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    Trecho do ofício assinado pelo ministro de Minas e Energia, que "sugere" o rompimento de outros contratos do setor se o acordo com a Âmbar não vingar

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ELETROGATE É UM ESCÂNDALO EM QUE NADA É O QUE PARECE

Como o TCU e o governo estão irmanados para presentear os irmãos Batista com um acordo bilionário

Breno Pires | 18 jul 2024_09h40
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Na aparência, o Tribunal de Contas da União (TCU), presidido por Bruno Dantas, está querendo que o Ministério de Minas e Energia, comandado por Alexandre Silveira, trate com zelo o dinheiro público e reavalie um acordo bilionário em favor da Âmbar, a empresa de energia dos irmãos Wesley e Joesley Batista. No jogo de cena, o acordo foi conduzido pelo ministro Alexandre Silveira, à revelia dos ministros do TCU. Na realidade, é tudo o contrário do que parece: o TCU e o Ministério de Minas e Energias estão irmanados numa operação destinada a viabilizar o acordo que beneficia os irmãos Batista – custe o que custar.

A piauí, em sua edição de julho, publicou uma reportagem mostrando que o TCU criou uma nova unidade, a Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos, conhecida como SecexConsenso, que veio a se transformar num balcão de negócios bilionários e nebulosos. Um dos acordos, detalhado na reportagem da revista, une o TCU, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e o Ministério de Minas e Energia para favorecer a Âmbar. Pelos termos do acordo, a empresa dos irmãos Batista garante receitas de 9,4 bilhões de reais, pagas pelos cofres públicos, mesmo depois de descumprir contratos de quase o dobro desse valor com o governo.

A operação pública que está tentando fazer a plateia de boba começou no início do mês, quando a piauí publicou sua reportagem relatando o caso Âmbar, que alguns já começam a tratar de eletrogate. O primeiro movimento deu-se por meio de insinuações públicas de que o TCU não tinha nada a ver com o acordo selado pelo governo. De fato, o tribunal arquivou, mas isso é uma meia verdade. O TCU arquivou porque sua área técnica foi contra o acordo, mas os ministros, em plenário e publicamente, fizeram questão de dizer que achavam o acordo uma boa alternativa – e que o governo poderia, deveria até, assiná-lo. Dois ministros – o relator Benjamin Zymler e seu colega Antonio Anastasia, aliado do ministro Alexandre Silveira – chegaram a manifestar “simpatia” pelo acordo. O presidente do TCU, Bruno Dantas, também mencionou “angústia regimental” diante do desfecho lógico do caso, a rejeição do acordo, pois a regra que os próprios ministros criaram para o balcão de negociação – a SecexConsenso – exigia consenso, que não existiu no caso. Ou seja: o TCU não era contra o acordo que arquivou. Mas, na verdade, o TCU criou a inusitada situação em que recomendou que o governo firmasse um acordo que acabara de arquivar.

O ministro Alexandre Silveira não perdeu tempo – e selou o acordo. Pelo arranjo, os contratos da Âmbar Energia, que somavam 18,7 bilhões de reais, foram reduzidos para 9,4 bilhões. Em vez de durarem 44 meses, foram ampliados para 88 meses. Nesse redesenho, a empresa deixa de gerar energia constantemente e passa a fazê-lo sob demanda. E a multa da empresa pelo descumprimento dos quatro contratos, que poderia chegar a até 6 bilhões de reais, ficava fixada em apenas 1,1 bilhão de reais. Assinado o acordo, em 18 de abril, o ministro Silveira mandou a papelada para o TCU avalizá-lo num prazo de sessenta dias. Às vésperas do prazo, o tribunal voltou a se reunir, mas havia um elemento novo: a área técnica do TCU voltou a se manifestar contra o acordo e, desta vez, com mais clareza. O relatório revelado pela piauí é contundente em afirmar que o acordo é desvantajoso para a União e para os consumidores de energia e que deveria, por isso, ser rescindido imediatamente, com aplicação de multas e penalidades, que podem chegar a 6 bilhões. 

Constrangido com a manifestação tão incisiva da área técnica, o ministro Benjamin Zymler decidiu não decidir. Não aprovou o acordo, nem o rejeitou, e disse que ainda não era o momento adequado para tomar uma posição definitiva.

Nesse meio tempo, Lucas Furtado, o procurador do Ministério Público que atua junto ao TCU, apresentou seu parecer – igualmente incisivo contra o acordo. Ela cita a reportagem da piauí e o relatório da área técnica – afirma que “movimentos do Poder Público que estariam beneficiando a empresa Âmbar […] e podem estar atentando contra a isonomia com outras empresas do setor […] e acarretando prejuízos aos consumidores de energia elétrica que, ao final, são os que pagam as contas”.

