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questões cinematográficas

A separação – da eloquência à mudez

Diante de um juiz de paz do qual só se ouve a voz, o casal argumenta, sentado lado a lado, apresentando suas razões para pleitear o divórcio. Próximos fisicamente, a incompreensão recíproca mantém marido e mulher a uma distância intransponível. É assim o primeiro plano – longo e fixo – de A separação, escrito e dirigido por Asghar Farhadi.

| 25 jan 2012_17h29
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Diante de um juiz de paz do qual só se ouve a voz, o casal argumenta, sentado lado a lado, apresentando suas razões para pleitear o divórcio. Próximos fisicamente, a incompreensão recíproca mantém marido e mulher a uma distância intransponível. É assim o primeiro plano – longo e fixo – de , escrito e dirigido por Asghar Farhadi.

Esse enquadramento frontal da cena de abertura remete a inúmeros planos de casais em crise, desde os de Cenas de um casamento (1973/4), de Ingmar Bergman, ao de Edifício Master (2002), de Eduardo Coutinho, mas difere dessa ilustre linhagem. Para concluir o filme, Asghar Farhadi altera a imagem inicial – no último plano, visto agora de perfil e separado por uma divisória de vidro, o casal emudecido aguarda a decisão crucial da filha. Reduzido ao silêncio, marido e mulher já não tem qualquer poder de influir por ter perdido o direito à palavra.

O que narra, do primeiro ao último plano, é justamente essa passagem da eloquência à mudez. A firmeza temperada de teimosia do casal do início desencadeia conflitos que vão se agravando pelo uso abusivo da palavra. Marido e mulher, além dos demais personagens, mais falam do que agem, sendo sempre persuasivos. Em contraponto, o pai portador de Alzheimer e a filha adolescente são vítimas silenciosas.

À medida que a narrativa avança, as opções feitas  baseadas em argumentos sólidos, expostos e defendidos com convicção, levam, invariavelmente, a consequências cada vez mais desastrosas. O que a princípio parece objetivo e racional, mesmo sem ser necessariamente verdadeiro, são, de fato, escolhas pessoais determinadas por interesse próprio, nem sempre feitas com a melhor das intenções. Certezas se  transformam em dúvidas e a grande vítima, ao final, é a filha adolescente, constrangida a fazer uma escolha impossível.

Encenado em tom realista, filmado com sobriedade visual, narrado com eficácia e simplicidade, trata seus personagens com dignidade, sem deixar por isso de expor a fragilidade de caráter que os condena a sofrer.

Há duas semanas, Luiz Paulo Horta escreveu no Globo (15/1/2012) sobre sua tentativa de “descobrir por que o cinema argentino vem dando de dez na produção nacional”. A questão é antiga, mas a hipótese de Horta é curiosa.

Uma razão possível, segundo ele, é “que aqueles às vezes irritantes portenhos estão em contato com […] ‘o sentimento trágico da vida’. Por aqui”, diz Horta, “o sentimento trágico não é tão comum. […] somos do batuque. E o fervor futebolístico também não resulta em tristeza. […] Assim o sentimento trágico vai sendo exorcizado. O país é muito grande: quando aperta por aqui, desaperta por ali. Daí o filósofo Pagodinho querer que a vida o vá levando, não se sabe para onde.[…]

Mas como aqui ninguém acredita em tragédia”, completa Horta, “vamos gastando perdulariamente as vantagens de um cenário que tende a mudar. Com as nossas carências de infraestrutura, não iremos longe na competição com a China. Mas isso não é para já. Então, por que não pedir mais um chope, e ouvir o sambinha que acabou de sair do forno?”

Pode-se discordar de Luiz Paulo Horta, mas não há como negar que a hipótese dele dá o que pensar. O batuque talvez seja explicação simplória, mas é preciso reconhecer que o cinema argentino contemporâneo, assim como o iraniano, é mesmo superior ao brasileiro.

Se “o sentimento trágico da vida” diferencia os filmes portenhos, no caso dos iranianos a dignidade dos personagens é uma das principais diferenças em relação à média dos filmes brasileiros.

parece ter potencial para uma carreira comercial longa. No fim de semana de estreia (20 a 22 de janeiro), em 14 cinemas, teve média de 996 espectadores por sala, um bom resultado considerando que As aventuras de Tintim teve média de 806 por sala no mesmo período. 

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