A guerra comercial de Trump e outras batalhas brasileiras
Semanalmente, os apresentadores mencionam as principais leituras que fundamentaram suas análises. Confira:
Conteúdos citados neste episódio:
Relatório do Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Unicef: As câmeras corporais na Polícia Militar do Estado de São Paulo.
Reportagem de João Batista Jr. sobre as mudanças feitas por Derrite na corregedoria da Polícia Militar de São Paulo.
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TRANSCRIÇÃO DE ÁUDIO:
Fernando de Barros e Silva: Olá! Sejam muito bem vindos ao Fórum de Teresina, o podcast de política da Revista Piauí.
Sonora: Defendemos o multilateralismo e o livre comércio e responderemos a qualquer tentativa de impor um protecionismo que não cabe mais hoje no mundo.
Fernando de Barros e Silva: Eu, Fernando de Barros e Silva, da minha casa em São Paulo, tenho a satisfação de conversar com a minha amiga Marina Dias, repórter do Washington Post, que está no CB estúdios em Brasília. Olá Marina! Muito bem-vinda!
Marina Dias: Oi, Fernando! Oi, gente!
Sonora: Mas nós somos muitos e é só colocar na pauta que vocês verão quantos são a favor da anistia na Casa do Povo.
Fernando de Barros e Silva: Bom, hoje é um dia triste para nós. Morreu na quarta feira à noite o pai do nosso querido Celso. O senhor Celso, também chama Celso. Por essa razão, nosso casca de bala não vai estar hoje com a gente. Eu quero deixar isso registrado aqui. Sei que faço isso em nome de toda a equipe da Piauí e de vocês, nossos ouvintes. Deixar um abraço apertado para o Celso e para a mãe dele, a senhora Vanda. Este programa então vai dedicado a vocês, a família do Celso. Bom para conversar com a Marina e comigo hoje, a gente vai ter a participação muito especial do Samuel Pessoa, que é professor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas, a FGV IBGE. Bem vindo, Samuel, Muito obrigado por aceitar nosso convite.
Samuel Pessoa: É um prazer estar aqui no Foro. Sou um grande ouvinte do Foro.
Fernando de Barros e Silva: Eita, isso é um orgulho para nós. Obrigado. Vamos ter também a presença muito ilustre do Conrado Hubner Mendes, nosso amigo, professor de Direito Constitucional da USP, pesquisador do Centro de Análise da Liberdade e do Autoritarismo e colunista da Folha. Muito bem-vindo ao Foro Conrado.
Conrado Hubner Mendes: Oi Fernando e Marina, um prazer estar aqui. Muito obrigado pelo convite. Um abraço forte no nosso amigo Celso Casca de Bala.
Fernando de Barros e Silva: Teremos também, no terceiro bloco, a participação muito especial da cientista social Samira Bueno, que é diretora executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e professora do IDP. Samira, muito bem-vinda. Obrigado por aceitar nosso convite.
Samira Bueno: Oi Fernando. Marina, eu que agradeço de estar aqui com vocês.
Fernando de Barros e Silva: Na semana que vem a nossa Ana Clara está de volta. Vamos então, sem mais delongas, aos assuntos da semana.
Fernando de Barros e Silva: A gente abre o programa falando da guerra tarifária deflagrada agora em escala planetária por Donald Trump, valendo se de uma retórica populista, agressiva e bélica e colocando os Estados Unidos na condição de grande vítima nas relações comerciais mundo afora. Trump disse “Por décadas nosso país foi roubado, pilhado, estuprado e saqueado por nações próximas e distantes, por aliados e inimigos”. O 2 de Abril de 25 será para sempre lembrado como o dia em que a indústria americana renasceu, num evento marcado pela confusão e diante de jornalistas visivelmente aturdidos com a barafunda dos números, o presidente norte americano anunciou as chamadas tarifas recíprocas de ao menos 10% para produtos estrangeiros importados pelos Estados Unidos. O Brasil figura entre os países que terão seus produtos taxados pelo percentual mais baixo do pacotaço, ao erguer uma imensa barreira tarifária ao redor da economia americana. Trump cumpre uma promessa de campanha e tenta gerar receitas para compensar os cortes de impostos que ele pretende aprovar no Congresso. Está em curso, a golpes de tacape, o projeto de desmantelamento do sistema de comércio global que os Estados Unidos ajudaram a construir. No segundo bloco, a gente vai falar de anistia. No domingo, a esquerda levou apenas 6500 pessoas para a Avenida Paulista. Presença foi praticamente um terço da registrada no evento a favor da anistia em Copacabana, que teve a participação de Bolsonaro. O tema definitivamente, não comove as ruas. Quem só pensa naquilo ou nisso é o PL, o partido de Bolsonaro, que na terça feira tentou obstruir as votações na Câmara para forçar a votação do projeto de anistia. O movimento começou com uma romaria de parlamentares, a residência oficial de Hugo Motta, o presidente da Casa, que foi pressionado a levar o texto direto ao plenário, pulando a tramitação em comissões. Motta ouviu, mas não cedeu. E nada indica que isso deve mudar. Ele acaba de chegar de uma viagem à Ásia com Lula e parece mais alinhado com o governo. A cada dia fica mais claro que o PIB trabalha com o nome de Tarcísio de Freitas e a eventual condenação e prisão de Bolsonaro é vista até com bons olhos por parte da Faria Lima, de olho na sucessão de 26. Por fim, no terceiro bloco, a gente vai falar da escalada da violência policial. O número de crianças e adolescentes mortos em São Paulo por policiais militares em serviço mais do que dobrou durante a gestão de Tarcísio de Freitas. Foram assassinadas 77 crianças e adolescentes entre 10 e 19 anos, em intervenções policiais no estado em 2024. Os dados fazem parte de um estudo intitulado “As câmeras corporais na PM do Estado de São Paulo”. Foram divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância, o UNICEF. A tragédia, como mostram os dados, atinge principalmente crianças e adolescentes negros. Eles são quase quatro vezes mais vítimas da PM. É isso, vem com a gente!
Fernando de Barros e Silva: Muito bem. Vamos conversar com você, Marina Dias. Quarta feira foi tensa, confusa. Eu queria que você fizesse um relato das medidas do Trump, porque a imprensa, tanto a imprensa que estava presente lá in loco, como a imprensa, que estava televisando tentando transmitir as informações ao vivo, demorou a entender a barafunda de números. Antes que o Samuel nos dê a perspectiva histórica, eu queria que você fizesse um relato do que foi anunciado.
Marina Dias: Primeiro, solidariedade aos colegas nessa cobertura que foi ao vivo, porque olha, foi confuso mesmo. Mas vamos lá, vamos explicar tudo. O presidente Trump anunciou nesta quarta feira, dia 2 de abril, o tarifaço global. Ele simplesmente aplicou tarifas de 10% sobre todos os produtos importados pelos Estados Unidos, ou seja, uma tarifa base de 10% sobre tudo o que os americanos compram de fora. E essa taxa começa a valer dia 5 de abril e, além disso, ele anunciou um imposto adicional de importação adaptado para cada um dos cerca de 60 países que a Casa Branca diz que mantém as relações comerciais mais injustas com os Estados Unidos. E essas taxas adicionais começam a valer quatro dias depois. Dia 9 de abril.
Fernando de Barros e Silva: O que eles chamam de tarifas recíprocas.
Marina Dias: Não necessariamente recíprocas, mas ele está chamando de recíprocas. O Brasil foi taxado em 10%, ou seja, só com a tarifa base não teve adicional. Talvez porque a balança comercial dos Estados Unidos com o Brasil é positiva para os Estados Unidos e em termos regionais, todos os países da América do Sul foram taxados em 10%. Argentina, Colômbia… Então, o nosso quintal não parece um alvo prioritário do Trump, Mas parceiros comerciais importantíssimos dos Estados Unidos, como a China e a União Europeia. Esses sim, foram alvo e ficaram com taxas adicionais mais altas. A China vai ter 10% de taxa base, mais 24% de taxa adicional, então 34% de tarifa. A União Europeia vai ter 10% de taxa base, mais 10% de taxa adicional, então vai ficar taxada em 20%. O governo Trump disse que as taxas adicionais foram calculadas caso a caso, seguindo critérios específicos, mas ainda não está muito claro quais foram esses critérios. E eu vou destacar aqui um caso no mínimo curioso como uma ilha no meio do nada, sem população para além de pinguins e com o total de zero comércio com os Estados Unidos no ano passado, zero, essa ilha foi taxada em 10%. É uma ilha que se chama Heard and McDonald Islands e eu vou ler aqui a definição da UNESCO para essa ilha que é um território australiano. A UNESCO define assim: “um dos raros ecossistemas insulares intocados do mundo, virou patrimônio mundial em 97 e entre os seus habitantes, pássaros, pinguins e focas.” Taxado em 10%.
