meia
½ Revolução – documentário político em questão
O título é incongruente – pode haver meia revolução? E o documentário em si, dirigido por Omar Shargawi e Karim El Hakim, revela uma suposição infundada – a crença de que manifestações de rua podem fazer uma revolução.
Produzido pelo Danish Film Institute, ½ Revolução foi exibido na recém-encerrada mostra competitiva internacional do Festival É Tudo Verdade. Narrado em forma de diário, acompanha um grupo de amigos durante 11 dias, do momento em que começam as manifestações de rua contra o regime repressor do presidente do Egito, Hosni Mubarak, à frente do governo há 30 anos, até os militares assumirem o poder.
O título é incongruente – pode haver revolução? E o documentário em si, dirigido por Omar Shargawi e Karim El Hakim, revela uma suposição infundada – a crença de que manifestações de rua podem fazer uma revolução.
Produzido pelo Danish Film Institute, ½ Revolução foi exibido na recém-encerrada mostra competitiva internacional do Festival É Tudo Verdade. Narrado em forma de diário, acompanha um grupo de amigos durante 11 dias, do momento em que começam as manifestações de rua contra o regime repressor do presidente do Egito, Hosni Mubarak, à frente do governo há 30 anos, até os militares assumirem o poder.
Na praça Tahrir, no Cairo, a partir de 25 de janeiro de 2011, uma multidão gritou por liberdade e foi duramente reprimida, primeiro pela Polícia, depois pelo Exército. A conhecida lição da história foi comprovada mais uma vez: o que prevalece é o poder armado, por mais generosa e justa que possa ser a causa dos manifestantes; ou, em outros termos, não se muda regime político com gritos; ou ainda, o único resultado do voluntarismo é a desilusão.
Vivendo no centro do Cairo há alguns anos, os amigos de nacionalidades variadas mas de antepassados árabes transparecem ingenuidade – segundo meu amigo Nilton, os árabes são mesmo ingênuos –, possuídos por um entusiasmo anacrônico. Parecem ter sido surpreendido pelos fatos, o que seria normal, embora, estranhamente, estivessem prontos para começar a gravar ao verem uma passeata da janela. Outra dúvida que surge é por que só falam inglês entre si – estariam prevendo a conveniência do documentário ser em inglês para exibições no mercado internacional? Ou essa é de fato a língua na qual se comunicam entre si?
Se fossem esclarecidas as circunstâncias que permitiram o início instantâneo da gravação e o fato de só se falar inglês, não haveria motivo de reparo. Ao omitirem esses dados e o provável planejamento prévio, porém, a credibilidade do projeto fica afetada, instaurando-se certa dubiedade em relação à aparente espontaneidade do registro, feito por alguns dos próprios integrantes do grupo com mais de uma pequena câmera digital.
Por mais que as câmeras saiam às ruas e que os realizadores cheguem a apanhar da polícia, o ponto de vista da observação guarda sempre certa distância dos acontecimentos. Os diretores contam no catálogo do É Tudo Verdade que ao prestarem primeiros socorros a um ferido foram presos e espancados pela polícia secreta que os arrastou para uma prisão militar no meio do deserto – mas nada disse é visto ou mencionado no filme.
O trajeto da ingenuidade à desilusão é breve. Em poucos dias o que os realizadores dizem ter sempre sonhado – “nossa revolução, o poder devolvido ao povo” – revela sua verdadeira face. E considerando que se tornou impossível viver no país, um dos diretores – Karim El Hakim – toma um avião para o exterior com a mulher e o filho. Sobre o destino do restante do grupo, o filme não se preocupa em dar nenhuma informação. Resulta a impressão de um militantismo de ocasião que não depõe a favor dos realizadores.
Enquanto isso, os manifestantes da praça Tahrir ficam para trás, continuando a viver no Egito e, durante algum tempo, a se manifestar, agora sob o jugo dos militares.
Qual seria função de um documentário como esse? No Egito, não terá sido exibido. No exterior, chega com atraso. Como registro da experiência de vida dos realizadores é dúbio, revelando apenas a inocência do grupo.
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