minha conta a revista fazer logout faça seu login assinaturas a revista
piauí jogos

    Em destaque, os aliados de Bolsonaro que agora se engalfinham: Max Guilherme (à esq.), Fabrício Queiroz (no centro) e Hélio Lopes (ao fundo). A foto foi publicada por Queiroz em uma rede social Foto: Reprodução/rede social

questões eleitorais

Bolsocanibalismo

Aliados de Bolsonaro, entre eles Queiroz, brigam pelo apoio do presidente na eleição e aprofundam o racha na base do governo

Thais Bilenky | 21 jan 2022_12h58
A+ A- A

“Não simpatizo com o Queiroz. Nada contra, mas… Ele não fala comigo, o Max também não. Aqui todo mundo é bom demais”, ironizou Waldir Ferraz, em conversa com a piauí. Assessor de imprensa de Jair Bolsonaro até 2018, ele é um amigo de longa data da família. O Queiroz a quem se refere é Fabrício Queiroz, outro ex-assessor, apontado como operador do esquema de desvios salariais no gabinete de Flávio Bolsonaro, quando este era deputado na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj). Max, por sua vez, é Max Guilherme, ex-sargento do Bope (Batalhão de Operações Policiais Especiais), hoje assessor especial da Presidência da República. Os três – Ferraz, Queiroz e Max Guilherme – querem se eleger deputados federais este ano, recorrendo ao mesmo predicado: “amigo de Bolsonaro.” Antes de brigar por votos, eles disputam o título de aliado mais fiel – ou, por outro ponto de vista, de maior traidor – do presidente.

A revista Veja publicou nesta quinta-feira (20) uma entrevista com Ferraz na qual ele admite a apropriação de salários de servidores da Alerj – a famosa rachadinha –, mas afirma que o esquema era comandado pela ex-mulher de Bolsonaro e então chefe de gabinete de Flávio, Ana Cristina Valle. Ferraz não menciona Queiroz, figura central nas investigações do Ministério Público sobre o caso. Ainda assim, conforme revelou o jornal Metrópoles, Queiroz atacou Ferraz horas depois de a entrevista ser publicada. “Se isso é amigo, imagina se fosse inimigo. Esse traste não vale que o gato enterra [sic]”, escreveu o ex-assessor, ao republicar a imagem da capa da Veja. O perfil da rede social onde ele fez o comentário é privado.

Ferraz se apressou em negar a autenticidade da entrevista assim que foi divulgada. “A repórter me sacaneou”, disse à piauí, alegando que suas declarações haviam sido distorcidas. E respondeu às críticas feitas por Queiroz. “Ele me julga desse jeito, o que eu posso fazer? Eu nunca o julguei. Tudo o que eu sabia [sobre a rachadinha] era o que estava na imprensa. Sempre fiz questão de não saber nada de ninguém. Se ele me ofende desse jeito, não posso fazer nada.”

Usar as redes sociais para passar recados é um artifício comum entre os bolsonaristas. Em julho, Queiroz publicou uma foto em que aparecia ao lado de Bolsonaro, Max Guilherme, o deputado federal Hélio Lopes (PSL-RJ) e o advogado Fernando Nascimento Pessoa, hoje assessor no gabinete de Flávio no Senado. “É! Faz tempo que eu não existo pra esses três papagaios aí! Águas de salsichas literalmente!!! Vida segue”, escreveu na legenda. Respondendo a um comentário na postagem, Queiroz poupou Bolsonaro. “Não sou nenhuma vítima. No post, faço referência a três pessoas, que são ingratas. Mais nada. Não tem nada a ver com o presidente”, afirmou o ex-assessor. Em outra resposta, contudo, soltou uma clara ameaça: “Minha metralhadora está cheia de balas.” Depois que a publicação repercutiu na imprensa, Queiroz apagou a foto de sua rede social e alegou que só havia feito a postagem para detectar “petistas infiltrados” entre seus seguidores.

