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    Ilustração: Carvall

anais da brutalidade

As novas caras do neonazismo no Brasil

Disfarçada de encenações e fantasias ingênuas, a higienização da memória move suas peças no tabuleiro do ódio

Felipe Poroger e Pedro Beresin | 23 jun 2023_13h21
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— Você já viu os discursos do Hitler? Já viu como ele usava a música, uma orquestra toda no palco? É um troço incrível, vi num vídeo de história do YouTube. Me interessa muito a história do nazismo e do Hitler. Eu sei que ele fez coisas erradas, mas não dá para negar: o cara era genial.

O rapaz estava lá para estofar um sofá. Mas achou por bem puxar papo, enquanto realizava sua tarefa. Dentre todos os assuntos possíveis, por que não partilhar a sua mais recente descoberta sobre Hitler?

O estofador não sabia, mas conversava com um judeu. Sobre as atrocidades, a barbárie, o horror, nada foi dito. Na fala sobre discursos e música, lá estava a imagem de Hitler ressignificada e limpa. Enquanto passava pano no sofá, sem se dar conta passava também pano na história. 

A cena é verídica, recente e sintomática de tempos em que a popularidade de Hitler no Brasil não para de subir. Entre 2015 e 2022, de acordo com monitoramento feito pela antropóloga Adriana Dias, o número de células neonazistas no Brasil passou de 72 para 1117. Mais da metade (587) surgiu entre outubro de 2021 e novembro de 2022. 

Em artigo publicado na piauí em outubro de 2022, Michel Gherman e Anita Efraim abordaram o crescimento do antissemitismo no Brasil e o associaram diretamente à política extremista de Jair Bolsonaro. Analisando discursos e episódios de sua gestão, alertaram que o então presidente, com gramática de inspiração nazista, oferecia “salvo-conduto para ataques a judeus e outras minorias. (…) Essa lógica é a mesma que o próprio Fuhrer utilizava na Alemanha dos anos 1930. Antes da solução final, apesar de não defenderem ataques abertos a judeus e outros grupos, os nazistas produziam um ambiente de ódio tão perene que seus eleitores se sentiam autorizados e compelidos a praticar violência”. 

Se Gherman e Efraim pensaram o crescimento do extremismo sob perspectiva política — denunciando a responsabilidade de Bolsonaro —, pode-se acrescentar mais um termo nessa equação: a exploração da fragilidade da memória na construção de um novo cenário de expansão do antissemitismo e do culto ao nazismo.

Em 2023, completam-se 90 anos da chegada de Hitler ao poder na Alemanha. E, para muitos, as nove décadas que separam a atualidade do horror nazista são mais do que suficientes para que suas atrocidades se tornem eventos do passado, facilmente esquecidos, banalizados ou transfigurados.

No caso brasileiro, a distância socioespacial também entra na equação. Historicamente assolado por extenso catálogo de barbáries contra diversos grupos minoritários, o Brasil nunca foi tido como um país no qual antissemitismo e neonazismo pudessem assumir dimensões alarmantes — nem nas estatísticas e muito menos no imaginário de sua população. 

E é justamente nesse cenário, quando um imaginário está desocupado, que a reescrita da história encontra seu terreno mais fértil.

Na última semana de abril, o Observatório Judaico dos Direitos Humanos do Brasil publicou seu Relatório de Eventos Antissemitas e Correlatos no Brasil, documento que mapeou atos de natureza neonazistas e antissemitas no país entre julho e dezembro de 2022.

Os eventos elencados no documento incluem elogios a Hitler em sala de aula, pichações com suásticas, além do crescimento sistemático de células neonazistas que já não temem se fazer notar.

Em outubro passado, em um dos 64 eventos ocorridos entre julho e dezembro de 2022, quatro jovens foram presos por integrarem o grupo neonazista “Nova SS de Santa Catarina”. Para além de armas, braçadeiras e bandeiras com suásticas, símbolos da SS e outras iconografias nazistas, foram apreendidos vídeos e mensagens trocadas pelo grupo. 

