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    Premiado com a Pena de Ouro no Festival de Cannes, The Square – A Arte da Discórdia vem agradando a um espectro diversificado de opinião qualificada FOTO: DIVULGAÇÃO

questões cinematográficas

A irreverência mansa de The Square – A Arte da Discórdia

Indicado ao Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira, longa de Ruben Östlund pretende tocar de forma agressiva em feridas da sociedade sueca

Eduardo Escorel | 25 jan 2018_18h41
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Sátira por vezes mordaz, comédia de costumes indulgente, drama temperado, The Square, batizado no Brasil com o ininteligível adendo A Arte da Discórdia, talvez seja o primeiro filme da história do cinema derivado de uma instalação – um espaço vazio, uma zona livre dedicada à livre-expressão, onde qualquer um pode ir e pedir ajuda.

De fato, Ruben Östlund, diretor de The Square, e o produtor Kalle Boman, fizeram alguns anos antes uma instalação semelhante à incluída no filme, em quatro cidades, duas na Suécia e duas na Noruega.

Na praça de Värnamo, na Suécia, a instalação “criou certa celeuma”, Östlund declarou: “As pessoas iam e organizavam manifestações contra a violência ou contra o cancelamento de benefícios sociais por parte da prefeitura.”

Östlund, um provocador confesso, admite que a falta de agressividade da instalação o desagradou. Ao escrever e dirigir The Square, ele procurou, então, suprir essa carência de enfrentamento. Tomou o ambiente da arte contemporânea como cenário para falar “do nosso tempo e de como consideramos nossa responsabilidade, no nível pessoal e no da sociedade”.

Quando estava escrevendo o roteiro, Östlund diz ter sentido que “alguma coisa estava chata no filme. Não era suficientemente selvagem. Aí teve uma ideia: e se Anne (Elisabeth Moss) tiver um macaco em casa? […] Com isso, qualquer coisa pode acontecer. Você abre o filme para o público, ele está inseguro, você o põe em estado de alerta, você joga com ele. Você não sabe o que eu vou fazer com você”.

The Square pretende fazer uma análise crítica de dois aspectos atuais da sociedade sueca: “O condomínio fechado, que, prestando atenção, é uma maneira muito agressiva de dizer: ‘Eis o limite da nossa responsabilidade. O que está fora do portão nós encaramos como uma armadilha.’ De outro lado, nas partes mais pobres da cidade, há grupos que se chamam Máfia. E Máfia é uma maneira muito agressiva de dizer: ‘Nós não aceitamos as leis e regras dessa sociedade, nós temos nossas próprias leis e regras.’ Isso resultou de uma mudança de atitude na sociedade. Nós somos mais e mais individualistas.”

Fica explicitado assim, de forma clara, o objetivo de The Square ser um filme de intervenção, político portanto, no sentido de ter visão crítica da sociedade sueca e pretender colocar o dedo, de forma agressiva, em algumas de suas feridas. Cabe assinalar que, de forma talvez insuspeitada, é inevitável ver nas grandes cidades brasileiras imagens refletidas do condomínio fechado sueco e da Máfia de lá.

Presidido por Pedro Almodóvar e integrado, entre outros, por Maren Ade (Toni Erdmann, 2016) e Paolo Sorrentino (A Grande Beleza, 2013), o júri do Festival de Cannes de 2017 parece, em retrospecto, ter sido formado sob medida para premiar The Square com a Palma de Ouro, o que de fato ocorreu. Entende-se que o filme sueco tenha falado ao coração dos três iconoclastas do júri – um espanhol, uma alemã e um italiano.

Curioso é o filme também ter agradado a jurados menos irreverentes, como os da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, em Hollywood, que o selecionaram há dois dias, com outras quatro produções (Uma Mulher FantásticaO Insulto, Sem Amor e Corpo e Alma), para concorrer ao Oscar de Melhor Filme em Língua Estrangeira.

Essa capacidade de agradar a um espectro amplo e diversificado de opinião qualificada pesa a favor ou contra The Square? Como entender que a suposta acidez corrosiva de Östlund seja aceita nesses âmbitos? Seria uma maneira de espectadores privilegiados se eximirem da responsabilidade pelo que ocorre na tela, apropriando-se da mirada crítica do diretor e passando a considerá-la como sendo sua?

Uma carreira bem-sucedida como a de The Squaredeve ser decepcionante para um roteirista e diretor como Östlund. Afinal, foi ele quem declarou que “é inútil se eu exprimo algo e todo mundo concorda”.

Palma de Ouro? Indicado para concorrer ao Oscar? Se coerência for um valor para Östlund, ele terá percebido que sua rebeldia foi domesticada.

Essa é a sina do provocador. No filme, os convidados de uma recepção de gala chegam a reagir com violência extrema. No cinema, porém, quando a sessão termina e as luzes da sala são acesas, não há notícia de qualquer reação extremada. Cada espectador considera a hipocrisia que The Square quer denunciar como sendo alheia.

Nota: As citações de Östlund provêm de entrevistas disponíveis na íntegra nos sites The Art NewspaperCollider e IndieWire.

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