Fernando de Barros e Silva: Isso é porque foi tudo muito preparado, bem estudado, caso a caso. Samuel vai falar depois disso. O grau de sofisticação da…
Marina Dias: Aí eu vou falar um pouquinho dessa confusão rapidamente. Mas o anúncio desse tarifaço ali no jardim da Casa Branca foi realmente confuso. A imprensa americana que estava cobrindo o evento ao vivo estava com dificuldade para entender os números, porque o Trump apareceu com uma lousa, um quadro mesmo, que tinha o nome dos países e as taxas escritas do lado, mas não tinha uma explicação muito clara se ali era só a taxa adicional para cada país ou se já era a soma da taxa base com a taxa adicional. Depois a Casa Branca esclareceu que era sim a soma de tudo. Então, a China aparecia no quadro com 34%, era 10% da taxa base, mais o 24% da taxa adicional. O Trump. Gente, chamou esse momento de dia da libertação porque, no raciocínio dele, as tarifas vão corrigir o que ele chama de injustiças comerciais que foram cometidas contra os Estados Unidos nas últimas décadas. E ele usou palavras fortes para definir esse tipo de exploração que os Estados Unidos sofrem, de acordo com ele, por parte de amigos e inimigos. Lembrando que a imensa maioria das tarifas que eram vigentes até agora tinham sido negociadas perante a Organização Mundial do Comércio à OMC, então pressupunham justiça comercial de todos os lados.
Fernando de Barros e Silva: Samuel, deixa eu por você na conversa com esse resumo que a Marina fez do que aconteceu… O que está por trás disso é um desmantelamento do sistema comercial global que os Estados Unidos ajudaram a construir. Isso está em curso ou já está consumado? Queria a sua avaliação do que está acontecendo no dia de ontem e pôr a coisa em perspectiva histórica, um pouco. Eu sei que você não é nem um pouco otimista em relação ao que você está vendo.
Samuel Pessoa: Antes de eu entrar nesse tema, deixa eu esclarecer um pouquinho qual foi a conta que foi feita. Nós imaginávamos, dentro da lógica mercantilista do presidente Trump, que para cada país se calculasse a tarifa efetiva que esse país cobra dos Estados Unidos. Tarifa efetiva é a soma de dois componentes. O primeiro componente é a tarifa efetivamente aplicada. A gente sabe que além da tarifa efetivamente aplicada, existe barreiras não tarifárias ao comércio, por exemplo, questões regulatórias, questões sanitárias, etc. Os estudiosos conseguem fazer uma análise e transformar essas barreiras não tarifárias numa tarifa equivalente, uma tarifa que reproduziria o mesmo efeito daquela barreira. Então, por exemplo, o Brasil, na prática, pratica tarifas no comércio da ordem 5%. Mas quando a gente considera as barreiras não tarifárias, a gente tem tarifas bem mais altas do Brasil, uma economia relativamente fechada, da ordem de 30%. Então, o que se imaginaria é que a administração Trump pegaria país a país, calcularia a tarifa total efetiva que esse país pratica contra os Estados Unidos e aplicaria, usando o princípio da reciprocidade, essa tarifa no país. Não foi isso que eles fizeram. Eles apresentaram um número e assim, logo depois, uma hora, duas horas depois, apareceu a conta que eles fizeram, foi o seguinte: a tarifa que eles divulgaram é o máximo de dois números ou é 10% ou é a diferença entre o déficit que os Estados Unidos têm com aquele país, dividido pelas importações que os Estados Unidos têm do país. Qual é a lógica dessa conta, Fernando? Não me pergunte. Não tenho a menor ideia. Quando as pessoas descobriram que a conta era essa, foi uma risada generalizada em todos os meus grupos de economistas. Uma piada, não tem nenhum fundamento. Essencialmente, o que ele fez para o Brasil… Por que que é dez? Porque a gente tem déficit com eles, eles tem superávit. Então, se fizesse aquela conta, ia dar um número negativo. Você pega a China, a China tem um enorme superávit. Então, pega o superávit da China em bilhões de dólares com os Estados Unidos divide pelas exportações da China para os Estados Unidos, deu um número lá em torno de 65%. O Trump diz “como eu sou legal, eu não tenho nenhum problema com a China, vou cobrar metade disso. Para os asiáticos, como esse número dava uma tarifa muito alta, essa conta que eles inventaram, eles usaram metade. E para os países latino-americanos, muitos deles, como é o caso brasileiro, tem uma balança até deficitária ou muito equilibrada. A gente caiu na tarifa mínima de 10%, que foi o caso dessa ilha Santuário dos Pinguins, que também está produzindo inúmeros memes aí entre as pessoas. Então, acho que esse era primeira coisa. Agora vamos tentar olhar em perspectiva… O que aconteceu? Você teve lá o pós guerra. Os Estados Unidos é o grande vitorioso no mundo capitalista, digamos assim, das economias de mercado. Você tinha bipolaridade, Estados Unidos liderando um bloco, a União Soviética, liderando outro bloco, e tinha toda uma política comercial liderada pelos Estados Unidos para trazer os países para ele. Aí caiu o muro e essa política continuou. A política de liberalização dos mercados, criação da Organização Mundial do Comércio, parâmetros e regras para haver comércio. E quando caiu o muro, a gente foi para um mundo unipolar. O Estados Unidos era a única grande potência e ele continuou com uma política de abertura da economia. E, de fato, o mundo mudou muito, porque hoje a gente não tem mais unipolaridade, talvez uma bipolaridade: Estados Unidos, China; Talvez uma multipolaridade: Estados Unidos, Rússia, China, União Económica Europeia. Aí o pessoal de relações internacionais vai definir melhor. E começou haver na sociedade americana um desconforto com o que seria desindustrialização. Aliás, esse é um fato real que já existe há uma década, uma década e meia, que é o fenômeno que o economista Angus Deaton, prêmio Nobel, chamou as mortes desesperadas, um alto índice de mortalidade ou por suicídio, ou por opióides ou por alcoolismo, que afeta principalmente homens brancos entre 40 e 60 anos que tenham ensino médio completo, mas não tem ensino superior. É gente que trabalhava na manufatura americana. O choque de comércio com a China, inicialmente para algumas comunidades, foi muito pesado mesmo. O que aconteceu? A indústria americana na virada do século XIX para o XX, a indústria estava nas grandes metrópoles. Aí, depois do pós guerra, mudança tecnológica, melhoria dos transportes, a indústria foi para algumas cidades médias ou até pequenas e se concentrou tipo aqui no Brasil a gente tem Sertãozinho, que produz todas as máquinas ligadas a agricultura de cana. Então, se de repente a China começa a produzir essas máquinas e essa indústria brasileira se destrói, vai ter um problema gravíssimo em Sertãozinho. Isso aconteceu nos Estados Unidos. Algumas localidades foram desproporcionalmente atingidas. Foi muito desequilibrado geograficamente esse choque chinês, não foi um choque grande para a economia americana como um todo, mas houve algumas localidades que sofreram muito e aí foi duro mesmo, porque o cara perdeu o emprego. O grande ativo que ele tinha era a casa própria dele, que desvalorizou muito porque a economia local foi desorganizada e ele não tinha mais idade para se recolocar. E assim o fenômeno é real. Se a gente acompanhar a evolução da expectativa de vida americana nos últimos 100 anos, ela acompanha a expectativa de vida, a evolução da expectativa de vida na Alemanha, na França, na Suíça, na Inglaterra… E nos últimos 20 anos descola e a expectativa de vida nos países ricos continua a crescer e nos Estados Unidos parou de crescer. Quando você olha os números da demografia, quais são os grupos demográficos que estão produzindo essa queda na expectativa de vida? São esses grupos que eu falei que foram atingidos pelo choque do comércio e a base eleitoral do Trump. Então, primeira coisa é que tem um fundamento político por trás dessa escolha que as pessoas querem fazer com essas tarifas é trazer essa indústria de volta. Evidentemente, a agenda está totalmente errada, Fernando. Por quê?
Fernando de Barros e Silva: Por que não vai trazer esse emprego de volta? Isso que eu queria entender.