Em uma das gravações, dois dos integrantes colam a caricatura de um judeu — com sorriso malicioso e esfregando as mãos, em gesto de ganância — em um aparelho televisor. Com um capacete de proteção e uma jaqueta preta na qual se lê “Destrua o mundo moderno”, um deles saca uma arma e dá um tiro na caricatura. Na sequência, com uma bomba, explodem o aparelho.

Chocantes pela virulência descarada, manifestações como essa são, no entanto, pontos extremos e caricatos da verborragia antissemita e neonazista. Ao se aproveitarem de símbolos de identificação imediata como suásticas e articulações antissemitas corriqueiras, como a associação entre judaísmo e poder financeiro , são atos facilmente reconhecíveis por sua explícita dramaticidade.

Há, no entanto, formas mais sutis e perversas, que se vulgarizam na surdina. Aquelas que, ao invés de atacarem frontalmente a veracidade do Holocausto, apenas se disfarçam de ignorância, desatenção ou ingenuidade para deslocarem o genocídio para fora da cena. 

Em 25 de dezembro de 2022, o deputado federal e delegado Paulo Bilynskyj (PL-SP) publicou um tuíte louvando seu avô, Bohdan Bilynskyj, um ex-membro da SS, polícia nazista, que teria lutado “uma guerra mundial contra o comunismo”. Cinco meses depois, no último 17 de maio, Bilynskyj reincidiu e subiu à tribuna da Câmara para novamente exaltar seu avô e sustentar a sua versão distorcida da invasão nazista da Ucrânia, que teria sido “uma guerra mundial para libertar a Ucrânia das garras do comunismo”.

O fato de a SS ter auxiliado a sustentar o regime nazista na Ucrânia, que exterminou cerca de 1,5 milhão de judeus, não lhe pareceu problemático. Na verdade, esse fato sequer existe na história narrada pelo deputado. Em sua forma de rememorar os eventos da Segunda Guerra, o Holocausto, o massacre de Babi Yar, os judeus e outras vítimas do genocídio nazista simplesmente não existem. 

Na fala do deputado, não vemos a negação do genocídio nazista, tampouco a explícita exaltação de sua ideologia. Fazê-lo, afinal, seria crime. Como alternativa, espelha um comportamento cada vez mais comum na Alemanha e em outras partes da Europa, onde certos grupos antissemitas bem como adeptos e simpatizantes da ideologia neonazista têm adotado estratégias evasivas para postular o extremismo. 

Pelo esvaziamento da carga histórica de símbolos nazistas, substituição do discurso de supremacia racial pelo da incompatibilidade cultural e a propagação de uma nova forma de revisionismo histórico, a estratégia é relativizar os fatos ao invés de contestá-los. Neutraliza-se, assim, o que há de mais podre na memória do nazismo, criando uma universo dissociado e purificado, onde homens bárbaros podem ser admirados e cultuados. 

Com o horror fora de cena, é possível falar de música e espetáculo como o estofador ou de conquistas militares, como o deputado. De forma silenciosa e conveniente, manifestações como essas desenham um processo mais refinado e igualmente sinistro de reelaboração da história: a higienização da memória, um mecanismo que começa com o esvaziamento das chagas do passado para que, então, uma vez feita a limpeza do terreno, se possa encaminhar a construção macabra de ódios futuros.

Em julho do ano passado, no Colégio Militar do Rio de Janeiro, a Diretoria do Patrimônio Histórico e Cultural do Exército (DPHCEx) organizou uma encenação para celebrar a criação do distintivo da Força Expedicionária Brasileira (FEB), constituída para lutar na Segunda Guerra Mundial. 

Na cerimônia, com a participação de civis e militares, uma bandeira nazista foi hasteada, e alguns homens, vestidos com trajes nazistas, realizaram a saudação do Terceiro Reich. Ao ser questionado, o Exército alegou se tratar de um recurso estritamente ficcional, para dar “maior realismo à encenação”. Desconsiderou, para isso, que suásticas, gestos e figurinos carregam marcas e peso simbólico e histórico. 

