Premiado com a Pena de Ouro no Festival de Cannes, The Square – A Arte da Discórdia vem agradando a um espectro diversificado de opinião qualificada FOTO: DIVULGAÇÃO
A irreverência mansa de The Square – A Arte da Discórdia
Indicado ao Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira, longa de Ruben Östlund pretende tocar de forma agressiva em feridas da sociedade sueca
Sátira por vezes mordaz, comédia de costumes indulgente, drama temperado, The Square, batizado no Brasil com o ininteligível adendo A Arte da Discórdia, talvez seja o primeiro filme da história do cinema derivado de uma instalação – um espaço vazio, uma zona livre dedicada à livre-expressão, onde qualquer um pode ir e pedir ajuda.
De fato, Ruben Östlund, diretor de The Square, e o produtor Kalle Boman, fizeram alguns anos antes uma instalação semelhante à incluída no filme, em quatro cidades, duas na Suécia e duas na Noruega.
Na praça de Värnamo, na Suécia, a instalação “criou certa celeuma”, Östlund declarou: “As pessoas iam e organizavam manifestações contra a violência ou contra o cancelamento de benefícios sociais por parte da prefeitura.”
Östlund, um provocador confesso, admite que a falta de agressividade da instalação o desagradou. Ao escrever e dirigir The Square, ele procurou, então, suprir essa carência de enfrentamento. Tomou o ambiente da arte contemporânea como cenário para falar “do nosso tempo e de como consideramos nossa responsabilidade, no nível pessoal e no da sociedade”.
Quando estava escrevendo o roteiro, Östlund diz ter sentido que “alguma coisa estava chata no filme. Não era suficientemente selvagem. Aí teve uma ideia: e se Anne (Elisabeth Moss) tiver um macaco em casa? […] Com isso, qualquer coisa pode acontecer. Você abre o filme para o público, ele está inseguro, você o põe em estado de alerta, você joga com ele. Você não sabe o que eu vou fazer com você”.
The Square pretende fazer uma análise crítica de dois aspectos atuais da sociedade sueca: “O condomínio fechado, que, prestando atenção, é uma maneira muito agressiva de dizer: ‘Eis o limite da nossa responsabilidade. O que está fora do portão nós encaramos como uma armadilha.’ De outro lado, nas partes mais pobres da cidade, há grupos que se chamam Máfia. E Máfia é uma maneira muito agressiva de dizer: ‘Nós não aceitamos as leis e regras dessa sociedade, nós temos nossas próprias leis e regras.’ Isso resultou de uma mudança de atitude na sociedade. Nós somos mais e mais individualistas.”
Fica explicitado assim, de forma clara, o objetivo de The Square ser um filme de intervenção, político portanto, no sentido de ter visão crítica da sociedade sueca e pretender colocar o dedo, de forma agressiva, em algumas de suas feridas. Cabe assinalar que, de forma talvez insuspeitada, é inevitável ver nas grandes cidades brasileiras imagens refletidas do condomínio fechado sueco e da Máfia de lá.
Presidido por Pedro Almodóvar e integrado, entre outros, por Maren Ade (Toni Erdmann, 2016) e Paolo Sorrentino (A Grande Beleza, 2013), o júri do Festival de Cannes de 2017 parece, em retrospecto, ter sido formado sob medida para premiar The Square com a Palma de Ouro, o que de fato ocorreu. Entende-se que o filme sueco tenha falado ao coração dos três iconoclastas do júri – um espanhol, uma alemã e um italiano.
Curioso é o filme também ter agradado a jurados menos irreverentes, como os da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, em Hollywood, que o selecionaram há dois dias, com outras quatro produções (Uma Mulher Fantástica, O Insulto, Sem Amor e Corpo e Alma), para concorrer ao Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira.
Essa capacidade de agradar a um espectro amplo e diversificado de opinião qualificada pesa a favor ou contra The Square? Como entender que a suposta acidez corrosiva de Östlund seja aceita nesses âmbitos? Seria uma maneira de espectadores privilegiados se eximirem da responsabilidade pelo que ocorre na tela, apropriando-se da mirada crítica do diretor e passando a considerá-la como sendo sua?
Uma carreira bem-sucedida como a de The Squaredeve ser decepcionante para um roteirista e diretor como Östlund. Afinal, foi ele quem declarou que “é inútil se eu exprimo algo e todo mundo concorda”.
Palma de Ouro? Indicado para concorrer ao Oscar? Se coerência for um valor para Östlund, ele terá percebido que sua rebeldia foi domesticada.
Essa é a sina do provocador. No filme, os convidados de uma recepção de gala chegam a reagir com violência extrema. No cinema, porém, quando a sessão termina e as luzes da sala são acesas, não há notícia de qualquer reação extremada. Cada espectador considera a hipocrisia que The Square quer denunciar como sendo alheia.
Nota: As citações de Östlund provêm de entrevistas disponíveis na íntegra nos sites The Art Newspaper, Collider e IndieWire.
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