Segundo aliados do governo, foi Queiroz quem apresentou Max Guilherme a Bolsonaro – daí o motivo de seu ressentimento com o ex-sargento. Ele nega. “Max é meu amigo e, se ele está vindo a deputado, eu desejo sucesso. Tem espaço para todos”, disse Queiroz nas redes. O deputado Hélio Lopes, que também é próximo de Bolsonaro e pode disputar a reeleição à Câmara, ficou mudo no telefone ao ser questionado pela piauí a respeito da candidatura de Queiroz. “Sobre a minha candidatura, respondi. Não posso falar de outras coisas”, declinou, após refletir por alguns segundos em silêncio. Queiroz pode dividir o eleitorado de Bolsonaro no Rio? “Não posso falar.” Quando a pergunta foi sobre Max Guilherme, no entanto, as palavras voltaram a jorrar de sua boca. “Esse é um irmão que eu tenho. Ele é candidato? Max é um irmãozão, pô. Para o que ele se candidatar, eu apoio”, declarou Lopes.

As redes sociais de Max Guilherme são dedicadas quase unicamente a elogiar Bolsonaro. No mesmo dia em que Queiroz deu entrevista ao Estadão dizendo que, com o apoio da família presidencial, será o deputado mais votado do Rio, Max Guilherme publicou uma série de fotografias ao lado do presidente com um recado: “O tempo passou, mas a nossa lealdade, amizade e camaradagem só aumentam!!! TMJ [estamos juntos], Jair Messias Bolsonaro.” À piauí, Max desconversou. “Quem disse que sou candidato a alguma coisa? Minha preocupação é com o presidente Bolsonaro. Venho há anos trabalhando com ele por um único objetivo, o melhor para o Brasil”, disse. Sobre Queiroz, Max Guilherme repetiu a estratégia de Hélio Lopes: silêncio.

“É um jogo de vaidade, babaquice”, criticou Ferraz. “Eles não têm um pingo de humildade. O Rio de Janeiro tem 11 milhões de votos. Cada um corre atrás dos seus.” Em que pese o estado fluminense ser o terceiro maior colégio eleitoral do país, o apoio a Bolsonaro não tem se mostrado tão grande assim nas pesquisas de intenção de voto. E não é apenas no Rio que a turma bolsonarista vem se engalfinhando neste começo de campanha.

 

“Está pitoresco. Eu brinco com alguns colegas: os candidatos ao Senado por São Paulo estão chegando em kombis. Devem sair uns quatrocentos”, comentou rindo a deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP). Ela própria é pré-candidata à única vaga de senador em disputa este ano no estado. “Tem um cruzeiro de candidatos ao Senado atracado no litoral paulista. A esquerda vai varrer tudo de novo… Fazer o quê? São mais inteligentes.”

Com mais de 2 milhões de votos em São Paulo, ela se elegeu deputada estadual pelo PSL em 2018 e agora negocia sua entrada no PRTB para disputar um cargo em Brasília. O presidente Bolsonaro – de quem Paschoal foi aliada, se afastou e voltou a se aproximar recentemente (especialmente devido a suas críticas à vacina de Covid-19 para crianças) – não demonstrou apoio a ela. Sinalizou, em vez disso, que pretende lançar ao Senado a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves.

“Eu anunciei [minha candidatura] antes. Não pedi apoio nem aval a ninguém. Quem vier vai ter que me enfrentar”, reagiu Paschoal, em conversa com a piauí. “A política no Brasil não está preparada para mim. Eu não reverencio pessoas. Respeito pessoas, mas discuto ideias, projetos, de igual para igual. Isso é considerado mais que uma heresia.” Numa rede social, a deputada escreveu que, com “a habilidade que Bolsonaro tem para re(unir) a direita”, a próxima legislatura do Senado será “vermelha, para dar sustentação a Lula”. Por causa dessa postura, ela ouviu desaforos. “Se dependesse da sua habilidade, ele [Bolsonaro] estava ferrado faz tempo. Uma pessoa instável, uma pena”, retrucou Max Guilherme.

A disputa pelo governo de São Paulo também divide a base bolsonarista. O presidente lançou na disputa o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Freitas, mas o cargo ainda é cobiçado pelo ex-ministro da Educação Abraham Weintraub. Depois de uma temporada nos Estados Unidos, durante a qual trabalhou no Banco Mundial por indicação do governo brasileiro, Weintraub voltou demonstrando ressentimento pela demissão do MEC. “Uma das frentes em que a gente está sofrendo grandes ataques é justamente da turma do Centrão. É um grande obstáculo que nós, conservadores, estamos passando, sendo substituídos por essa turma”, disse, durante uma transmissão no YouTube. Na ocasião, ele ainda deu a entender que Bolsonaro soube das investigações sobre Queiroz e a rachadinha antes de elas se tornarem públicas, indicando que o presidente teria tido acesso privilegiado à Polícia Federal.