No final de outubro do ano passado, um novo teatro: em caso também catalogado pelo Observatório, duas crianças de colégios particulares, uma em Aracaju (SE), outra em Presidente Prudente (SP), comemoraram o Dia das Bruxas vestidas de Adolf Hitler. Tanto os pais quanto os professores parecem não ter percebido qualquer problema: uma delas foi até fotografada com a turma em sala de aula, exibindo a suástica no braço, emulando a pose espalhafatosa do ditador. 

Cercado por bruxas, por uma aranha gigante e pelo boneco assassino Chuck, Adolph Hitler aparece no imaginário dos presentes como mais uma figura no amplo repertório do terror popular. Hitler é transfigurado em um personagem ficcional e de entretenimento, desassociado de seus crimes contra a humanidade, torna-se disponível para a livre imaginação.

Na esteira do teatro militar que buscou “maior realismo à encenação” e do Halloween que revestiu o nazismo de fantasia pop, a limpeza da carga dos símbolos encontrou outra face macabra no município de Casca (RS), após o resultado das eleições presidenciais.

Circularam pelas redes sociais mensagens de bolsonaristas sugerindo que serviços, comércios, escritórios e consultórios pertencentes a eleitores de Lula marcassem seus estabelecimentos com uma estrela vermelha. O intuito era intimidar e constituir um regime visual de segregação idêntico ao implementado na Alemanha da década de 1930, no qual judeus que eram obrigados a se identificarem publicamente com estrelas de David costuradas na roupa. A mensagem foi veiculada em outras regiões do país, chegando a ser repostada no Instagram por Regina Duarte. 

Quando não pela violência explícita, a emergente antissemitização brasileira se esgueira, portanto, pela ressignificação da simbologia visual e desassociação de suas origens históricas. Uma vez esvaziado o passado — ou concomitante a esse processo —, chega-se à segunda etapa da higienização da memória

É dado início à construção de um futuro de inspiração nazista por um segmento específico da população; uma parcela cuja problemática e atrofiada relação com o passado abre campo para o extremismo: o nazismo chega às salas de aula das novas gerações. 

Na manhã de 25 de novembro de 2022, em Aracruz (ES), um jovem de 16 anos chegou à sua antiga escola, arrombou o cadeado do portão e entrou. Em posse de duas pistolas, atingiu onze pessoas — duas delas, professoras, morreram ainda no local. Na sequência, dirigiu-se a uma segunda escola, onde matou uma criança de 12 anos e feriu outras duas pessoas.

Sobre a roupa camuflada, o rapaz vestia uma braçadeira com símbolo nazista. Mais tarde, descobriu-se também que seu pai, um policial militar, tinha compartilhado em uma rede social a imagem do livro Mein Kampf, de Adolf Hitler, que foi apagada após o crime.

Poucos dias depois, em Contagem (MG), os funcionários e alunos de uma escola municipal se depararam com um cenário de horror: ao chegarem na instituição, testemunharam vidros, janelas e mesas quebradas, salas depredadas e paredes pichadas com suástica e o nome de Hitler.

Os casos, cenas aterrorizantes com explícita associação nazista, fazem parte do conjunto de 43 violações ocorridas em ambientes escolares por motivação neonazista e/ou antissemita no Brasil em 2022. Os três anos anteriores, somados, registraram quinze. 

O recorte do extremismo em escolas, ao qual o relatório dedica um capítulo em separado, é acompanhado de um breve perfil do comportamento das crescentes células nazistas brasileiras. Como já apontava o monitoramento da socióloga Adriana Dias, vitimada por um câncer no início de 2023, os agrupamentos são caracterizados por atuarem em plataformas como Facebook, Instagram, Twitter, Telegram, fóruns online, endereços da deepweb ou outras redes de menor projeção, como a VK (russa) e a Gab (norte-americana). 

