A separação CO
A separação – da eloquência à mudez
Diante de um juiz de paz do qual só se ouve a voz, o casal argumenta, sentado lado a lado, apresentando suas razões para pleitear o divórcio. Próximos fisicamente, a incompreensão recíproca mantém marido e mulher a uma distância intransponível. É assim o primeiro plano – longo e fixo – de A separação, escrito e dirigido por Asghar Farhadi.
Diante de um juiz de paz do qual só se ouve a voz, o casal argumenta, sentado lado a lado, apresentando suas razões para pleitear o divórcio. Próximos fisicamente, a incompreensão recíproca mantém marido e mulher a uma distância intransponível. É assim o primeiro plano – longo e fixo – de , escrito e dirigido por Asghar Farhadi.
Esse enquadramento frontal da cena de abertura remete a inúmeros planos de casais em crise, desde os de Cenas de um casamento (1973/4), de Ingmar Bergman, ao de Edifício Master (2002), de Eduardo Coutinho, mas difere dessa ilustre linhagem. Para concluir o filme, Asghar Farhadi altera a imagem inicial – no último plano, visto agora de perfil e separado por uma divisória de vidro, o casal emudecido aguarda a decisão crucial da filha. Reduzido ao silêncio, marido e mulher já não tem qualquer poder de influir por ter perdido o direito à palavra.
O que narra, do primeiro ao último plano, é justamente essa passagem da eloquência à mudez. A firmeza temperada de teimosia do casal do início desencadeia conflitos que vão se agravando pelo uso abusivo da palavra. Marido e mulher, além dos demais personagens, mais falam do que agem, sendo sempre persuasivos. Em contraponto, o pai portador de Alzheimer e a filha adolescente são vítimas silenciosas.
À medida que a narrativa avança, as opções feitas baseadas em argumentos sólidos, expostos e defendidos com convicção, levam, invariavelmente, a consequências cada vez mais desastrosas. O que a princípio parece objetivo e racional, mesmo sem ser necessariamente verdadeiro, são, de fato, escolhas pessoais determinadas por interesse próprio, nem sempre feitas com a melhor das intenções. Certezas se transformam em dúvidas e a grande vítima, ao final, é a filha adolescente, constrangida a fazer uma escolha impossível.
Encenado em tom realista, filmado com sobriedade visual, narrado com eficácia e simplicidade, trata seus personagens com dignidade, sem deixar por isso de expor a fragilidade de caráter que os condena a sofrer.
•
Há duas semanas, Luiz Paulo Horta escreveu no Globo (15/1/2012) sobre sua tentativa de “descobrir por que o cinema argentino vem dando de dez na produção nacional”. A questão é antiga, mas a hipótese de Horta é curiosa.
Uma razão possível, segundo ele, é “que aqueles às vezes irritantes portenhos estão em contato com […] ‘o sentimento trágico da vida’. Por aqui”, diz Horta, “o sentimento trágico não é tão comum. […] somos do batuque. E o fervor futebolístico também não resulta em tristeza. […] Assim o sentimento trágico vai sendo exorcizado. O país é muito grande: quando aperta por aqui, desaperta por ali. Daí o filósofo Pagodinho querer que a vida o vá levando, não se sabe para onde.[…]
Mas como aqui ninguém acredita em tragédia”, completa Horta, “vamos gastando perdulariamente as vantagens de um cenário que tende a mudar. Com as nossas carências de infraestrutura, não iremos longe na competição com a China. Mas isso não é para já. Então, por que não pedir mais um chope, e ouvir o sambinha que acabou de sair do forno?”
Pode-se discordar de Luiz Paulo Horta, mas não há como negar que a hipótese dele dá o que pensar. O batuque talvez seja explicação simplória, mas é preciso reconhecer que o cinema argentino contemporâneo, assim como o iraniano, é mesmo superior ao brasileiro.
Se “o sentimento trágico da vida” diferencia os filmes portenhos, no caso dos iranianos a dignidade dos personagens é uma das principais diferenças em relação à média dos filmes brasileiros.
•
parece ter potencial para uma carreira comercial longa. No fim de semana de estreia (20 a 22 de janeiro), em 14 cinemas, teve média de 996 espectadores por sala, um bom resultado considerando que As aventuras de Tintim teve média de 806 por sala no mesmo período.
Leia Mais
Assine nossa newsletter
Email inválido!
Toda sexta-feira enviaremos uma seleção de conteúdos em destaque na piauí