O centroavante a máquina de 1,35 milhão de reais: 320 quilômetros por hora e IPVA atrasado em 41 mil FOTO: FERNANDO MAIA_AGÊNCIA O GLOBO
Pô, peixe, tu acabou com o meu carango
Na véspera da aposentadoria de Romário, a Ferrari do jogador é aposentada
Roberto Kaz | Edição 20, Maio 2008
No domingo, 13 de abril, o vigia Itamar Monteiro, 41 anos, acordou às seis da manhã. Vestiu-se, tomou café e percorreu de ônibus as quatro paradas que separam sua casa, no bairro de Charitas, em Niterói, do Iate Clube Icaraí, onde trabalha. Havia poucos carros na rua quando pegou no batente faltando quinze minutos para as sete. Pouco depois, Monteiro escutou um ronco grave de motor e um choro lancinante de pneus queimando o asfalto. Virou-se para a rua a tempo de ver uma Ferrari vermelha sair da pista, subir na calçada, rasgar a lateral esquerda numa parede, desviar de um poste, voltar à pista, dar um cavalo-de-pau e se arrastar por mais 50 metros, até parar na frente do ponto de ônibus. O motorista saiu intacto do carro, constatou o estrago, sentou-se sobre um gelo-baiano, amparou a cabeça nas mãos e se desesperou: “Ele vai me matar! Ele vai me matar!”
Em quarenta minutos, “ele” apareceu. Era Romário, que saía de uma festa e chegou ao local com quatro seguranças armados e um séquito de amigos e amigas. “Era tudo moça de elite, usando saia ou vestidinho acima do joelho”, contou Monteiro. Os seguranças se encarregaram de dispensar o serviço policial (não houve registro de ocorrência) e zelar para que nenhum fotógrafo trabalhasse em paz. “Ele falaram que quem tirasse foto tomaria porrada”, Monteiro lembrou. Romário se aproximou do amigo e, em tom amistoso, lhe disse: “Pô, Peixe, tu acabou com o meu carango.”
Os íntimos de Romário dizem que a sua característica mais marcante é a generosidade. Seu fisioterapeuta Zé Colméia, por exemplo, conta que visitou Espanha, Japão e Jamaica às expensas do jogador. O “Peixe” era um amigo recente, chamado Roberto Machado e apelidado de Beto. “Romário e Beto fizeram amizade na noite”, explicou Zé Colméia. A amizade era recente e, aparentemente, profunda, pois ele era um dos poucos que Romário deixava dirigir a sua Ferrari 430, de 2005. O carro, um dos seis do jogador, não tinha seguro e estava com o IPVA atrasado em 41 mil reais.
Naquela noite de sábado para domingo, Machado comemorava seu trigésimo ano de vida. Para celebrar a data, pedira, além do carro, um relógio (segundo Zé Colméia, um Patek Philippe), que o amigo dera de bom grado. Romário disse ao jornal Extra que Beto “queria fazer bonito, impressionar, mas não teve sorte”, e completou: “É um bom garoto.”
No universo automotor, há uma divisão entre donos de carros e donos de Ferrari. Uma BMW é um carro: no Brasil, a versão mais cara sai por 700 mil reais. Já a Ferrari de Romário, de 490 cavalos, que atinge 320 quilômetros por hora e vai de zero a 100 em quatro segundos, custa 1,35 milhão. De 1929, quando foi criada, até 1946, a Ferrari existiu apenas como uma equipe de corrida. Quando passou a comercializar carros, foi com o intuito de angariar fundos para a escuderia. Por isso, a produção até hoje é controlada. Dos candidatos a comprador, exige-se não apenas uma conta bancária portentosa, mas um histórico de bons antecedentes com outros modelos da marca. Romário, pelo jeito, entrou na lista negra. Além disso, a empresa sugere que os novos proprietários façam um curso de 5 mil dólares, ministrado por um piloto de Fórmula 1, na sede de Maranello, na Itália.
A exemplo de Romário, donos de Ferrari não fazem seguro por duas razões. A primeira: os carros passam a maior parte do tempo na garagem, circulando apenas nos fins de semana. A segunda: ladrão nenhum se atreve a roubar uma máquina vermelha que, em velocidade máxima, atravessa a avenida Paulista em um minuto cravado.
O deputado Paulo Salim Maluf, especialista em carros esportivos, relembrou sua única experiência à frente de uma Ferrari, emprestada por um embaixador: “O carro era ótimo, mas quando passei por uma lombada, a parte de trás levantou um pouco. Isso fez com que a rotação ficasse livre, sem a resistência do asfalto. Ou seja, o automóvel estava andando a 4 mil giros e, quando voltou a tocar o piso, estava a 7 mil, perdendo um pouco o controle. Mas acho que hoje elas são mais seguras. E eu não quero falar mal da Ferrari, que fica deselegante da minha parte.”
Na segunda-feira seguinte ao acidente, Romário aproveitou a atenção dos holofotes para oficializar a aposentadoria. Sua última partida com a camisa onze havia sido em novembro, pelo Vasco. Com 1 002 gols contabilizados em 22 anos de carreira, o centroavante foi o grande responsável pela vitória do Brasil na Copa de 1994, ano em que foi eleito o melhor jogador do mundo. Em busca de adversários que lhe facilitassem o milésimo gol, transferiu-se em 2006 para o Miami, time da segunda divisão americana, depois para o Tupi, time da terceira divisão brasileira – mas foi barrado pela CBF por ter atrasado a inscrição –, e depois ainda para o Adelaide United, time da primeira divisão australiana (porque lá há apenas primeira divisão). Em maio de 2007, de volta ao Vasco, finalmente celebrou o gol de número mil. Foi homenageado com uma estátua no Estádio de São Januário, sede do clube.
Aos 42 anos, pai de seis filhos com quatro mulheres, Romário, que aponta o futebol como sua atividade preferida, “depois do sexo”, se disse incapacitado de corresponder à velocidade dos outros jogadores: “Estou 4 quilos mais pesado. E hoje, infelizmente, o futebol deixou de ser técnico e partiu para o lado físico.”
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