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Béla Tarr visto por Walter Carvalho

“Tór Bila” é a pronuncia em língua húngara do nome do cineasta radical Béla Tarr, com quem tive dois encontros em Budapeste. Todas as pessoas com quem mantive contato para marcar um encontro com ele, me diziam que não conseguiria por se tratar de um cineasta avesso a entrevistas.

| 14 out 2011_19h13
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“Tór Bila” é a pronuncia em língua húngara do nome do cineasta radical Béla Tarr, com quem tive dois encontros em Budapeste. Todas as pessoas com quem mantive contato para marcar um encontro com ele, me diziam que não conseguiria por se tratar de um cineasta avesso a entrevistas.

Consegui na última volta das tentativas de uma longa conversa, assistida pelo fotógrafo Lula Carvalho, no complexo de estúdios Filmgyár, em Budapeste, onde ele tem a produtora dele – TTFilműhely.

No primeiro encontro, depois de ter assistido ao trailer do seu penúltimo filme, na época, (2007), perguntei por que o único plano do trailer exibido no hall do cinema antes da sessão, não fazia parte do filme, e a resposta veio de pronto: “porque o plano não era do filme e sim do trailer”.

Acertamos que faria uma entrevista com ele quando voltasse para filmar Um filme de cinema, documentário que realizo há mais de dez anos. São conversas com realizadores, onde procuro entender melhor a questão da linguagem cinematográfica, tomando como foco principal a construção do plano – a unidade fundamental.

Quando voltei a Budapeste, Béla Tarr propôs que nosso encontro fosse na sala de montagem, e eu aceitei de pronto. Cheguei na hora marcada em sua produtora e, como ele ainda não havia chegado, fui encaminhado para preparar a filmagem pelo seu assistente. Foi aí que me deparei com a sala equipada com uma mesa de montagem Prevost e não uma ilha de edição  digital. Pude constatar com meus próprios olhos que o cineasta mais radical da Hungria monta seus filmes pelo métodos analógicos tradicionais. Havia na sala a famosa caixa de madeira com tiras de planos pendurados em pregos sem cabeça. Béla Tarr é ainda um dos poucos resistentes.

Verifiquei ainda que as latas contendo copiões e magnético perfurado 17,5 mm espalhavam-se por todas as estantes onde pude ler nos rótulos, “A Torinoi ló” (O cavalo de Turim), seu filme mais recente, então em montagem, exibido este ano em Berlim e no Festival do Rio.

No primeiro momento da conversa, já sentado em frente à mesa de montagem, Béla Tarr fitou a câmera armada à sua frente e perguntou com um leve sorriso: “Película? 16mm?” Sorriu com certa alegria por trás dos olhos azuis, fumando um cigarro após o outro.

Na largada, já respondendo uma das minhas primeiras indagações sobre o tempo longo dos seus planos, ele me diz que quando era jovem leu uma declaração de Jean-Luc Godard afirmando que “o verdadeiro cineasta corta o plano na câmera”.  Ficou em silêncio por um instante, como se refletisse por algum tempo, e sentenciou: “De repente, ele esqueceu, mas eu não”.

Ainda sobre o tema do tempo e a duração de seus planos, ele comenta: “É um truque. Estou brincando com o tempo. É só isso. O tempo é uma dimensão da nossa vida e tudo está acontecendo no tempo… a maioria dos filmes exclui o tempo, estão apenas prestando atenção nas histórias. Ação, corta, ação corta, ação corta. Neste caso, você vai perder muitas coisas que você pode ter na vida e acredito que a arte de verdade tem que estar mais próxima da vida do que do mercado. É só isso”.

A entrevista seguiu normalmente, e quando já estávamos prontos para encerrar nossa conversa, pedi que ele fizesse uma caminhada para eu filmar. Havia montado um travelling nas dependências da sua produtora, mas ele não concordou: “Eu não sou ator… Você precisa encontrar um ator que possa me representar”, disse com simpatia e concluiu: “Eu vi há duas semanas um filme sobre meu produtor francês, que cometeu suicídio, e alguém me representou. Você pode pedir para esse ator… (risos). Quando eu estou pensando e tento te contar, respondendo suas perguntas, estou sendo eu mesmo. Mas se eu caminho só porque você está me induzindo a caminhar para a câmera, nesse caso, não estou mais sendo eu mesmo. É disso que não gosto. Sou velho demais para isso. Eu procuro ser eu mesmo, este é meu privilégio.”

Mas concordou que eu o acompanhasse com a câmera até seu automóvel e antes fez pose para que pudesse fotografar seus olhos azuis, sua leve calvíce e um discreto rabo de cavalo. Despedimo-nos. E eu falei Köszönöm, das poucas palavras que ousei pronunciar em húngaro e que significa obrigado.

A razão pela qual que escolhi o cineasta húngaro para participar do meu filme, Um filme de cinema, foi o fascínio que seu cinema provoca nas plateias onde os filmes são vistos. Embora tenham público restrito nos lançamentos comerciais, seus filmes impressionam enormemente quando exibidos nos festivais como Berlim e Cannes.

Béla Tarr faz filmes para quem gosta de ver cinema. Seus planos são longos e por isso o público pode contemplá-los como se contempla um quadro, uma escultura ou um poema ou mesmo quando assistimos uma orquestra numa sala de concerto. (Walter Carvalho, Fotógrafo e cineasta)

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