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questões cinematográficas

Tacita Dean – Film, Livia Serpa

Livia Serpa, co-editora de Santiago, dirigido por João Salles, ficou nos devendo uma visita à Tate Modern desde novembro, depois que Walter Lima Jr. mandou notícia publicada no The Guardian sobre a instalação de Tacita Dean, definida pela própria artista como “uma carta de amor a uma mídia em via de desaparecimento”. A desculpa de Livia, atualmente fazendo mestrado em Londres, pelo atraso foi ter estado tomada por sua dissertação.

| 06 fev 2012_15h05
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Livia Serpa, co-editora de , dirigido por João Salles, ficou nos devendo uma visita à Tate Modern desde novembro, depois que Walter Lima Jr. mandou notícia publicada no The Guardian sobre a instalação de Tacita Dean, definida pela própria artista como “uma carta de amor a uma mídia em via de desaparecimento”. A desculpa de Livia, atualmente fazendo mestrado em Londres, pelo atraso foi ter estado tomada por sua dissertação.

Tentando se redimir, ela finalmente foi à Tate Modern e mandou seu relato e suas fotos.[EE]

*

        

Era um sábado frio e cinza de janeiro, até aí nenhuma novidade no inverno londrino, quando fui à Tate Modern ver a video instalação da artista inglesa Tacita Dean. Confesso que até esse momento não sabia muito sobre a artista, muito menos o que esperar desse seu novo trabalho. Só sabia que a video instalação chamava-se “Film”, o que pra mim já era suficientemente curioso.

Ao chegar ao museu minha primeira surpresa foi notar a escuridão em que se encontrava a enorme entrada principal dessa histórica construção que já foi uma grande fábrica de produção de eletricidade. Havia uma sugestiva luz piscante vinda de trás de uma divisória de madeira mas o restante da sala estava às escuras. Na parede me deparei com um texto escrito pela própria Tacita Dean e uma frase logo me chamou atenção:

“Eu edito meus filmes em uma Steenbeck [marca de mesa de montagem], eu sempre trabalho sozinha, eu corto o negativo manualmente e depois o colo usando fita adesiva. São nesses dias ou semanas de trabalho solitário e concentrado que está o coração do meu processo criativo e o modo como eu moldo e faço filmes. Filme é o meu material de trabalho e eu preciso da matéria do filme assim como um pintor necessita da matéria da tinta.”

Essa frase foi uma boa indicação do que eu estava prestes a descobrir.

“Film” é um poema visual que tenta dar conta de parte do fascínio que a artista sente ao trabalhar com a película de cinema. A partir de um filme experimental em 35 mm no qual ela filma a sala da turbina da própria Tate, Tacita Dean tentou reviver a espontaneidade e o risco inerentes ao processo analógico de se produzir um filme. Ao mesmo tempo, cortou e colou os fotogramas respeitando os ritmos e a métrica que encontrou nas próprias imagens.

Algumas das técnicas utilizadas lembram os experimentos dos primeiros anos do cinema, quando trabalhar com o filme negativo ainda era uma aventura imprevisível e desafiadora. Em “Film”, Tacita Dean brinca com a dupla exposição da imagem, com recortes e colagens, pinta à mão o negativo e parece se divertir com as inúmeras possibilidades de manipulação de cor e criação de texturas. O resultado é um filme mudo de 11 minutos em loop, projetado continuamente sobre um enorme monolito de mais de 13 metros de altura. A peça tem as proporções de um fotograma de 35 mm com as famosas perfurações laterais típicas de um filme negativo. O tamanho do enorme fotograma impressiona e também diverte. Ao passarem em frente à fonte de luz, a sombra das pessoas é projetada na obra e assim interagem com as imagens. As crianças, em especial, pareciam incansáveis brincando com as várias formas que criavam sobre o enorme negativo. 

Mais tarde, ao pesquisar sobre a artista, descobri que Tacita Dean nasceu em Canterbury, na Inglaterra, mas mora e trabalha agora em Berlim, tem uma irmã chamada Antígona e um irmão Ptolomeu. Descobri também que Tacita Dean tem demonstrado sua preocupação com o fato de ser cada vez mais difícil encontrar e trabalhar com filme negativo. Com a tecnologia digital virando norma nas produções audiovisuais, muitos dos tradicionais laboratórios de revelação e processamento de filme tem fechado as portas. Numa entrevista à rede televisiva BBC, a artista comenta:

“Eu de repente me dei conta de que estamos prestes a perder esse maravilhoso meio que criamos há 125 anos atrás. A tecnologia digital também é um meio fantástico, tem um potencial imenso, mas eu amo o filme e não quero perder a minha habilidade de trabalhar com o negativo e está parecendo que isso provavelmente acontecerá.”

Mesmo depois de mais de um século de experimentos com película, as possibilidades desse meio parecem ainda não ter se esgotado. Há algo de misterioso, inesperado e arriscado na maneira como as imagens são captadas em filme que não encontra paralelo na imagem digital, e isso parece explicar em parte o fascínio que sentimos ao nos depararmos com essas imagens. A vídeo instalação de Tacita Dean parece um aviso para não esquecermos da simplicidade prazerosa do analógico, da adrenalina da revelação, da satisfação do cortar e colar, da alquimia das cores e principalmente do encantamento que sentimos ao nos depararmos com a mágica do fotograma parado ganhando a ilusão do movimento.

“Filme é o tempo concretizado: tempo como duração física – 24 fotogramas por segundo, 16 frames em um pé de película 35mm. São imagens fixas movimentadas ilusioramente pelo próprio movimento o que é eternamente mágico.” Tacita Dean

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