Samuel Pessoa: Se a indústria voltar, vai voltar com um robô. Nos últimos 25 anos, a tecnologia já mudou. E se olhar a China, essas empresas hoje estão com o robô. Tecnologia mudar? Então, primeiro problema hoje não é comércio. O problema é tecnológico e na verdade nem afeta só a indústria. Porque se você for num escritório hoje, num grande escritório, seja escritório de advocacia ou numa instituição financeira, você quase não vai ver ninguém trabalhando que não tenha curso superior completo. Há 40 anos atrás, metade da força de trabalho que estava num desses escritórios tinha um curso médio. Os empregos de média escolaridade no chão de fábrica foram substituídos por robôs. Nos escritórios, eles foram substituídos por computadores. Então você tem um problema estrutural que ocorreu na primeira revolução industrial. A gente sabe que quando a tecnologia muda muito, é bom para a humanidade. Para o longo prazo é ótimo, mas na transição tem muitos mortos e feridos, então tem um fundamento real. Mas o remédio está errado. E aí o que sobra desse remédio? Sobra alguma coisa que é o Trump vai usar as tarifas como fonte de arrecadação de imposto. Ele tem um déficit público grande, tem como objetivo manter esse déficit alto. Por que ele tem como objetivo manter esse déficit alto? Porque o déficit ia cair o ano que vem, porque no final desse ano um monte de desoneração de impostos que ele fez terminariam e provavelmente, se tivesse sido eleito um governo democrata, essas desonerações não seriam renovadas. Mas o Trump já disse que renovará essas desonerações. Então, uma expectativa que havia de melhora, de redução do déficit público. Ano que vem já acabou. Então ele precisa achar fontes de receita.
Fernando de Barros e Silva: Precisa gerar receita. Inclusive ele tem um compromisso de cortar imposto.
Fernando de Barros e Silva: Então, cortar impostos e essa manutenção das desonerações, que terminam 31 de dezembro deste ano. E para financiar isso, ele vai colocar tarifas. Tem dois fundamentos que faz eu pensar que essa política é perene. Ela veio para ficar. Primeiro, é uma fonte de receita, então ajuda o Tesouro americano. O segundo é que, de fato, se houver uma guerra tarifária, os Estados Unidos é dos países que menos perde, porque é um país muito grandão, ele meio que se basta. Então ele tem um poder de barganha e pode aumentar as tarifas e depois sentar para negociar a imposição de vantagens sem que haja muita retaliação e negociar algum meio do caminho. Então, acho que a política veio para ficar. Ela vai reduzir o comércio internacional, vai ter um rearranjo das cadeias globais de valor que Fernando Hoje eu não sei exatamente como se dará. E no meio do caminho talvez tenha muita turbulência e a gente viu hoje. A gente viu hoje o que aconteceu de estranho hoje, se você lembrar, naquela crise financeira global, foi uma crise que aconteceu no centro do capitalismo mundial. O sistema bancário mundial quebrou, começando quebrando o sistema bancário americano. E, no entanto, apesar da crise começar nos Estados Unidos e Estados Unidos ser imediatamente muito afetado e ter uma recessão econômica, a moeda americana se fortaleceu. Porque? Porque tem um choque, gera muita incerteza. Todo mundo corre para o dólar. Hoje, as pessoas não correram para o dólar. Tem uma suspeita que talvez tenha uma recessão ou uma desaceleração forte nos Estados Unidos e provavelmente na economia mundial. Uma certa desorganização, porque um remédio amargo como esse, que é a formulação da política econômica trumpista está produzindo, gera uma desorganização na economia mundial e as pessoas, dada a incerteza, não estão correndo para o dólar. Claro que hoje é quinta feira. A notícia foi ontem e tem que esperar mais uns dois dias. Mas eu fiquei surpreso.
Fernando de Barros e Silva: Muita incógnita, né? Vai ter muita repercussão, muito desdobramento. Isso. Marina, Vamos voltar com você. Eu queria, para encerrar esse bloco, que a gente falasse um pouquinho do Brasil. Qual foi a reação do Brasil? O Congresso aprovou um projeto de lei, você andou falando com o pessoal do governo também.
Fernando de Barros e Silva: Fernando, Samuel. Do nosso lado, o Brasil tinha pistas de que estaria na lista dos taxados por causa de um relatório do Departamento de Comércio americano que foi divulgado e tinha algumas páginas com reclamações sobre o Brasil. Que reclamações são essas? A principal é que o Brasil tem altas taxas de importação sobre muitos produtos, então cobra caro para importar peças do mercado automobilístico, vestuário e principalmente do etanol. Mas eu quero dizer aqui que muitas dessas reclamações, gente, vem desde o governo Biden e do Trump 1, tá? Essas reclamações dos americanos sobre a relação comercial com o Brasil não vem de agora, não são novidade. A novidade é o approach, a abordagem agressiva do Trump. Então o Brasil sabia que ia entrar, mas não sabia muito bem como iaentrar nessa Roda Roda Jequiti da taxação, e acabou que ficou entre os países com taxação mais baixa de 10%. De novo, porque o Brasil não apresenta um grande problema para os Estados Unidos. Os Estados Unidos tem superávit na balança comercial com o Brasil. E agora, a questão é como o Brasil vai responder a isso? Então eu estava conversando com o pessoal do governo, com gente que tem falado com o Lula diretamente sobre isso. E a ordem do Lula é não vamos brigar, não vamos fazer bravata. Vamos primeiro tentar negociar usando os canais democráticos e diplomáticos. E se nada der certo, a gente vai de reciprocidade.
Fernando de Barros e Silva: Estratégia México.
Marina Dias: Estratégia México. Exatamente. Já falamos aqui que a diplomacia brasileira observa de perto Claudia Sheinbal, presidente do México, que tem um comportamento muito pragmático diante do Trump e tem dado certo. O México ficou de fora das taxações. O México e o Canadá. E aí, o Congresso brasileiro aprovou a jato esse projeto de reciprocidade econômica em resposta ao Trump, que é um projeto que basicamente permite o Brasil aplicar reciprocidade de regras ambientais e econômicas na relação com outros países. E aí, Fernando, só um destaque: foi uma votação bem simbólica, porque aconteceu de forma raríssima aqui em Brasília. O governo se uniu com a oposição e com a bancada ruralista, que é uma opositora ferrenha ao Lula, e aprovou esse projeto por unanimidade.
Fernando de Barros e Silva: Raro momento de comunhão nacional nesses tempos.
Marina Dias: Exato. A avaliação é que o Brasil pode conseguir negociar, principalmente as cotas de aço. O aço já foi taxado em 25% e esses 10% não são cumulativos. A diplomacia brasileira já checou isso com a Casa Branca. Então, é claro que o Brasil vai entender essa reorganização do comércio mundial, mas vai tentar primeiro negociar o que tem sobre a mesa e aí sim, ver qual vai ser a resposta mais adequada diante dessa incerteza.
Fernando de Barros e Silva: Muito bom, Muito bom, Samuel. Algum ponto a acrescentar sobre o Brasil para a gente terminar o bloco? Não.
Samuel Pessoa: Acho que três coisas rápidas. A primeira, numa discussão mais geral, se houver uma desglobalização, se o comércio generalizadamente se reduzir, o Brasil vai ser particularmente afetado? Não. O Brasil deve ser dos menos afetados. A gente lá nos anos 90 tomou uma decisão de nos mantermos fechados. Nós não entramos nas cadeias globais de valor, nós ficamos bem isolados e, evidentemente, por sermos muito fechados, pagamos um preço grande de perda de bem estar. Mas, dado que a gente já está pagando esse preço, não vai pagar duas vezes. Ou seja, nessa barafunda geral, a gente está relativamente bem protegido e não deve ser uma economia particularmente muito afetada por tudo isso. Tem espaços de negociação e eu acho que a gente tem Itamaraty, tem corpos do Estado brasileiro, muito bem preparados. Então, acho que pegar caso a caso, com calma e tratar do tema. E o terceiro ponto: lembrar que na experiência anterior, alguns setores brasileiros foram até beneficiados, em particular o agronegócio. O que aconteceu? Os Estados Unidos, O Trump um pôs uma tarifa na importação de produtos chineses. Os chineses retaliaram, tributando muito as exportações de grãos norte americanos.
Fernando de Barros e Silva: O grão brasileiro ficou melhor. Ficou numa situação…
Samuel Pessoa: Que o grão na bolsa de Chicago fica mais cara porque incorpora a tarifa e por arbitragem, o grão aqui em Paranaguá sobe. Só que esse ganho de aumento de preço vai direto para a rentabilidade do agricultor, que vira renda local e tem impacto sobre a economia. Então, foi um efeito colateral positivo da guerra tarifária que houve no Trump 1. Então, apesar de ser muito ruim, essa nova ordem internacional é muito ruim, o Brasil, até pelos motivos errados, nós termos escolhido ficar à parte da globalização… Agora a gente está menos exposto.
Fernando de Barros e Silva: Os nossos problemas crônicos, estruturais, enfim, a perspectiva brasileira. De qualquer forma, e se tudo der certo, seremos um país medíocre.
Samuel Pessoa: Mas essa foi a escolha que a gente tem feito. Talvez a gente consiga melhorar, mas nos últimos 40 anos a gente avançou em inúmeras coisas. País muito melhor do que há 40 anos atrás. Mas, de fato, do ponto de vista de eficiência econômica e produtividade do trabalho, a gente é uma mediocridade só.
