A pele que habito CO
A pele que habito – o fim da Terra
Filmado em 2010 e lançado no ano passado, o tempo presente de A pele que habito, dirigido por Pedro Almodóvar, é situado no então futuro próximo – este ano de 2012. Incluindo também fatos ocorridos seis anos antes – em um passado recente, portanto –, o estranho caso do dr. Robert Ledgard, cirurgião plástico interpretado por Antonio Banderas, deixa de ser ficção científica situada em época remota para se tornar, na verdade, um filme de terror da atualidade.
Filmado em 2010 e lançado no ano passado, o tempo presente de , dirigido por Pedro Almodóvar, é situado no então futuro próximo – este ano de 2012. Incluindo também fatos ocorridos seis anos antes – em um passado recente, portanto –, o estranho caso do dr. Robert Ledgard, cirurgião plástico interpretado por Antonio Banderas, deixa de ser ficção científica situada em época remota para se tornar, na verdade, um filme de terror da atualidade.
Além de atual, o realismo dos ambientes luxuosos e da encenação acentuam o tom perturbador de . Em nenhum momento, há razão para duvidar do que ocorre, por mais espantoso que seja. O médico é o monstro, sem necessidade da poção imaginada por Robert Louis Stevenson, em O médico e o monstro, para que surja sua face sombria. Vendo o saber científico e médico a serviço do monstruoso dr. Robert Ledgard, o espectador não pode deixar de ficar inquieto.
Embora o roteiro de deixe de lado grande parte do pequeno romance no qual é inspirado – Mygale, de Thierry Jonquet, publicado na França em 1995 –, preserva justamente o que o título indica ser sua questão central, concentrando-se na transformação do jovem Vicente (Jan Cornet) em Vera (Elena Anaya). “Mygale” – tarântula ou caranguejeira, em português – é uma aranha que troca de pele durante seu crescimento. Além disso, embora de maneira simplificada, como no romance não adota narrativa cronológica. Obriga, assim, o espectador a um exercício permanente de reflexão, enquanto vê o filme, para decifrar o horror à medida que vai sendo desvendado.
Mygalle é o nome dado ao Dr Ledgard por sua vítima, Vincent Moreau. Diz o narrador do romance, dirigindo-se a Vincent: “Mygalle […] por que era exatamente como uma aranha, lento e sigiloso, cruel e feroz, obcecado mas impenetrável em seus desígnios, escondidos em algum lugar neste aposento onde ele o manteve prisioneiro por meses: esta teia de luxo, esta cela dourada onde ele era o guarda e você o prisioneiro.”
Depois do desaparecimento de Vicente, na verdade sequestrado pelo Dr Ledgard, terá sido casual a menção feita de passagem pelo personagem do delegado de polícia à pequena cidade de Finisterra? Foi no fim da Terra (Finisterra), nas pedras da encosta à beira mar, que a motorcicleta dele foi encontrada.
Quem conhece a região e tiver cruzado Finisterra, chegando ao cabo do mesmo nome, final do caminho de Santiago, terá entendido por que, antes de Colombo, foi considerado o ponto extremo do mundo – além do qual voltar era incerto. Diante da imensidão do Atlântico, é preciso mais que imaginação para conceber a existência de terras distantes.
Ter situado em Finisterra o lugar onde a moto de Vicente foi encontrada destruída prenuncia que ele não voltará, ou melhor, não voltará o mesmo, depois de ter sido usado como cobaia e transformado em Vera à base de estrogênio e cirurgia plástica.
Vítima da vingança cruel do Dr. Ledgard, Vera acaba também se vingando dele, aproveitando-se da piedade e afeição que o cirurgião plástico vem a ter por sua criatura.
Co-autor do roteiro e diretor de , Pedro Almodóvar ocupa lugar ímpar no cinema contemporâneo, equilibrando com destreza expressão autoral e atrativos comerciais. Sua originalidade está em não fazer filmes que apaziguem. O que provocam é inquietação.
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Lançado no Brasil em 80 salas, foi visto em 10 semanas por cerca de 420 mil espectadores, um bom resultado comercial, sem ser excepcional.
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