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    Na cabeça, nas camisetas e até em uma mochila com tela de led: não há espaço que apoiadores de Marçal não encontrem para promovê-lo Foto: Gabriela Sá Pessoa

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A vida em Marçal City

Um gibi e um encontro de figuras improváveis na porta da TV Globo

Gabriela Sá Pessoa, de São Paulo | 04 out 2024_17h30
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Duas pistas da Avenida Chucri Zaidan, na Zona Sul de São Paulo, foram fechadas. Em frente ao Edifício Jornalista Roberto Marinho, sede paulista da TV Globo, carros, motos e ônibus se espremiam para atravessar um mar de apoiadores estridentes de Pablo Marçal (PRTB). Faltava mais de uma hora para o debate entre os candidatos à prefeitura de São Paulo, o último antes do primeiro turno. O ex-coach, candidato azarão que dominou a pauta da eleição até aqui, havia convidado seus eleitores para recebê-lo em frente à emissora, naquela quinta-feira.

“Faz o M! Faz o M!”, gritavam alguns, acenando efusivamente para os veículos que trafegavam lentamente na rua. Houve quem respondesse o gesto, buzinasse ou gritasse de volta, em apoio. Nos ônibus, a maioria dos passageiros encarava a cena com indiferença ou irritação. 

Homens, mulheres, crianças, jovens, idosos. Gente de terninho, jaqueta puffer e camiseta. Os tipos presentes à manifestação eram variados. O boné com a letra M, onipresente – tanto no azul padrão quanto numa versão rosa, decorada com glitter na aba. Uma mulher – saia lápis, camisa branca, quepe de piloto de avião e bota de couro preta coberta de adesivos com o número do PRTB – aplicava os colantes em qualquer um que passasse pela calçada. Nas caixas de som, jingles com batida de funk e piseiro embalavam os presentes, eufóricos.

Thiago Furtado, de 33 anos, mostrava ao mundo seu gibi: “Pablinho conquista Marçal City.” Ilustrada por ele, a revistinha conta a história de um menino corajoso que luta contra a “gangue da miséria”. A quem não tenha entendido, o autor explica: Marçal City é uma versão ficcionalizada de São Paulo. Na capa, vê-se a silhueta do edifício Altino Arantes, mais conhecido como Prédio do Banespa; no topo dele, flamula a bandeira paulistana. Vê-se também o arranha-céu de 1 km de altura que o ex-coach promete construir. “As pessoas lá de fora, com o projeto do maior prédio do mundo, vão querer conhecer o Brasil”, explica Furtado.

Ele mora no interior do Rio de Janeiro, onde nasceu. Desembarcou em São Paulo naquele mesmo dia, disposto a apoiar Marçal e também a levantar recursos. Levou consigo camisetas estampadas com o rosto do candidato, que vendia a 60 reais. Quem comprasse levava de brinde o gibi, idealizado para crianças. “Vim aqui para apoiar a campanha de forma indireta”, ele explicou. Pretendia retornar ao Rio de Janeiro dali a poucas horas, depois do debate.

Nos quadrinhos, a “gangue da miséria” é descrita como “uma turma de pessoas vilãs, pessoas más que querem dominar a cidade e pensar só em interesses próprios, não no interesse do povo”. Seus integrantes mais notáveis são quatro: Dapena, Boules, Chatabata e Bananinha. 

A sorte dos habitantes de Marçal City, diz a história, é que, “no meio do povo, tem um menino corajoso, determinado, que quer salvar a cidade”. É Pablinho. Na segunda página, o conteúdo lúdico se transmuta em campanha explícita: o primeiro plano de governo de Pablinho é “melhorar o trânsito”. O desenho mostra uma ambulância presa no engarrafamento, mas tudo se resolve com a construção de um teleférico. As pessoas aparecem caminhando felizes.

Furtado trabalhava como técnico de manutenção elétrica numa indústria. Agora, está “migrando pro mercado digital” em busca de rendimentos maiores. “É por isso que tenho um pouco mais de conhecimento do Pablo Marçal, do seu ecossistema – que é como eles falam do grupo de sócios e tal.” Para explicar seu novo ramo profissional, recorre a expressões como gestão de tráfego, copywriter, XGrow, Hotmart. O resumo é: tudo está à venda na internet, e pessoas como ele estão atrás de uma comissão. “É um mercado muito promissor”, garante Furtado.