Fernando de Barros e Silva: Bom, Samuel, a gente precisa encerrar. Já estouramos o tempo. Eu queria, mais uma vez, agradecer demais a sua presença para a gente. É uma honra ter você aqui conversando com a gente sobre esse tema, que tem muitas tecnicalidades e a gente acha que conseguiu trazer várias coisas para os ouvintes, várias coisas importantes e compreensíveis ao mesmo tempo. Obrigado.
Samuel Pessoa: Nada. Eu que agradeço a oportunidade.
Fernando de Barros e Silva: A gente faz um rápido intervalo no segundo bloco. Nós vamos falar do projeto de anistia no Congresso e nas ruas. Já voltamos.
Fernando de Barros e Silva: Muito bem. Estamos de volta. Marina Dias Eu vou começar com você. E vou começar pelas manifestações flopadas, como diz o povo. No último domingo, manifestações contra a anistia na Avenida Paulista, ela reuniu pouco mais de 6000 pessoas, um terço, como eu disse na abertura, do que havia ocorrido em Copacabana na presença do Bolsonaro. Definitivamente não é um tema que comove as pessoas, que leva as pessoas às ruas. A gente tem, além disso, a movimentação no Congresso. Eu diria que quase mais deputados foram à casa do Hugo Motta nessa semana do que pessoas foram às ruas contra a Anistia. Por onde nós vamos começar?
Marina Dias: Fernando, vou começar pelas manifestações então. Elas aconteceram no último fim de semana de março e foram dispersas em algumas cidades do país. Mas a maior delas foi em São Paulo, como você falou, onde 6500 pessoas se reuniram no ápice do evento, de acordo com o medidor de pesquisadores da USP. E esse é o mesmo medidor que indicou que tinha 18.000 pessoas em Copacabana no protesto com o Bolsonaro. Ou seja, o protesto da esquerda e dos movimentos democráticos, digamos assim, foi bem menor que o protesto da direita. E a gente sabe que a direita e a extrema direita costumam se organizar melhor, inclusive na divulgação desses protestos pelas redes sociais, que eles também usam de forma bem mais eficiente do que a esquerda. Mas foi dado um destaque, inclusive pela gente aqui no Foro, como se o ato do Bolsonaro tivesse sido esvaziado. Mas isso porque ele prometeu 1 milhão de pessoas na rua, para mostrar força, para se manter no debate político, às vésperas do julgamento do Supremo, que deve condená lo por tentativa de golpe. E aí de 18.000 para 1 milhão fica bem distante mesmo. Mas do lado da esquerda eu vou destacar aqui uma fala do Edinho Silva, que é candidato à presidência do PT com o apoio do Lula, que disse que o PT precisa suar sangue. Foi a expressão que ele usou para colocar 10.000 pessoas na rua. E é verdade. A esquerda, os movimentos democráticos, não conseguiram 10.000, eram 6500 em São Paulo. Então, o Edinho reconhece que o Bolsonaro tem base social. Claro, porque ele tem. O Bolsonaro tem base social. Mas aí eu entro em mais uma crítica de setores da esquerda e do PT, que eles fazem uma crítica à própria bandeira desses protestos, que o grito de guerra é o “sem anistia”. Na verdade, esses críticos dizem que protesto tem que ser afirmativo. Não é sem alguma coisa, é por alguma coisa. Então teria que ser alguma coisa do tipo Bolsonaro preso, Bolsonaro na cadeia já, e não o negativo, ele não, sem anistia… Essas coisas não funcionam tão bem, até porque a anistia é uma pauta do outro lado. A anistia é uma pauta da direita, é a direita quem quer a anistia. E aí, eu entro na articulação do Congresso para explicar o cenário em Brasília hoje, gente, que é o seguinte: o PL, o partido do Bolsonaro, que é a maior bancada da Câmara, com 92 deputados, quer a votação do projeto de anistia e quer a votação a jato, de forma urgente, ou seja, votada direto no plenário da Câmara, sem precisar passar por nenhum tipo de comissão, o que atrasaria essa votação. Porque, claro, o partido do Bolsonaro quer essa votação antes do julgamento do Bolsonaro, que deve acontecer no Supremo ali no fim do ano. Eles querem criar um fato político para tentar pressionar por esse movimento. O PL, partido do Bolsonaro, está obstruindo algumas votações para fazer com que o presidente da Casa, o deputado Hugo Motta, coloque o projeto em votação. O Hugo Motta, que é do Republicanos, um partido de oposição ao governo Lula. Mas ele não quer ceder a pressão do PL do Bolsonaro. E por quê? Porque o Hugo Motta não quer ceder. Passa pela questão das pautas econômicas, mas também passa pelo problema do Hugo Motta, que é o seguinte ele está sendo pressionado por dois lados, tanto pelo PL partido do Bolsonaro, como pelo Alexandre de Moraes e pelo Supremo, que não querem a aprovação da anistia. Claro, porque a maioria dos ministros do Supremo quem está condenando essas pessoas. E o Hugo Motta sabe que o Alexandre de Moraes é muito próximo de quem? Do Davi Alcolumbre, presidente do Senado. Então, o Hugo Motta está fazendo o seguinte cálculo: se eu pautar isso na Câmara eu compro o desgaste com o Supremo. Aí o projeto pode passar, vai para o Senado, mas aí corre o risco do Senado nem pautar, o Davi Alcolumbre não vai colocar isso em pauta. Moral da história: Hugo Motta acha que vai ficar sozinho desgastado com o Supremo. Então, Hugo Motta passou a semana inteira tentando achar alternativas para esse projeto tramitar de forma mais lenta na Câmara, colocar primeiro o projeto para ser votado numa comissão, por exemplo. Mas o PL diz que não, o PL diz que tem assinatura de mais de 300 deputados para votar a urgência, apesar de ainda não ter mostrado essas assinaturas. Então ninguém sabe se ele realmente tem essas assinaturas.
Fernando de Barros e Silva: É isso, soa blefe. Porque não parece que os demais partidos do centrão estão muito interessados ou pelo menos não inteiros interessados em que isso vá adiante ou não há empenho que isso vá adiante.
Marina Dias: Agora, se você conversa com os líderes do centrão ligados ao Bolsonaro e eu conversei com alguns deles, eles dizem que o projeto tem maioria para passar na Câmara e que se o Davi Alcolumbre quiser ser reeleito presidente do Senado em 2026, ele vai precisar do apoio da direita. E para ter o apoio da direita, ele precisa pautar o projeto no Senado. Então, assim como diz o Celso, isso é morar em Brasília. Tem chantagem, tem pressão, tem interesse de todos os lados, mas ninguém crava se e quando esse projeto vai ser votado. E o fato é se o projeto passa no Congresso, o STF já avisou que barra!
Fernando de Barros e Silva: Perfeito. Deixa eu colocar o nosso Conrado na conversa. Conrado, essa chama de queda de braço, queria evitar essa expressão, esse clichê, mas essa queda de braço entre os poderes, entre o Legislativo e o Judiciário é uma coisa recorrente ao longo dos últimos anos. E parece agora que o pessoal do Congresso a favor do Bolsonaro está querendo correr porque está vendo o tempo se reduzir. O tempo está acabando. Eles têm a janela que eles têm, porque depois de uma eventual de uma belíssima condenação do Bolsonaro, isso se inviabiliza. Como é que a gente está vendo isso?
Conrado Hubner Mendes: Oi, Fernando. Além dessa interação tensa entre STF e Congresso, acho que a Marina começou falando sobre as ruas. As ruas também se comunicam. Esses movimentos muito desaquecidos das ruas, por um lado, e de outro lado. Um Congresso que, apesar do desaquecimento das ruas, está se movimentando pelo jeito, sem grande pretensão de anistiar Bolsonaro, mas tentando manter a temperatura quente numa articulação que vai culminar nas eleições do ano que vem. Acho que isso é muito claro, o STF tem desafios, que não deixam de ser os desafios que ele tem tido desde o momento em que se estabelece um enfrentamento mais claro entre STF e até 2022 do governo Bolsonaro. Mas agora é o STF e os legados desse governo Bolsonaro, STF e o bolsonarismo que é ao mesmo tempo mostrar coesão, força, consistência jurídica, convencer de que as ferramentas que tem utilizado podem ser incomuns, mas são juridicamente sustentáveis, mas de uma corte muito frágil, ao mesmo tempo frágil por sua própria responsabilidade.
Fernando de Barros e Silva: Sim, você tem falado bastante disso nas suas colunas ao longo dos últimos anos.
Conrado Hubner Mendes: E acho que talvez a palavra que mais resuma uma patologia que torna o STF muito frágil e que nos faz temer sobre o STF do futuro é a sua escassa ou a sua falta de institucionalidade, a sua fragmentação em múltiplos ministros com estratégias, com comportamentos, com argumentos jurídicos e, sobretudo, com comportamentos muito promíscuos fora do tribunal. Tudo isso fragiliza uma Corte que não tem o voto popular para se sustentar. Ele tem apenas a Constituição e o argumento de que está defendendo a Constituição. Quando você vê mobilizações de ministros, conflitos, recados, passar recado de que a Lei da Anistia não vai passar pelo STF. Isso é muito diferente do que se espera de uma coisa. Isso fragiliza, né?