“Nesses espaços proliferam discursos antissemitas, racistas, xenofóbicos, misóginos, homofóbicos, em que, em geral, pessoas declaradamente neonazistas se expressam livremente”, aponta o relatório.

Em 16 de agosto, em mais um caso ilustrativo, dessa vez em Santos (SP), os alunos da Escola Estadual Primo Ferreira foram alvos de ameaça de um massacre por meio de uma mensagem publicada em um grupo de WhatsApp intitulado “Massacre 16” que dizia: “Estejam preparados para serem baleados.” Além da ameaça, havia ofensas racistas, saudações a Adolf Hitler e uma menção à reeleição de Bolsonaro.

A associação entre juventude, sociabilidade digital e neonazismo não é fortuita. Para além das trocas estratégicas de métodos e discursos incendiários, o ambiente digital extremista oferece ao menos duas poderosas iscas às novas gerações. 

A primeira, um sedutor sentimento de pertencer ao coletivo. Afinal, a vivência de quem nasce digitalizado é aquela de ser convencido, a cada instante, do abismo incontornável entre a própria solidão e a alegria de todo o resto. Enquanto Instagram, Facebook e similares oferecem galerias de felicidade, a experiência não compartilhável do vazio é calada em nome da boa aparência. Lidar com a alteridade torna-se lidar com tudo aquilo que não sou; com a festa na qual não tenho o direito de ingressar. 

Em dezembro de 2022, um caso ilustrativo: de acordo com o Estado de Minas, um adolescente de Ubá (MG), ao ser apreendido com um machado e desenhos que esboçavam um massacre escolar, alegou que a motivação para o crime era “a insatisfação com o colégio, além de estar infeliz com a família e com a própria vida”. A notícia relata também que o jovem teria utilizado o celular da avó para pesquisar vídeos que o ajudariam a pensar em como realizar o crime. 

Não se trata de afirmar, com isso, que a internet ou as redes sociais teriam inventado violências dessa natureza. A longa lista de massacres encabeçados por jovens, dentro e fora de escolas, dentro e fora do Brasil, evidentemente antecede a criação de espaços online de interação social. 

Não é de se negligenciar, porém, o papel decisivo desse duplo movimento realizado pela imersão na virtualidade: o reforço da solidão lado a lado com a criação de redutos para que essa mesma solidão encontre seus pares e seu antídoto pela violência. Pela troca de conteúdos extremistas e eleição de alvos comuns, o ódio encontra sua sala de conforto. Despido de freios, ressalvas e julgamentos, o que é abominável torna-se banal.

À promessa de pertencimento coletivo, soma-se a tão ou mais sedutora sensação de pertencimento à história. Nesse ponto específico, as redes parecem oferecer, mais uma vez, tanto o agravamento de uma doença social quanto seu suposto antídoto.

A virtualização, afinal, é a vitrine principal de uma época que investe incessantemente na novidade e na baixíssima durabilidade de objetos e vínculos. Circular digitalmente é circular por um ambiente ditado pelo presente imediato, onde tudo é descartável (fotos, stories, postagens, ideias, trocas) e nada se solidifica. 

Na busca por caminhos para suprir a instabilidade de um tempo carente de portos seguros, poucas estratégias são tão atraentes quanto o engajamento em causas que trazem em si marcas de longevidade. Da mesma maneira, poucas modalidades de violência e perseguição são tão persistentes e duradouras quanto o antissemitismo. Assim como poucas figuras resistem tanto no imaginário popular quanto Hitler. Tornar-se membro de uma longa tradição, nem que seja pela chave da violência e do extermínio, é fantasiar a saída do anonimato para inserir-se no curso da história.

Devastadoras por suas consequências imediatas e alarmantes pelo crescimento, as brutalidades nas escolas revelam a sua dupla direção: resgatar o antissemitismo do passado é torná-lo também projeto de futuro.

