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A tralha de Van Gogh

O suicídio de Vincent Van Gogh aos 37 anos em Auvers, perto de Paris, é sempre evocado como a última nota trágica da vida melancólica daquele que se tornou o pintor mais caro e famoso de sua geração, mas que em vida não conseguiu vender um quadro sequer. Recentemente surgiu uma nova versão menos convincente, segundo a qual o artista não teria se suicidado, mas tentado ocultar um tiro acidental de dois adolescentes que não desejava comprometer.

A carta mostrada nesta página é datada de dois meses antes do provável gesto desesperado do pintor em julho de 1890. Van Gogh acabava de terminar um longo tratamento num asilo de Saint-Rémy de Provence e preparava-se para partir para Paris, onde planejava permanecer apenas quinze dias e seguir para Auvers.

| 08 nov 2011_18h43
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O suicídio de Vincent Van Gogh aos 37 anos em Auvers, perto de Paris, é sempre evocado como a última nota trágica da vida melancólica daquele que se tornou o pintor mais caro e famoso de sua geração, mas que em vida não conseguiu vender um quadro sequer. Recentemente surgiu uma nova versão menos convincente, segundo a qual o artista não teria se suicidado, mas tentado ocultar um tiro acidental de dois adolescentes que não desejava comprometer.

A carta mostrada nesta página é datada de dois meses antes do provável gesto desesperado do pintor em julho de 1890. Van Gogh acabava de terminar um longo tratamento num asilo de Saint-Rémy de Provence e preparava-se para partir para Paris, onde planejava permanecer apenas quinze dias e seguir para Auvers.

O pintor escreve para o casal Ginoux, que o hospedara quando chegara em Arles, quatro anos antes, e com quem mantivera boa amizade.  A senhora Ginoux foi retratada várias vezes como “A Arlesiana” e uma dessas versões encontra-se hoje no Museu de Arte de São Paulo. Van Gogh também pintou o resto da família, tanto o senhor Ginoux, como todos os seus filhos.

A imensa maioria das cartas de Van Gogh é hoje conservada no arquivo do museu que leva seu nome em Amsterdã, e muito poucas estão ainda em coleções privadas. Algumas são ilustradas com esboços de seus quadros.

A carta aqui reproduzida parece ter um conteúdo banal, pois sua verdadeira importância não revela-se imediatamente, e talvez por isso tenha sido mal compreendida e descrita apenas como uma carta sem maior relevância nos leilões pelos quais passou, quando os especialistas deixaram de entender seu aspecto mais comovente.

Van Gogh escreve para Ginoux para desculpar-se de não ter podido ir a Arles despedir-se pessoalmente do casal ao deixar o asilo em Saint-Rémy, e para pedir-lhe um simples favor: mandar para Paris o que sobrara de tralha sua guardada na casa dos Ginoux.

O paupérrimo pintor pede que suas coisas sejam mandadas pelo trem mais lento para Paris ? para poupar no preço do transporte ? e chega a sugerir que os colchões de palha das camas sejam esvaziados, pois voltar a enchê-los em Paris custaria mais barato que o preço do transporte da palha:

“O objetivo desta é lhes pedir para mandar por trem de velocidade lenta minhas duas camas e os colchões que ainda estão com vocês… Quanto ao resto dos móveis, ainda há o espelho que eu gostaria também de ter. Se vocês puderem colar sobre ele fitas de papel para impedir que se quebre, serei grato. Com relação as duas cômodas, cadeiras e mesas, peço-lhes que as aceitem pelo trabalho que dei…”.

Uma carta com conteúdo semelhante de Toulouse-Lautrec ou Monet, seus contemporâneos, não teria de fato qualquer interesse, pois ninguém lembra especialmente de seus móveis. No caso de Van Gogh, a cama, cadeiras, mesa e espelho que menciona figuram entre os móveis mais famosos da história da pintura, pois a mobília simples e à qual o pintor refere-se na carta é a de seu quarto em Arles, pintado por ele em quatro versões que se encontram hoje em alguns dos maiores museus do mundo. De todos os quadros de Van Gogh, a vista de um ângulo do modesto cômodo onde dormia é certamente um dos mais populares e mais presentes na retina coletiva do público, por ter sido reproduzido em massa desde os anos 1930.

Esta carta de forte poder de evocação foi leiloada pela última vez há trinta anos e permaneceu numa coleção privada européia até 2009, quando foi adquirida pelo seu atual detentor.

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