Fernando de Barros e Silva: Quando você fala de comportamento promíscuo, tem um leque aí de exemplos para a gente dar, né?
Conrado Hubner Mendes: Ah, não faltam. Eu colocaria só, Fernando, o Fórum Jurídico de Lisboa está vindo aí em junho. Em 2025, a profissão jurídica inteira e os poderes inteiros vão se mobilizar para lá. Essa talvez seja o ápice, ainda que não seja diferente de outros muitos encontros. Esse é o encontro do poder político com o poder corporativo, com ministros do Supremo sob o hostess da empresa de ministros do Supremo. Isso é muito patológico. Mas também tem uma outra dimensão da promiscuidade que o jornalismo tem começado a acompanhar, que é o familismo. O quanto que as portas do STF têm sido trancadas e somente abertas com parcerias feitas entre advogados e advogados parentes de ministro. Pode ser a esposa, pode ser o filho, pode ser a irmã. Mas isso tem cada vez mais sido predatório para a legitimidade do STF. Ou seja, os ministros não ajudam a instituição do STF a essa missão enorme que o STF tem pela frente.
Fernando de Barros e Silva: Perfeito! Agora, voltando para o caso do Bolsonaro, a despeito desses problemas que não são triviais, pelo contrário. Mas a despeito disso, a posição da primeira turma ficou mais ou menos clara na admissão da denúncia. E ficou claro também que o Fux já abriu divergência e deve desdobrar esses argumentos na direção de uma revisão da dosimetria ou na caracterização dos crimes, etc. Como é que você está vendo isso? O debate deve ir por aí mesmo dentro do STF.
Conrado Hubner Mendes: O Fux parece ter sido estrategicamente ambíguo ao acompanhar os outros ministros, mas ao mesmo tempo antecipando, dando um sinal de que pretende levantar uma discussão mais analítica e mais de instrumento de precisão para saber quando que o crime começa a ser tentado. Diferente de outros atos que não configuram ainda uma tentativa, apenas uma especulação, que é um pouco uma linha de defesa de Bolsonaro. Do ponto de vista da importância dessa precisão analítica, ninguém discute, só ninguém entendeu direito o que o Fux está escondendo na cartola… Quanto a sua proporção de dosimetria, é claro, ele está também reagindo e tentando mandar sinais. E o próprio Alexandre de Moraes já se curvou um pouco sobre a dosimetria das outras pessoas que já têm sido condenadas pelo 8 de janeiro.
Fernando de Barros e Silva: Estava na linha de frente, lá no 8 de janeiro.
Conrado Hubner Mendes: O principal exemplo da senhora do batom, reduzindo a conduta dela o batom. E ela levou 14 anos. Bom, se essa senhora levou 14, quanto leva a Bolsonaro? Eu acho que essa é uma pergunta relevante também. Até aqui o Fux só deu um sinal que preocupou, mas não se posicionou. A gente está especulando muito sobre Fux e eu também especulo e tenho dúvidas do que está rolando por trás desse discurso. Se é uma preocupação genuína e republicana com a consistência dessa decisão e, em segundo lugar, com a capacidade dessa decisão convencer de que foi uma decisão justa. E a gente sabe que metade do país já não vai aceitar. Mas mesmo assim esse esforço é importante. Ou se é outra coisa que está acontecendo e levando em conta o histórico do Fux, não dá para saber. Eu achei legal essa frase do “deve suar sangue”. Eu posso aplicar essa frase ao STF que o STF deve suar sangue para julgar de maneira consistente e com pretensão de legitimidade o caso do Bolsonaro e qualquer outro caso. Mas enfim, o STF tem falhado nisso e acho que esse é o desafio do STF agora.
Fernando de Barros e Silva: E eu não quero ser frívolo aqui, mas vai soar vinho em Portugal em vez de suar sangue nesse evento de Lisboa aí. Isso que já virou uma tradição brasileira e está naturalizado também. A gente fala tanto de naturalização, normalização da barbárie, normalização da extrema direita, normalização dessa promiscuidade da Corte Suprema brasileira com o mundo corporativo, com interesses, enfim, casos que é escandaloso porque são casos que estão lá, inclusive são interesses. Não é que têm uma coisa, uma ligação remota, etc. A ligação é direta.
Conrado Hubner Mendes: O STF não foi capturado pelo bolsonarismo, mesmo porque ser capturado pelo bolsonarismo significa extinguir o STF. Mas ele está totalmente capturado pelo poder corporativo e não tem nenhuma justificativa pública plausível. Ao explicar esses eventos, pega aí a sucessão de decisões como um exemplo importante de corrosão da Justiça trabalhista. O STF aprofundou a reforma trabalhista feita pelo termo, dramatizou e aprofundou a reforma trabalhista. Pega um pouco o tipo de abertura, o tipo de patrocinador desses eventos e olha o interesse desses patrocinadores em decisões do STF é muito promíscuo. Isso é captura do poder corporativo.
Fernando de Barros e Silva: Sim, e que é um dos problemas brasileiros mesmo da República, porque não somos uma república, substancialmente falando. Bom, encerramos o segundo bloco. Conrado, queria agradecer demais a sua presença. Espero que você volte mais vezes. Eu sei que você abriu uma janela aí, que hoje é um dia que você dá aula aí na USP. Você está na sua sala no Largo São Francisco. A gente agradece demais a sua presença. Estou com inveja da sua biblioteca. Isso é a biblioteca da sala.
Conrado Hubner Mendes: Parecida com a sua Fernando, o que você está falando?
Fernando de Barros e Silva: A minha aqui é cenário daqueles, eu aluguei, eu aluguei essa biblioteca aqui. Então tá bom. Conrado, obrigado demais. Um abraço.
Marina Dias: Obrigada, Conrado, Obrigada mesmo por abrilhantar aqui o Foro. Um beijo.
Conrado Hubner Mendes: Adorei estar aqui. Obrigado. Fico a disposição nas próximas. Abração para vocês.
Fernando de Barros e Silva: A gente encerra então o segundo bloco. Vamos para um rápido intervalo. Na volta, nós vamos falar de violência policial em São Paulo. Já voltamos.
Fernando de Barros e Silva: Muito bem, estamos de volta. Samira, Vou começar esse bloco com você. Vocês publicaram hoje, quando a gente grava o programa, na quinta feira, foram divulgados os dados dessa pesquisa que o Fórum Brasileiro fez com a UNICEF e uma pesquisa em São Paulo. Houve um aumento da morte de jovens, de crianças e adolescentes. A gente pode dizer, né? De 10 a 19 anos pela polícia entre 202e e 2024, que é o período que vocês analisaram. No ano passado, foram 77 vítimas da polícia nessa faixa etária, mais do que o dobro do que ocorreu em 2022. Fala um pouco mais dos números, da importância dessa pesquisa. E daí a gente pode ampliar o quadro, tratar da violência da segurança pública em São Paulo como um todo. Bem-vinda mais uma vez.
Samira Bueno: Obrigada, Fernando. Bom, a gente publica então esse estudo hoje, com a UNICEF, mostrando um crescimento de 120% na mortalidade de crianças e adolescentes na faixa etária de 10 a 19 anos, em intervenções de policiais militares em serviço no Estado de São Paulo. E aí, é importante eu destacar esse serviço. São 77 vítimas no último ano e a gente está olhando para esses casos em serviço, porque a nossa preocupação são com os mecanismos de controle. Quando o policial está fardado, as câmeras corporais, a atuação da corregedoria, o tipo de armamento utilizado que a gente está olhando e o que está sendo o efeito do trabalho de policiamento no momento em que esse policial está fardado. Porque se a gente fosse considerar também esses casos de policiais que se envolvem, ocorrências fora do horário de trabalho, esse número seria maior. Além dessas 77 vítimas de 10 a 19 anos, a gente tem 134 registros que sequer possuem a informação da idade, que dá 20% de todos os casos. Então, esse problema e esse crescimento, ele pode ser ainda maior. Isso é muito grave. Se a gente for pensar que é um agente de Estado que tirou a vida de uma criança ou de um adolescente e que não teve nem a preocupação de fazer o registro adequado dessa morte. E eu acho que tem um outro dado para destacar que eu acho que se conecta com esse da mortalidade de crianças e adolescentes e o crescimento de 133% no número de policiais assassinados no horário de trabalho.
Fernando de Barros e Silva: Sim, eles passam de seis mortes em 2022. Não é isso para 14 mortes no ano passado, né?
