Anne Frank com um keffiyeh, o lenço palestino, em mural pintado em Bergen, na Noruega, por Töddel: os novos radicais de direita submeteram a visão que se tinha dos judeus no nazismo a uma verdadeira inversão, e essa mudança é um dos pilares do trumpismo e do bolsonarismo CRÉDITO: TÖDDEL_2024_CORTESIA DE TÖDDEL VIA JTA
A inversão do antissemitismo
O que era uma categoria de análise e proteção aos judeus está se tornando um instrumento político de acusação por parte da extrema direita
Em texto publicado na piauí deste mês, o professor Michel Gherman, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), responde às críticas que lhe foram feitas pela Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro (Fierj), depois de declarações que ele deu à Folha de S.Paulo, em 3 de agosto passado.
Na entrevista ao jornal, Gherman afirmou que o que está acontecendo em Gaza pode ser considerado um genocídio e apoiou a decisão do governo brasileiro de se retirar da Aliança Internacional para a Memória do Holocausto (Ihra, na sigla em inglês), entidade que, segundo ele, “pode ser usada para perseguir intelectuais críticos a Israel e à ocupação dos territórios palestinos”. O professor também disse à Folha que a acusação de que o presidente Lula é antissemita vem de interesses políticos específicos e não interessa aos judeus do Brasil.
Gherman coordena o Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos da UFRJ, e também participa de atividades acadêmicas e políticas, no Brasil e no exterior, o que inclui debates sobre as formas atuais do antissemitismo.
“Além disso, sou judeu – não exatamente um judeu secular. E tenho cidadania israelense. Já morei em Israel, sou pesquisador do Centro Internacional Vidal Sasson de Estudos do Antissemitismo, da Universidade Hebraica de Jerusalém, e costumo me definir como sionista em intervenções públicas”, ele escreve na piauí. “Apesar dessas ‘credenciais’, a Fierj, a entidade que deveria me representar no Rio de Janeiro como judeu, usou sua estrutura formal para me condenar. Em uma ‘nota de repúdio’, me acusou de produzir desinformação, de ter viés político e de colocar em ‘risco a integridade de toda a comunidade’. Pior ainda: afirmou que uso a minha origem judaica ‘como instrumento de validação de discursos que ferem profundamente a memória, os sentimentos e a segurança da comunidade judaica’.”
Para Gherman, a mobilização da estrutura de uma entidade representativa da comunidade judaica brasileira para destratar um intelectual judeu justifica, por si só, os temores sobre os quais ele falou na entrevista. “É a própria Ihra que dá munição política e jurídica a entidades para atacar as pessoas que criticam o governo de Israel e tudo que ele comete hoje em Gaza. Tais entidades fazem isso não raramente acusando essas vozes de antissemitismo, mesmo que tais vozes, como a minha, sejam de judeus.”
Segundo o professor, está havendo uma complexa colonização do judaísmo pela nova extrema direita: “Se antes os judeus eram vistos como os principais inimigos, hoje eles se tornaram os aliados privilegiados. Se antes os judeus não integravam o passado glorioso do Ocidente, hoje eles são vistos como os principais defensores desse mesmo passado. Se os judeus representavam para o nazismo um grupo racialmente degenerado e que ameaçava os brancos europeus, agora foram abertas para eles as portas da comunidade cristã e da branquitude. Se antes o antissemitismo era a principal manobra para ‘purificar’ as nações, hoje o antissemitismo se tornou uma forma de denúncia de todos os que se opõem ao projeto político da extrema direita.”
Gherman avalia que para bolsonaristas e trumpistas, Israel e os judeus tornaram-se escudos contra inimigos comuns. “Em um conflito ideológico e político entre o ‘bem’ e o ‘mal’, judeus e cristãos estariam do lado do bem, enquanto os esquerdistas, os multiculturalistas, os muçulmanos (entre eles, os palestinos) estariam do lado do mal.”
Com isso, o antissemitismo vai aos poucos deixando de ser uma categoria de análise e de proteção aos judeus e passa a ser um instrumento político de acusação. “Ser de direita, hoje, corresponde a ser filossemita. Ao passo que ser de esquerda virou sinônimo de antissemita.”
Assinantes da revista podem ler a íntegra do texto neste link.
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