Descobrindo o Irã CO
Abbas Kiarostami – a outra história
Ivonete Pinto, jornalista, autora de Descobrindo o Irã (Artes e Ofícios, 1999), e editora da revista Teorema, escreve de Porto Alegre esclarecendo “a outra história” a que Richard Brody se referiu no blog da The New Yorker, mencionada no final do post anterior, e lembrando que ao menos da parte dela fez o possível para divulgar a condenação de Jafar Pahani, ocorrida há alguns meses.
Ivonete Pinto, jornalista, autora de (Artes e Ofícios, 1999), e editora da revista Teorema, escreve de Porto Alegre esclarecendo “a outra história” a que Richard Brody se referiu no blog da The New Yorker, mencionada no final do post anterior, e lembrando que ao menos da parte dela fez o possível para divulgar a condenação de Jafar Pahani, ocorrida há alguns meses.
Entre dezembro e janeiro passados, Ivonete Pinto esteve no Irã e teve oportunidade de perguntar ao próprio Kiarostami, diante de um auditório lotado, depois da projeção de Sea Egg, um curta-metragem dele sobredois ovos que resistem às batidas das ondas do mar, “o que ele, com toda sua força, iria fazer para tentar tirar Panahi da prisão”. Em matéria publicada em Zero Hora (8/1/2011), ela conta que a plateia aplaudiu a pergunta e a resposta de Kiarostami.
Para surpresa geral, naquela noite, Kiarostami, considerado um cineasta que não se interessa por política, “foi incisivo, afirmando que jamais tinha visto situação como aquela, um cineasta ser condenado a ficar 20 anos sem filmar”. Ivonete assinala, por outro lado, que Kiarostami é o autor do “roteiro de Ouro Carmim (2003), assinado por Panahi. Um filme de denúncia bem diferente dos dirigidos por Kiarostami.
Dada a falta de informação no país, as pessoas do auditório “acreditavam que Panahi já estivesse preso de fato e não em prisão domiciliar. Na verdade houvera uma condenação, mas era preciso que um juiz decretasse a prisão dele”. Ivonete encontrou, “casualmente, Kiarostami no aeroporto quando saía do Irã e perguntou novamente sobre a situação de Panahi. Ele respondeu tranquilamente que havia visto o amigo há dois dias, na casa dele”. Diante da surpresa de Ivonete, certa de ele que estava preso, “Kiarostami disse que há um jogo de forças entre Panahi e Ahmadinejad. Um jogo para mostrar ao mundo quem pode mais”.
Na matéria publicada na Zero Hora em janeiro, Ivonete explica que, apesar do prestígio internacional, os filmes de Kiarostami não são lançados no Irã por não serem considerados comerciais. No dia da exibição de Sea Egg, o debate se concentrou no sentido das “metáforas [que] estavam em jogo numa produção que mostra apenas as ondas do mar batendo violentamente contra um rochedo onde estão três ovos pertencentes a aves das quais só ouvimos os sons”. Na ocasião, um crítico “observou que os ovos, apesar da violência descomunal das ondas, não se quebraram, apenas foram sendo retirados do lugar”.
Advertida por um amigo que ela era a única pessoa da plateia que poderia perguntar por Panahi, uma vez que “o evento era realizado num lugar público, na presença de várias autoridades ligadas à cultura e da imprensa”, Ivonete perguntou a Kiarostami “se ele tinha intenção de iniciar algum movimento, dentro e fora do Irã, para conseguir a libertação do colega de trabalho”. Depois de alguns segundos de silêncio, Kiarostami falou pela primeira vez no Irã sobre a prisão de Panahi. Disse que, “em princípio, é contrário a movimentos, pois não acredita neles como estratégia para conseguir algo. Mas que, diante de situação tão absurda, tão inaceitável, não sabia o que pensar, muito menos como agir. E questionou: como é possível prender um diretor de cinema por um filme que ele sequer filmou? Não há uma imagem editada sequer desse filme que Panahi está sendo acusado de fazer”.
Kiarostami contou também que “nunca em sua vida, isto é, nem na época do Xá, viu alguém ser impedido de trabalhar, de exercer seu ofício por 20 anos”.
Os jovens que ouviram Kiarostami, conta Ivonete, “ficaram visivelmente felizes porque ele teve coragem de se manifestar em público e de maneira contundente, no estilo do amigo preso”.
No dia seguinte ao debate, segundo contaram os amigos de Ivonete, “nenhuma palavra sobre Panahi. Apenas sobre os ovos sendo atacados pela ondas do mar”.
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Segundo a Folha de S. Paulo de sábado, foi divulgado quinta-feira (3/11) manifesto dirigido ao governo brasileiro, assinado por cineastas a atores presentes à Mostra Internacional de São Paulo, pedindo que o Brasil defenda, nas próximas reuniões da ONU, os direitos de cineastas, jornalistas e professores universitários presos no Irã, e peça que sejam soltos.
É um gesto modesto, mas significativo. Para não confirmar o ceticismo de Kiarostami, porém, seria preciso fazer algo mais.
Aos festivais e mostras de cinema que se multiplicam país afora, caberia exibir filmes dos cineastas iranianos e arregimentar apoio para o manifesto, pressionando o governo brasileiro a tomar posição a respeito.
No site Pipoca Moderna, Leonardo Torres esclarece que o manifesto, dirigido à presidenta Dilma Rousseff, foi organizado por Jorge Furtado: “Em carta aberta, Furtado compara a trajetória de Makhmalbaf [o cineasta iraniano Mohsen Makhmalbaf]com a de Dilma: ‘Ele tem uma história parecida com a sua: lutou corajosamente contra uma ditadura em seu país e por isso foi preso. Quando a ditadura terminou, ele emprestou seu talento para a construção da liberdade (…) Se aqui no Brasil esta história acabou bem e hoje vivemos numa democracia, no Irã a luta pela liberdade está bem longe de um final feliz’, escreveu o diretor [Jorge Furtado] no documento.”
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