Os gibis vendidos por Thiago Furtado e um amigo continham uma versão infantil do plano de governo de Marçal (Foto: Gabriela Sá Pessoa)

 

A Polícia Militar não estimou a quantidade de apoiadores de Marçal ou de Guilherme Boulos (Psol), que também foram à emissora recepcionar seu candidato. O UOL contou “mais de 500” em favor do ex-coach e “mais de 100” apoiando o deputado federal. Militantes do Unidade Popular (UP), partido socialista fundado em 2016, também compunham a paisagem. Protestavam porque seu candidato, Ricardo Senese, não foi convidado para o debate.

Apesar das provocações, o encontro de torcidas transcorreu sem problemas. Às nove da noite, a exatamente uma hora do início do debate, um homem ergueu os braços sobre a multidão e acendeu um sinalizador. “Uh, Marçal chegou!” Bandeiras, balões, bonés, celulares em riste – todo mundo se espremeu para participar daquele clímax. O candidato apareceu num carro preto, cujo capô era adornado com uma pequena bandeira do Brasil e uma de São Paulo – símbolos geralmente presentes em veículos oficiais, a serviço de autoridades, coisa que Marçal não é. O ex-coach se enfiou no teto solar e, do topo do carro, acenou para os apoiadores.

“Ele é foda”, Suzana Aramuni, de 39 anos, comentou com o marido assim que Marçal se recolheu novamente ao assento do carro. Gaúcha, ela mora em São Paulo desde 2021, no Tatuapé. Estava na porta da emissora desde as 19h30, e sua maquiagem permanecia impecável apesar da garoa fina e insistente que caía na cidade. O boné azul marinho, com um M estampado, contrastava com seu visual todo branco, com blazer e calça de alfaiataria. 

“Fui mãe solteira, de três filhos, trabalhava de segunda a sábado, não tinha tempo pros meus filhos, não tinha tempo pra passear. Era só a função da casa. Também fazia faxina e unha pra complementar minha renda”, diz Aramuni. “Quando conheci o Pablo Marçal, descobri a oportunidade de trabalhar com marketing digital, de ter liberdade geográfica, de poder passar mais tempo com a minha família”. Desde então, garante, sua renda “mais do que triplicou”. Fatura, pelas próprias contas, cerca de 30 mil reais por mês. O dinheiro provém da venda de inscrições para concursos de beleza, como o Musa do Brasileirão, e de “um treinamento na internet que a gente vende para ensinar outras mulheres a também viverem da internet”.

 

Mas nem só de internet vivem os seguidores de Marçal. Hugo Bittencourt, 25 anos, mora em Búzios (RJ) e está há três meses em Alphaville “por causa do Marçal”. “Vim trabalhar com marketing e tô aproveitando o hype pra vender boné do Marçal”, ele diz, carregando três exemplares na mão. Um adesivo enorme com a letra M estampa sua camiseta preta. Os bonés eram comercializados a trinta reais. Quando conversamos, Bittencourt já tinha vendido cinco.

A pernambucana Elisabete Figueiredo, de 41 anos, também seguiu o ex-coach até São Paulo. Mudou-se para “empreender através da tecnologia”. Ela conta que, atualmente, vende lanches e doces por meio dos canais digitais de Marçal e nos eventos promovidos por ele. Em frente à sede da Globo, postava-se atrás de uma barraquinha com café – o M adesivado na garrafa térmica –, sanduíche natural e sucos sem açúcar. O combo com os três custava 20 reais. 

Encostado no portão da emissora, Fabricio Morais, de 20 anos, disse que só sairia dali quando visse Marçal novamente. Trazia no pescoço um crachá com a foto do candidato, onde lia-se em letras maiúsculas: ALUNO. Como tantos outros, aproveitava a ocasião para vender bonés com a marca registrada de seu ídolo. Perguntei se não estava interessado em assistir ao debate. “Ah, só depois mesmo.” Pretendia ver tanto os cortes publicados nas redes sociais quanto a íntegra, explicou. Mais tarde naquela noite, embarcaria num ônibus rumo a Caraguatatuba, no litoral norte, onde vive e vota. Planejava retornar à capital no sábado (5), por questões comerciais: ainda tinham sobrado trinta dos cinquenta bonés que mandou confeccionar.

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