Samira Bueno: Entre 2021 e 2022, que foi o período de implementação das câmeras corporais, as câmeras começam a ser implementadas em São Paulo no segundo semestre de 2020. Nós tivemos os menores níveis de policiais assassinados da história. E a gente tem estatística para isso desde 95 e também os menores números de pessoas mortas por policiais militares. E aí, enfim, a partir de 2023 esses números voltam a crescer e em 2024 a gente tem esse crescimento de 133% com 14 policiais assassinados. Estou falando de mais de um policial assassinado por mês no horário de serviço. E eu acho que conecta essas duas coisas. Do policial que mata e do policial que morre. O quanto essa política de enfrentamento violento ela acaba ocasionando mortes de todos os lados, inclusive dos próprios profissionais que estão ali na ponta?
Fernando de Barros e Silva: Sim, Samira, vocês trabalham com dados. Eu não quero especular a respeito. Se a gente tem esse quadro em São Paulo, há de se supor que não seja muito diferente. Ou pode ser até pior. Em outros lugares do Brasil não existem pesquisas, em outros lugares. A gente está falando do Estado de São Paulo aqui, certo?
Samira Bueno: Certo. O Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no Anuário, monitora desde 2012 os números de letalidade provocada pelas polícias civil e militar no país inteiro. A gente tem como prática dizer que as polícias brasileiras são violentas, mas o fato é que algumas polícias brasileiras são violentas. Então a gente tem uma alta letalidade policial em São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Sergipe, Amapá, Goiás. Mas a gente tem polícias que não tem como prática o resultado morte. Paraíba tem um índice muito baixo. A Polícia Militar do Distrito Federal tem uma taxa muito baixa. Então é até importante falar isso, porque não dá para ter.
Fernando de Barros e Silva: Uma discrepância grande entre os estados, né?
Samira Bueno: Exato. É essa discrepância. Ela não obedece os indicadores de criminalidade, porque a gente poderia supor a polícia da Bahia mata muito, porque é o Estado que tem mais homicídios no país. Mas São Paulo tem a menor taxa de homicídios do país e é uma polícia que mata muito. Então, quando você tem uma redução que São Paulo, por exemplo, a gente tem uma redução de 80% dos homicídios desde o ano 2000 até 2025, e você não tem uma redução da letalidade provocada pela polícia. Então aí fica essa dúvida como é que você explica que a violência do território, os homicídios caem, mas a violência policial não.
Fernando de Barros e Silva: É muito impressionante isso. E também não há relação, digamos assim, o corte ideológico, o corte orientação do governo, porque supostamente um governo mais comprometido com direitos humanos, um governo supostamente progressista, caso da Bahia, que está sendo governado pelo PT há quatro mandatos, pelo menos, ou cinco mandatos, e a polícia baiana conseguiu a proeza de matar mais do que a polícia do Rio. Não é isso? Não é a polícia que mais mata no Brasil?
Fernando de Barros e Silva: É, a polícia da Bahia é a mais letal do país. Em números absolutos é disparado e em taxa é a do Amapá, em proporção. A Polícia Militar do Amapá é uma polícia extremamente letal. Você trouxe um ponto que é muito importante a violência policial não é um problema da direita ou da esquerda. É um problema de todo mundo que a gente tem visto e que governos, governos que se dizem progressistas têm reproduzido métodos extremamente violentos para supostamente enfrentar o crime, que é o caso da Bahia. Esses números crescem na gestão do Rui Costa. Então foi o Rui Costa que transformou a Polícia Militar da Bahia numa polícia extremamente letal. Antes, ela não ostentava esses números, então é algo relativamente recente. São Paulo, Rio de Janeiro sofre com isso, pelo menos desde os anos 80, que é quando a gente consegue ali começar a contabilizar. Mas a gente tem denúncias, pelo menos desde os anos 60, envolvendo as polícias de São Paulo e Rio de Janeiro em ações extremamente violentas. O que muda? O que a gente traz nesse estudo? Apesar desses números historicamente terem sido elevados em São Paulo de 2020 a 2022 a gente teve uma redução sem precedentes. Então, para você ter uma ideia, a gente até fez uma ampla revisão da literatura internacional, porque tem várias polícias no mundo, especialmente nos Estados Unidos, que utilizam já há mais de uma década câmeras corporais. As câmeras são compreendidas como um equipamento de proteção individual e de avanço tecnológico que está ajudando na produção de provas. Então, as imagens que são captadas por essas câmeras, elas vão apoiar o Ministério Público para definir se vai oferecer uma denúncia ou não, a Defensoria Pública na defesa do réu, um juiz para decidir se condena ou não uma pessoa. Mas em São Paulo, especificamente 2019, primeiro ano da gestão do Doria, ele tinha sido eleito com o jargão do bolsoDoria, prometendo expandir a rota para o interior, que eram os apps e criar esses batalhões. E nesse primeiro ano de mandato dele, ele fez isso. A gente teve várias operações policiais violentas e terminou o ano com aquele escândalo em Paraisópolis, em que a gente teve adolescentes e jovens que foram pisoteados por conta de uma abordagem policial. E nesse mesmo ano, o Ministério Público do Estado de São Paulo entrou com uma Ação Civil Pública processando o Estado pelos níveis de violência policial. Então, no momento que ele se descola do Bolsonaro e sob essa pressão por conta da ação civil pública do MP e desse escândalo envolvendo a mortalidade de jovens. Ele acabou decidindo, então, implementar uma série de políticas de controle do uso da força. Uma delas são as câmeras corporais, que começaram a entrar em vigor no segundo semestre de 2020. Mas antes disso, ele trocou comandante geral, criou a Comissão de Mitigação de Risco, que é uma instância para supervisionar os procedimentos dos policiais. Comprou equipamento menos letal, que são as tasers. Então, para o policial, se ele só tem a arma de fogo numa abordagem, por exemplo, de uma pessoa que está em surto, a arma de fogo, ela produz necessariamente o resultado letal. Então, armamento menos letal para você lidar com situações em que não seja preciso usar arma de fogo. Então você tem ali uma série de mudanças. Em 2020, entram as câmeras corporais e aí o que acontece? Nós temos uma redução de 60% na letalidade policial de 2020 a 2022 e não tem nenhuma evidência científica de outras polícias que tenham tido um resultado tão expressivo.
Fernando de Barros e Silva: É muito evidente a relação entre a adoção da câmera e o número.
Samira Bueno: Exato, e isso se torna um programa de referência no Brasil, no Rio de Janeiro, que já estava aí no âmbito, sendo julgado pela ADPF 365, o Estado do Rio de Janeiro no banco dos réus por conta da violência policial. O relator da ação, o Fachin, determina que câmeras de gravação ininterrupta sejam implementadas pela polícia do Rio de Janeiro, pelas polícias Militar e Civil. A própria Bahia, o governo da Bahia adotou o mesmo modelo de câmeras corporais de São Paulo. E a gente tem uma mudança radical desse programa a partir de 2023, no momento em que o Tarcísio de Freitas assume o governo do Estado, o que era inclusive, uma promessa de campanha dele, né?
Fernando de Barros e Silva: Sim, a gente está falando aqui de violência policial. É muito preocupante. É uma coisa dos escândalos do Brasil, mas isso não comove as pessoas, pelo contrário, a sociedade, asociedade é um termo genérico, mas a maioria das pessoas não estão preocupadas se a polícia está matando muito ou pouco. Existe uma sensação… Saiu uma pesquisa da Quaest essa semana, a violência mais uma vez figura no topo da lista de preocupações das pessoas. As pessoas têm essa sensação de insegurança, que é crônica. Não importa se o número de homicídios reduziu ou não. Você tem um problema uma sociedade que é refratária a essa discussão, que não se comove nem um pouco com essa discussão. Marina, deixa eu por você na conversa. Você andou conversando com pessoas que estudam segurança pública e comportamento da polícia nos Estados Unidos.