A família reagiu ao ataque do ex-ministro. O deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) escreveu, numa rede social, que “não se trata de dividir/unir a direita, mas separar o joio do trigo. Todo este tempo que nós engolíamos sapos na verdade era a chance para eles [irmãos Abraham e Arthur Weintraub] se corrigirem, mas nada foi feito. Então agora está aí tudo às claras”, afirmou, jogando mais lenha na fogueira.

Um deputado que era aliado do presidente até 2018, mas rompeu com o governo, comemorou com deboche as picuinhas entre bolsonaristas, inferindo que essa disputa os enfraquecerá nas urnas, em outubro. “Não os levo a sério, são um bando de loucos”, disse à piauí, pedindo anonimato para não se indispor ainda mais com seus antigos aliados.

 

As divisões na base bolsonarista começaram ainda nas eleições de 2018. Então candidatos a deputado federal pelo PSL de São Paulo, Alexandre Frota, Joice Hasselmann e Carla Zambelli tornaram públicas suas divergências de baixo calão enquanto disputavam votos. Uma vez eleitos, protagonizaram um racha na bancada do então partido de Bolsonaro na Câmara, o que contribuiu para várias derrotas do governo em votações no plenário. Eduardo Bolsonaro, na época, comprou a briga e tornou-se desafeto aguerrido de Hasselmann, que foi despejada da liderança do governo no Congresso e virou oposição, assim como Frota. Em seguida, Bolsonaro tentou criar um partido próprio para expurgar os supostos “traidores”, mas não conseguiu obter o número de assinaturas exigido pela Justiça eleitoral. Sem partido durante boa parte do mandato, ele acabou se filiando ao PL, partido do Centrão capitaneado por Valdemar Costa Neto, condenado no mensalão.

Alçado a conselheiro político do Planalto, Costa Neto comanda a campanha de reeleição de Bolsonaro junto com o ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, presidente licenciado do PP, outro expoente do fisiologismo que define o Centrão. A colaboração de ambos com Bolsonaro é vista com ceticismo em Brasília. Um deputado do PL afirmou, sob condição de anonimato, que o objetivo de Costa Neto é ampliar a bancada do PL na Câmara, de modo a ter mais poder de negociação e obter maiores repasses dos fundos partidário e eleitoral. “Se ele fizer sessenta deputados e o Lula for presidente, é o plano perfeito”, comentou esse parlamentar. Assim, com Bolsonaro fora do Palácio do Planalto, Costa Neto não precisaria se manter fiel a ele e negociaria com o novo presidente a adesão à base aliada.

São cálculos como esses que geram imbróglios em algumas praças, a começar por São Paulo, onde o PL havia prometido apoio à candidatura de Rodrigo Garcia (PSDB), vice-governador que pretende disputar o Palácio dos Bandeirantes. Como Garcia é aliado de João Doria (PSDB), adversário do presidente, Bolsonaro vetou a aliança, mas políticos do PL em São Paulo veem no tucano uma chance maior de vitória do que em Tarcísio Freitas.

No Piauí, estado natal de Ciro Nogueira, também há confusão entre as siglas. O PL apoia o governador petista Wellington Dias, aliado próximo de Lula. Nogueira pretende lançar um candidato de oposição, mas alguns suspeitam de que ele esteja fazendo vista grossa para interesses contrários vindos de seu partido e do PL no estado, o que prejudicaria Bolsonaro. Ou seja, se o PP negociar bons cargos e orçamentos num governo de oposição a Bolsonaro no Piauí, o que se diz é que Ciro não criará dificuldades.

Ele nega. “O nosso foco agora é a montagem dos palanques estaduais para que o presidente tenha estrutura e possa levar a defesa de tudo que foi feito no governo”, declarou recentemente em entrevista ao site Poder360. Mas vale lembrar que, em 2018, Nogueira criticou o fato de Lula ter sido impedido de se candidatar a presidente contra Bolsonaro. O petista, na época, estava preso em Curitiba (PR). “Considero que deixar Lula fora da disputa é tirar do eleitor um direito de escolha. Eu fico com Lula até o fim”, prometeu à época.

A conta chega, segundo os bolsonaristas mais antigos. “O pessoal oportunista que montou nas costas do Bolsonaro não vai ser reeleito. Porque traíram”, sentenciou Waldir Ferraz.

Assine nossa newsletter

Toda sexta-feira enviaremos uma seleção de conteúdos em destaque na piauí