A pergunta sem resposta
Ficar olhando o céu, a imensidão azul, as nuvens passando. Sempre gostei de cismar. Tudo tão grande e a gente tão pequeno, um pontinho assim, um quase nada. Um quase nada que pensa, que canta, que sonha, que escreve. Um quase nada que cintila infinito. Quem sou? De onde vim? Para onde vou?
Dindi, uma canção de amor, uma canção meditativa. Acho que a filosofia nasceu do encanto diante da contemplação do mundo, este grande espelho. Ad-miração. E nasceu também da impossibilidade que temos de compreender o mundo e a nós mesmos. Do espanto. Entendi bem quando li certa vez Aristóteles dizendo que a filosofia nascia do espanto e que o espanto revelava nossa ignorância e o nosso desejo de saber.
Imenso é o céu, imenso é o amor por Dindi, Dindi que é um apelido, um quase diminutivo, o infinitamente grande no infinitamente pequeno:
Ouço Dindi desde menina. Aprendi a canção ouvindo Sylvinha Telles, num LP da Elenco, aqueles de capa em preto e branco, Bossa, Balada e Balanço, um disco lindo, produzido por Aloysio de Oliveira que é o autor da letra e que depois de ter feito esta letra pra Sylvinha, casou-se com ela. Sylvinha é Dindi. E Dindi canta tão lindo. Nasceu no Rio, em 1935 e morreu muito jovem, em 1966. Cantava, tocava violão e piano. Ela fez a passagem do samba- canção, mais carregado de emoção, com mais vibrato na voz, para o canto cool da bossa-nova, expressão de um modo mais leve de ser, de um sofrimento mais delicado, mais ameno. Quando a gente escuta Maysa cantando Dindi, a gente sente a diferença do modo do sentir espelhando-se no modo do cantar.
Sylvinha situa-se, assim, no meio, no ponto de mutação da canção brasileira, entre o canto cool de Astrud Gilbert e o canto emocionado de Maysa.
Neste disco, que é todo orquestrado, um primor, lindos arranjos, lindas canções, Sylvinha gravou uma versão belíssima de Midnightsun. Conheci primeiro a versão, Sol da meia-noite. Só depois conheci a deslumbrante gravação de Ella e Oscar Peterson.
Pois é, Sylvinha gravou uma versão da canção que Ella havia gravado, Ella gravou uma versão da canção que Sylvinha gravou, as cantoras e as canções conversando entre si, através do espaço e do tempo…
Dindi, canção sublime, que fala do amor, da impermanência, da felicidade e tristeza da existência. A eternidade do instante, a fugacidade da vida. Fico cismando. Ouço cantar Sylvinha. Com ela aprendi tantas canções, canções que tocava no violão, em longas tardes azuis, canções que nunca mais esqueci, que estão aqui comigo, na voz de Sylvinha, na minha memória, nos CDs que posso ouvir. Mas e Sylvinha? E as nuvens? Ubi sunt? Onde estão?
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