Marina Dias: Fernando, primeiro, eu só queria dizer que os números dessa pesquisa que a Samira está aí destrinchando para gente com brilhantismo, são chocantes, porque, além de escancarar a violência policial escalando, escancaram a escalada da violência policial contra criança e adolescente. A gente não pode se conformar com esses números, não é natural. Então, eu primeiro queria registrar esse meu choque. Mas um ponto que eu achei interessante na pesquisa do Fórum é que a Samira está comentando com a gente essa relação direta do número de mortes por violência policial com as mudanças no protocolo do uso de câmeras corporais pelos policiais, mas também com outras frentes, principalmente nessas instâncias punitivas contra os policiais que cometeram infrações ou até mesmo crimes. E aí, eu vou fazer o paralelo com os Estados Unidos, que é o meu quintal, onde a truculência policial é muito conhecida também, como a Samira bem falou. E onde as pessoas pretas morrem muito mais do que as pessoas brancas pelas mãos de policiais, assim como no Brasil. E para isso, gente, eu conversei com o Tahir Duke, que ele é professor da Faculdade de Direito de Georgetown, em Washington, uma das mais prestigiosas universidades dos Estados Unidos, e ele é especialista em inovação em segurança comunitária. E ele me disse que as câmeras corporais começaram a ser usadas de maneira bem ampla pelos policiais dos Estados Unidos a partir de 2016, depois que um homem negro foi morto por policiais brancos com seis tiros à queima roupa na Luisiana. Para a gente lembrar, foi lá em 2016, quando milhares de pessoas foram para as ruas nos primeiros protestos do Black Lives Matter. Foi ali que começou. E lembrando também que nos Estados Unidos, a polícia fica sob o guarda chuva municipal. Então, as regras variam sobre o protocolo do uso das câmeras, mas o uso das câmeras corporais pelos policiais em serviço é praticamente no país inteiro. E aí o Tahir me disse que só a câmera corporal, isoladamente, não tem impacto nos índices de violência policial nos Estados Unidos. A câmera precisa vir acompanhada de mecanismos de responsabilização policial. E nos Estados Unidos, desde 2016, o número de policiais condenados por cometerem crimes, subiu bastante. Os policiais envolvidos na morte do George Floyd, por exemplo, foram condenados e presos. E aí o Tahir fala também da reforma no modo de ser policial, que esse é um debate muito grande nos Estados Unidos. Vira e mexe eles discutem abordagens menos agressivas, polícia que não usem armas de fogo, policiais mais envolvidos com comunidade. É sempre uma discussão que às vezes parece meio utópica até, num país tão violento, em que a Segunda Emenda da Constituição e o direito de portar e possuir armas. Às vezes parece utópico debater isso num país tão armado e armamentista como os Estados Unidos, mas essa é uma perspectiva de um especialista que acredita numa polícia menos violenta, mas acha que é preciso um pacote de ações de fiscalização, transparência e protocolos de uso para além das câmeras corporais para que isso funcione efetivamente.
Samira Bueno: Posso fazer só mais um comentário sobre São Paulo?
Fernando de Barros e Silva: Claro, deve.
Samira Bueno: Vamos lá. Legal, não? Porque acho que pega o gancho do que a Marina estava dizendo sobre essas políticas de controle desse pacote necessário. Se não fica parecendo que a tecnologia é uma panaceia para resolver o problema da violência policial. E não é a tecnologia. Ela precisa estar acompanhada de outros dispositivos. E a gente tem visto várias denúncias, inclusive o G1 deu hoje um caso de dois garotos de 14 anos aqui em São Paulo, que foram torturados por policiais militares que tiraram a câmera do fardamento enquanto torturavam esses garotos para que eles confessasse um crime que eles não cometeram. Os garotos foram absolvidos pela justiça e os policiais hoje serão julgados pela Justiça Militar. Então a gente tem visto muitos episódios em que os policiais obstruem a gravação, tiram a câmera do fardamento e a gente não sabe quais sanções estão sendo aplicadas. E no ano passado teve uma mudança na Corregedoria da Polícia Militar, que inclusive foi um furo do João Batista Júnior na revista Piauí, em que ele noticiou essas mudanças. Mas para explicar essa mudança, eu queria só voltar um pouquinho no tempo, porque em março do ano passado, o Estado brasileiro foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos por conta daquele caso antigo em São Paulo, que o Castelinho, que é um caso de 2002, em que 12 pessoas foram executadas numa rodovia por policiais militares.
Fernando de Barros e Silva: Governo Alckmin era o mandato tampão do Alckmin, não era? O Covas tinha morrido em 2001. Não sei se foi naquela ocasião que ele soltou aquela frase infame “quem não reagiu está vivo”.
Samira Bueno: Eu acho que é um pouco depois.
Fernando de Barros e Silva: É outra operação. É, tem essa frase que eu nunca vou esquecer.
Samira Bueno: Você acertou ao autor, mas foi em outra operação, tempo depois. Quem não reagiu, está vivo. E o Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos. E na sentença vem uma determinação para que, quando o policial se envolve numa ocorrência que resultou em morte, ele seja afastado temporariamente das atividades operacionais e fique no administrativo para que seja apurada a sua conduta. A responsabilidade eventualmente vai passar por acompanhamento psicológico. Isso acontece em março do ano passado. E aí? O que o João Batista Júnior mostra dois meses depois, na revista Piauí, que a PM publica uma norma mudando a lógica de afastamento dos policiais. Eles definem que quando um policial se envolver em uma ocorrência de gravidade, aí eles falam tanto de fatos atentatórios às instituições quanto de violações de direitos humanos ou de desonra. Então, estou falando desde corrupção até casos que vão resultar em morte, o Comandante do Batalhão, que normalmente tem autonomia para afastar esse policial, ele vai ter que pedir para a Corregedoria, que por sua vez, vai pedir para o Subcomandante Geral. Então, o número dois da corporação que decide sobre cada um desses afastamentos. É um nível de politização da corporação sem precedentes, porque os comandantes de área têm que ter autonomia para decidir se eles vão afastar ou não um policial da rua, por qualquer que seja o motivo. Mas agora isso vai cair na mesa do número dois da Polícia Militar, o subcomandante. Tem um contexto, a pesquisa que mostra esse crescimento da letalidade policial, especialmente entre crianças e adolescentes, e tem essa proposta do governo do Estado de alterar o programa de câmeras, acabando com a gravação ininterrupta. Então, mesmo com a gravação ininterrupta, os índices estão crescendo. Imagina quando tirar a gravação ininterrupta. Isso é objeto de uma ação no STF que está no colo do Barroso. A Defensoria Pública do Estado, junto com a Conectas Direitos Humanos e o Justa, que entraram com essa ação tentando impedir que o Estado mudasse a política de câmeras e pedindo que expandisse para todo o Estado o programa porque tinha tido a Operação Escudo e uma alta mortalidade em intervenções por conta disso. Então, essa ação está em curso no Supremo. A Defensoria Pública tem defendido que a política pública não pode ter retrocesso. Então não pode substituir as câmeras que gravam ininterruptamente por uma tecnologia que depende do acionamento do próprio policial. O governo, por sua vez, diz que o novo modelo vai ser muito mais positivo, que vai ter outras tecnologias, não tem a gravação ininterrupta, mas vai ter reconhecimento facial e outras tecnologias. E por que é importante a gente falar sobre isso? Porque isso está agora em decisão na Suprema Corte e porque a Suprema Corte vai julgar a ADPF 635. E a gente precisa lembrar que na ADPF 635, a decisão por incorporar as câmeras de gravação ininterrupta era justamente pelo modelo.
Fernando de Barros e Silva: Fala para os nossos ouvintes, o que é a DPF? Primeiro, o que é uma ADPF e o que é a ADPF 635e a ADPF das favelas, chamada ADPF das favelas, que diz respeito ao Rio de Janeiro.
Samira Bueno: É uma ação que iniciou em 2019, a partir do pedido do partido, o PSB, que assumiu o nome de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635, que é conhecido como ADPF das Favelas, que basicamente denunciava o Estado do Rio de Janeiro pela violência policial em 2020, durante a pandemia de Covid-19. O relator era e ainda é o ministro Edson Fachin. E ele decide então algumas medidas cautelares, reconhecendo o que é chamado no mundo jurídico do estado de coisas inconstitucional. É um reconhecimento de que o Estado brasileiro tem um problema estrutural no caso do Rio de Janeiro, que não se restringe a um descumprimento da lei, mas uma condição sistemática de violação da Constituição e dos direitos dessas populações nas operações policiais do Rio de Janeiro. Então, o que ele vai dizer? Olha, a partir de agora, para vocês fazerem operações, vocês vão ter que seguir algumas regras. Então, notificar o Ministério Público antes da operação, já que cabe ao MP o controle externo da atividade policial. Enfim, uma série de regras que não impedem a polícia de fazer as operações, mas procura dar algum tipo de controle para essas ações que eram extremamente letais e que em 2019 vitimaram mais de 1800 pessoas no Rio de Janeiro.
Fernando de Barros e Silva: Atrocidade é um negócio inominável. Isso está sendo votado hoje, quinta feira, quando a gente grava para arrematar. Samira, qual a sua expectativa para a gente arrematar? Porque isso é bem importante. É uma briga… O governador Cláudio Castro, de maneira bastante oportunista, com aquele populismo vagabundo dele, está dizendo que a ADPF impede que a polícia faça o seu serviço. O seu serviço, segundo os parâmetros dele, é continuar com o padrão de matança que a gente observa regularmente no Rio de Janeiro. O que a gente espera disso? Em resumo, para arrematar o bloco.
