigo. Ele trabalhava como guarda-freio no ascensor da Glória, bondinho inaugurado em 1885 e que, desde então, funciona praticamente do mesmo jeito.
Marques tinha a incumbência de recolher os bilhetes dos 42 passageiros, colocar o veículo em movimento e acionar os mecanismos de emergência se necessário. Por cruzar a ladeira de 275 metros que une a Avenida da Liberdade ao Miradouro de São Pedro de Alcântara, duas concorridas atrações da capital portuguesa, o ascensor costuma atrair muitos turistas.
Na quarta-feira, dia 3 de setembro, o cabo que o sustentava se rompeu. Em consequência, o bondinho de 14 toneladas despencou ladeira abaixo, descarrilou e bateu num edifício. Dezesseis pessoas de oito nacionalidades morreram, inclusive o guarda-freio de 45 anos, que exercia a função havia quinze. Sua última viagem durou menos de 50 segundos.
Marques trocou a pequena Sarnadas de São Simão por Lisboa no começo do século XXI, informa o repórter João Gabriel de Lima na edição deste mês da piauí. O povoado em que o guarda-freio nasceu reúne meros 167 habitantes e fica na região da Beira Baixa, onde sobra beleza natural – praias fluviais, trilhas, miradouros e cachoeiras –, mas faltam empregos. Alguns vilarejos da área chegam a ter menos de vinte pessoas, quase sempre idosos, que produzem azeite em lagares artesanais e pão com chouriço em fornos comunitários.
Segundo uma nota preliminar do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e de Acidentes Ferroviários (GPIAAF), Marques fez tudo certo antes de morrer. Acionou os freios manual e pneumático tão logo percebeu que o bondinho havia desgovernado, depois da ruptura do cabo. A iniciativa, porém, se revelou inócua. “Conseguimos apurar que a Carris [empresa responsável pelo veículo] quis fazer inovações no ascensor, mas os órgãos que cuidam do patrimônio histórico não deixaram”, diz Francisco Oliveira, diretor do Sindicato dos Trabalhadores dos Transportes. De acordo com o engenheiro Fernando Nunes da Silva, professor aposentado e pesquisador do Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa, o bondinho era de madeira por razões estéticas. “As cabines deveriam ser de material mais resistente, como os aviões, para não se desfazerem com os choques”, argumenta.
O relatório definitivo da GPIAAF sobre as causas do acidente só deve sair em 2026. Carlos Moedas, presidente da Câmara Municipal de Lisboa – cargo similar ao de prefeito – ordenou que o ascensor da Glória e outros dois semelhantes (o do Lavra e o da Bica) interrompessem suas atividades por tempo indeterminado para uma reavaliação. Uma força-tarefa com especialistas de várias universidades está se debruçando sobre o assunto. No dia 18 de setembro, a Carris passou a exibir o nome de André Marques na carroceria de um bonde que circula por áreas mais planas da capital.
Assinantes da revista podem ler a íntegra da reportagem neste link.
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