 Por fim, pede que o TCU suspenda o acordo com a Âmbar até que tudo seja esclarecido. Com seu parecer, Furtado estava a um passo de melar a operação do TCU e do governo para beneficiar os irmãos Batista. Sabe-se que a forma mais eficaz para evitar que Zymler atendesse o pedido do procurador e suspendesse o acordo era noticiar que ele estava prestes a fazer exatamente isso. É o mesmo modus operandi de um candidato ao Supremo Tribunal Federal: basta seu nome aparecer na lista de apostas para começar a ser queimado pelos adversários.

E deu certo: Zymler não aceitou a suspensão pedida pelo procurador – apenas pediu informações às partes envolvidas. Ponto para o TCU, o governo e os irmãos Batista. Começaram então as notas, plantadas pelos interessados, dizendo que o acordo, na verdade, era uma excelente saída. Nos bastidores, Bruno Dantas e Alexandre Silveira têm espalhado que há risco de que os consumidores, sem o acordo, tenham que arcar com 18,7 bilhões de reais. A tese foi descartada pela AudElétrica, a unidade de auditoria do TCU especializada no setor de energia. Um relatório técnico, de 21 de junho, sustenta que, como a Âmbar não entregou as usinas que devia ter construído, e ainda descumpriu o prazo de entrega, o cenário mais prejudicial para a União representaria um pagamento de 9,7 bilhões à empresa. Esse valor fica muito próximo dos 9,4 bilhões do acordo. É como se, no acordo, o governo e o TCU dessem como certa a derrota na Justiça, apesar do fato de que a única inadimplente foi a empresa. Difícil de engolir.

O movimento mais ousado aconteceu na terça-feira, dia 17. E, mais uma vez, não era nada do que parecia ser. Deu-se o seguinte: o ministro Alexandre Silveira mandou um ofício ao TCU sugerindo “a suspensão e análise imediata de todos os acordos” na área de energia – e não apenas o referente à Âmbar. A sugestão, dizia o ofício, era uma “medida de cautela, de equidade e para que a isonomia dos atos administrativos praticados seja preservada, em respeito a todos os princípios que regem a Administração Pública”. Em outras palavras: uma cartada e tanto. Os outros empresários afetados são os donos de termelétricas do banco BTG e da empresa turca KPS, que fizeram acordos com o governo que já estavam em execução. A “sugestão”, claro, destinava-se a ampliar a pressão sobre o ministro Benjamin Zymler ao colocá-lo no labirinto: ou aprova o acordo com a Âmbar, ou vai ter que arcar com o peso de cancelar todos os outros acordos.

Tanto que, até então, o Ministério de Minas e Energia não vinha se manifestando sobre o caso das usinas da Âmbar publicamente. A justificativa é que o caso era sigiloso por estar sob análise do TCU. O ofício do ministro, no entanto, foi amplamente divulgado pelo ministério e, em pouco tempo, foi amplamente noticiado. Era para simular, em público, “cautela, equidade e isonomia”.

No mercado de energia e entre os advogados que atuam no setor, o ofício do ministro caiu como era: uma bomba para tentar salvar o acordo com a Âmbar, que precisa desse arranjo para se manter de pé financeiramente. A cartada do ministro foi interpretada como uma ameaça forte para favorecer os Batista. Primeiro, porque acordos desse tipo não são feitos no atacado, mas caso a caso, dadas as tremendas especificidades de cada um. Depois, porque os outros acordos não foram questionados pelas áreas técnicas do TCU nem pelo Ministério Público. Por que então deveriam agora ser suspensos e entrar no balaio dos acordos nebulosos?

Todos os movimentos do ministro de Minas e Energia são feitos em sincronicidade com os do presidente do tribunal, Bruno Dantas, que amplificou seus poderes ao amarrar esses acordos de interesse do Palácio do Planalto, em especial o da empresa dos Batista, próximos do presidente Lula. Se dependesse de Dantas, o acordo já teria sido aprovado no início de abril, quando Zymler recomendou o arquivamento diante das divergências internas e manifestou sua “simpatia”. O tribunal até mudou a regra que exigia consenso, uma semana antes do julgamento sobre o acordo da Âmbar, mas foi tamanho o casuísmo que o relator Benjamin Zymler recusou-se a aplicar a regra nova – até porque o presidente da Câmara, Arthur Lira, havia ameaçado abrir uma CPI sobre o negócio. Uma eventual rescisão com a empresa está fora de cogitação no governo – por isso as diversas e desgastantes tentativas de manter os contratos vivos. Silveira, porém, insiste em ter o aval formal do TCU, seguindo recomendação da Advocacia-Geral da União (AGU).

A dificuldade é que, depois que o caso veio a público, o TCU quer se esquivar do acordo pró-irmãos Batista. A Aneel, que aprovou os termos do acordo, ainda que sem o mesmo entusiasmo dos ministros do TCU, não tem se movimentado na discussão. Todos tentam, no momento, diluir as suas responsabilidades na celebração do acordo. Mas o que mais temem é deixá-lo ruir e, assim, deixar na mão o grupo J&F, que no governo Lula 3 expandiram sua influência sobre o setor energético.

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