Samira Bueno: Bom, a gente tem o voto do relator do ministro Fachin, que foi lido já tem umas duas semanas. Então vamos especular a partir disso. O que parece, a partir dali, da interação entre os ministros, que deve acontecer, muito provavelmente a Corte vai encerrar o estado de coisas inconstitucional, que é um dos pedidos do governo, tanto da prefeitura quanto do governo do Estado. Então ele vai reconhecer que existe aí uma tentativa do governo do Rio de Janeiro de responder às medidas impostas pela Corte, que estão tentando implantar uma política de controle da letalidade, mas isso com muitas condicionalidades. Então, com a publicação de indicadores mais detalhados de transparência para a gente entender em que contexto acontecem essas operações e essas mortes, qual é a corporação responsável? Muito provavelmente com o fortalecimento dos mecanismos de controle externo. Então, relatórios do Ministério Público, do MP que tratem disso. E aí eu acho que tem toda essa questão em torno das câmeras, dos mecanismos de controle. Porque se São Paulo acabar com a gravação ininterrupta, isso de algum modo, pode gerar um efeito dominó. Dá margem para que o Estado do Rio de Janeiro decida que vai mudar também a sua tecnologia de câmeras. E acho que isso é muito preocupante, porque se com as câmeras gravando ininterruptamente, a gente já tem um enorme problema para garantir o acesso a essas imagens pelos demais atores do sistema de justiça e para julgar policiais por crimes, Você imagina o que vai acontecer se a gente não tiver a gravação ininterrupta que está acontecendo em São Paulo. Não é só sobre São Paulo. Pode influenciar no contexto do Rio de Janeiro e a mesma coisa no Rio de Janeiro. O que ficar decidido hoje na ADPF 365, isso pode ter repercussão em vários outros estados. Num momento em que o Brasil inteiro está debatendo a questão do uso da força, vamos lembrar. Recentemente, o governo federal expediu uma legislação sobre o uso da força que governos de oposição se manifestaram. Contrariamente, o Caiado foi um dos líderes para criticar essa ação. Então, a legislação nacional sobre o uso da força, dizendo que não cabe ao governo federal definir, cabe aos governadores. Então, isso deve dar muito pano para manga ainda perfeito.
Fernando de Barros e Silva: Perfeito. É um avanço. De qualquer forma, do nosso ponto de vista, essa decisão do Supremo na lei, pelo menos a gente está avançando.
Samira Bueno: Com certeza. Eu acho que está muito claro que os governadores não têm sido capazes de controlar suas polícias. Então me parece positivo que o STF tenha entrado no assunto e pela primeira vez debatendo isso na segurança pública de forma estrutural. Então isso deve dar margem para várias outras decisões.
Fernando de Barros e Silva: Isso dá gancho para que você volte outras vezes. Olha, Samira, eu queria agradecer demais a sua presença. Eu sei que você interrompeu aí as suas atividades, que não são poucas. Para de conversar com a gente. Super obrigado! Portas sempre abertas aqui no Foro. Obrigado.
Samira Bueno: Eu que agradeço, pessoal.
Fernando de Barros e Silva: Bom, a gente encerra o terceiro bloco do programa. Vamos para um rápido intervalo e na volta tem Kinder Ovo, mas já voltamos.
Fernando de Barros e Silva: Muito bem, estamos de volta. Marina, hoje os convidados agora nos abandonaram. Vamos nós dois aqui é para ou impar ou vexame. 0 a 0, eu vou sugerir 0 a 0. Vamos lá, Mari. Solta aí, por favor.
Sonora: Eu enviarei todas as minhas energias e os meus esforços para que nós possamos construir soluções que possam efetivamente fazer com que a população brasileira enxergue um país melhor e, claro, no momento correto em que se discutam as eleições em 2026. Portanto, daqui a um ano e meio, devemos nós estar com a capacidade de unir o Brasil em torno daquilo que é fundamental para o futuro do nosso país.
Marina Dias: Caiado.
Fernando de Barros e Silva: É carioca, Marina
Marina Dias: Vexame. Sei lá, Unir o Brasil, Gente, eu pensei.
Fernando de Barros e Silva: É um carioca falando de carioca, bolsonarista, falando que ai não é carioca, nada. Putz, erramos feio. Quem fala é o governador do Pará, Helder Barbalho, em entrevista CNN Brasil. Ai, meu Deus do céu! Que vexame! Pode cortar o Kinder Ovo, Mari, finge que não existiu. Ai, ai.
Fernando de Barros e Silva: Bom, encerramos o Kinder Ovo dessa maneira vexaminosa. Vamos para as cartinhas. Correio elegante. Vamos lá.
Fernando de Barros e Silva: Muito bem, eu vou começar o correio elegante com um e-mail do Smalley Rodrigues. Espero estar falando certo. Seu nome Smalley, que escreveu o seguinte. Conheci o podcast em 2022, quando minha companheira Danira, a cientista social, me apresentou, inspirados pelas discussões profundas e pelo compromisso com a verdade que vocês promovem eu e Danira embarcamos em uma jornada de mais de 14h de carro de Belo Horizonte a Brasília para presenciar a posse do presidente Lula. Durante essa viagem, ao som do Foro de Teresina, decidimos unir nossas vidas e construir uma família. Hoje, nosso filho Jaci, com pouco mais de um ano, já é um ouvinte assíduo, mesmo que indiretamente. Este Correio é para agradecer a Daniela por me apresentar a vocês e por compartilhar comigo essa caminhada. Que o Jaci cresça absorvendo o espírito crítico e o compromisso com a democracia que o Foro de Teresina tem tão bem representa. Um abraço carinhoso a toda equipe, Osmar. Obrigado. Um beijo para vocês. Beijo para a família inteira. E vocês? Põe uma musiquinha para o Jaci, não faz ele ficar ouvindo Fórum de Teresina de Belo Horizonte a Brasília que tortura nisso daí.
Marina Dias: A Dara Giordani escreveu o seguinte: meu namorado, o Rômulo, é simplesmente apaixonado pelo programa. Eventualmente, quando vamos juntos à academia, escuto um coloca no Foro para a gente conversar depois. Então, queria a ajuda de vocês para responder…. Meu amor, eu amo você, mas preciso dizer você e a política nacional têm algo em comum: os dois treinam fofo, mas ainda tenho esperanças de que um dia você treine sem parecer que está carregando o país nas costas. Brincadeiras à parte, obrigada por ser a melhor pessoa que eu poderia ter na vida. Que a gente siga ouvindo o Foro, discordando no carro e torcendo para que um dia tanto o seu treino quanto a política nacional fiquem mais intensos e bem executados. Amo você. Amei Dara. Foi uma boa declaração de amor.
Fernando de Barros e Silva: Treinar fofo e treinar leve é um jargão de personal. Agora eu tô por dentro.
Marina Dias: É um homem fitness.
Fernando de Barros e Silva: Bom, vamos encerrando o programa de hoje por aqui. Se você gostou, não deixe de seguir e dar five stars para a gente no Spotify. Segue no Apple Podcast, na Amazon Music Favorita, na Deezer e se inscreva no YouTube. O Foro de Teresina é uma produção da Rádio Novelo para a revista Piauí. Durante a licença maternidade da Evelyn Argenta, a coordenação geral e da Bárbara Rubira. A direção é da Mari Faria, com produção e distribuição da Maria Júlia Vieira. A checagem do programa do Gilberto Porcidônio. A edição é da Bárbara Rubira e do Thiago Picado. A identidade visual é da Amanda Lopes. A finalização e mixagem são do João Jabace e Luís Rodrigues, da Pipoca Sound. Jabace e Rodrigues, que também são os intérpretes da nossa melodia tema. A coordenação digital é da Bia Ribeiro, da Emily Almeida e do Fábio Brisola. O programa de hoje foi gravado no estúdio Rastro, do Danny Dee, no Rio de Janeiro, nos estúdios em Brasília, na Agência de Podcast em São Paulo e na minha casa, em São Paulo. A gente dedica o programa de hoje ao Celso, a mãe do Celso, a Vanda. Eu me despeço então da minha querida amiga Marina. Muito obrigado por mais essa temporada com a gente. Você mais do que bem-vinda! Você já é da casa. Volte logo.
Marina Dias: Obrigada, Fernando. Eu queria agradecer. É um privilégio estar na bancada do Foro esse time incrível de produção, checagem, edição, direção da Mari. Vocês são tudo. E Fernando e o Celso? Vocês são brilhantes, vocês são divertidos, carismáticos. Então obrigada por me fazerem me sentir tão à vontade aqui. Eu espero ter conseguido representar bem a Ana Clara, que é uma repórter maravilhosa, a quem eu admiro muito. Passei vergonha no Kinder Ovo, acertei ume depois só foi vexame. Eu espero que ela me perdoe. É um beijo enorme e para os teresiners, obrigada por me receberem tão bem, gente!
Fernando de Barros e Silva: Marina, você é gênia da raça! É isso gente! Uma ótima semana a todos e até a semana que vem!