Béla Tarr – um resistente
Ver pela primeira vez um filme de Béla Tarr é uma revelação e comprova a existência de focos de resistência ao poder e à glória do cinema dominante.
No recém publicado Sobrevivência dos vaga-lumes (Belo Horizonte: editora UFMG, 2011), é Georges Didi-Huberman quem contrapõe a luz intermitente – o lampejo – dos resistentes à “claridade ofuscante do poder”. E indica que os vaga-lumes só desaparecem se o espectador renunciar a segui-los.
Ver pela primeira vez um filme de Béla Tarr é uma revelação e comprova a existência de focos de resistência ao poder e à glória do cinema dominante.
No recém publicado Sobrevivência dos vaga-lumes (Belo Horizonte: editora UFMG, 2011), é Georges Didi-Huberman quem contrapõe a luz intermitente – o lampejo – dos resistentes à “claridade ofuscante do poder”. E indica que os vaga-lumes só desaparecem se o espectador renunciar a segui-los.
Partindo de Pier Paolo Pasolini, o ensaio faz a crítica do pensamento apocalíptico e conclui tratando de um filme feito, em 2002, na periferia do campo da Cruz Vermelha, em Sangatte, na França, onde refugiados afegãos e iraquianos tentam atravessar o túnel sob o Canal da Mancha para chegar à Inglaterra (Border, de Laura Waddington).
Não devemos desesperar, portanto, nem mesmo diante do gigantismo e dos holofotes do Festival do Rio. Em meio à avalanche de espetáculos comerciáveis, há também vaga-lumes à disposição de quem se dispuser a vê-los – “seres luminescentes, dançantes, erráticos, intocáveis e resistentes enquanto tais – sob nosso olhar maravilhado.” (G. Didi-Huberman, p.23)
O Cavalo de Turim (2011), dirigido por Béla Tarr, é um desses filme que nos protege do pessimismo. Exibido na sala lotada do Instituto Moreira Salles, com raras desistências durantes as 2h26’ de projeção, tem por tema a passagem do tempo. Em preto e branco, com poucos planos sequências, e diálogos esparsos, é um filme sobre duas agonias – a de Nietzsche, narrada apenas no prólogo em voz off sobre fundo preto, que fica a cargo do espectador imaginar, e a de um cocheiro, sua filha, e o cavalo deles, que narrada em detalhes, sem artifícios.
Dividido em seis partes, cada uma correspondendo a um dia, O Cavalo de Turim se detém na rotina cotidiana banal do pai e sua filha no casebre de pedra onde moram isolados do mundo – vestir-se ao despertar para enfrentar o frio, tomar um gole de aguardente, pegar água no poço, cozinhar duas batatas e comer, tentar alimentar o cavalo que desde o início recusa o alimento, limpar a cocheira, sentar diante da janela e observar a desolação da paisagem castigada por um vendaval incessante.
Além de duas intervenções, uma de um vizinho em busca de aguardente que dá notícias da destruição causada pelo vendaval na cidade, outra de um grupo de ciganos em busca de água, o único evento a quebrar a rotina é o poço secar, forçando o pai a decidir partir. Levando seus poucos pertences em uma carroça, ele, a filha e o cavalo desaparecem por trás do alto do morro, reaparecendo pouco depois a caminho de volta para casa.
A razão de volta é um enigma que o filme não procura esclarecer. Ao se aproximar o final, os lampiões deixam de acender e cessa o vendaval. E depois do cavalo, primeiro a filha, depois o pai, no sexto dia, também param de comer. É o início do fim.
Em O Cavalo de Turim, o sétimo dia não terá sido de descanso.
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