No último 20 de abril, o ministro da Justiça, Flávio Dino, anunciou que 3.403 policiais federais e estaduais estariam trabalhando nas investigações e ações da Operação Escola Segura. Criada para monitorar, investigar e expedir mandados de busca e apreensão de suspeitos de arquitetar ataques a escolas pelas redes sociais, a operação parecia especialmente atenta àquela data. 20 de abril, afinal, marcava os vinte anos do massacre de Columbine e os 134 anos do nascimento de Hitler.

Como divulgado pela BBC Brasil na semana anterior, a empreitada foi mobilizada após compartilhamento em grupos de WhatsApp de mensagens, fotos, vídeos e áudios anunciando supostas ameaças de ataques a escolas. “Em um dos casos, a mesma foto com uma ameaça de conteúdo neonazista foi compartilhada em diversos grupos como sendo uma imagem do campus de quatro universidades diferentes”, completa a notícia.

O episódio, dentre tantos outros casos dos últimos meses — alguns deles reportados pela piauí na reportagem Santa Catarina e a multiplicação de células neonazistas, publicada na edição de maio —, escancara que as comportas do antissemitismo, abertas durante o governo Jair Bolsonaro, não foram fechadas com sua derrota eleitoral.

Até porque, à posição singular que o Brasil ocupa no avanço do ódio, soma-se o fato de que o avanço neonazista e antissemita é tendência global. Semanas antes do lançamento do relatório do Observatório Judaico no Brasil, um monitoramento elaborado pela Universidade de Tel Aviv, em parceria com a ONG Anti Defamation League (ADL), apontou o crescimento alarmante em vários outros países em 2022.

Nos Estados Unidos, por exemplo, ​​foram registrados 3.697 incidentes antissemitas — 36% a mais do que no ano anterior. É o maior índice desde o início do monitoramento, criado em 1979. Além do país norte-americano, Bélgica, Hungria, Itália e Austrália registraram aumento. Aumento que se reflete não só em números, mas em permissividade de exploração pretensamente inofensiva do imaginário nazista.

No último mês, o mundo tem discutido o caso de Roger Waters, ex-integrante do Pink Floyd, que durante show em Berlim em 17 de maio, subiu ao palco com um uniforme da SS e simulou fuzilar a plateia com uma metralhadora. Para o músico, assim como para tantos que se puseram a defendê-lo, tudo não passou de uma encenação. 

No que chamou de “evidente declaração em oposição ao fascismo”, Waters — que em outras ocasiões associou Israel com o assassinato de George Floyd e alegou existirem conspirações judaicas na indústria musical e na política norte-americana — achou por bem fazer sua perfomance no berço do nazismo, onde apenas no primeiro semestre de 2022 a chamada Polícia Federal Criminal (BKA) alemã registrou 965 casos de antissemitismo. 

Na frente das milhares de pessoas presentes na Mercedes-Benz Arena — empresa que durante o regime nazista se valeu do trabalho escravo de milhares de judeus aprisionados em campos de concentração —, Roger Waters lega ao imaginário popular (e aos milhões que terão acesso aos vídeos do show) uma cena de banalização do horror nazista. Como ícone pop, cujos gestos assumem valor de legitimidade, Waters parece desconsiderar que oferece, aos que flertam com o antissemitismo, imagens poderosas de chancela ao ódio.

Muito se discute no judaísmo o direito e o dever à memória. Como cultura de um povo historicamente perseguido, a tradição judaica se assenta justamente na transmissão geracional de testemunhos de resistência a séculos de barbáries e destruições sistemáticas, das quais o Holocausto é o mais recente capítulo. 

Na forma de encenações, dramatizações, fantasias ingênuas, esvaziamentos simbólicos, a higienização da memória move suas peças no tabuleiro do ódio. Reconhecer o neonazismo em suas novas formas, dando-lhe a devida gravidade e chamando-o pelo nome, passa por reconhecer que a memória — em vez de uma rememoração vazia de tempos distantes — é um intrincado campo de batalha. 

Será nesse campo, agravado por uma era que rompe seus laços com o passado, que a bifurcação entre civilização e barbárie será, mais uma vez, decidida.

 

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