Branco sai, preto fica
Branco sai, preto fica – bomba explode na cabeça
À primeira vista, poderia parecer que o júri cedeu ao bairrismo e foi condescendente ao premiar Branco sai, preto fica como melhor filme do Festival de Brasília, em setembro do ano passado. O filme, com roteiro e direção de Adirley Queirós, recebeu ainda os prêmios de melhor ator, dado a Marquim do Tropa, e melhor direção de arte. O apelo do filme deve ter sido forte pelo simples fato de ser produzido pelo Coletivo de Cinema em Ceilândia (CECINE) e dirigido por um morador dessa região administrativa do Distrito Federal desde 7 anos de idade. O júri oficial teria jogado para a plateia?
À primeira vista, poderia parecer que o júri cedeu ao bairrismo e foi condescendente ao premiar como melhor filme do Festival de Brasília, em setembro do ano passado. O filme, com roteiro e direção de Adirley Queirós, recebeu ainda os prêmios de melhor ator, dado a Marquim do Tropa, e melhor direção de arte. O apelo do filme deve ter sido forte pelo simples fato de ser produzido pelo Coletivo de Cinema em Ceilândia (CECINE) e dirigido por um morador dessa região administrativa do Distrito Federal desde 7 anos de idade. O júri oficial teria jogado para a plateia?
Dois meses depois, ao ser escolhido para ser o filme de abertura do Forumdoc.bh, recebeu um aval de respeito que, a princípio, sugere mais isenção, desde que não se conheça a verdadeira devoção por minorias, excluídos etc. das mineiras e mineiros do Festival do Filme Documentário e Etnográfico de Belo Horizonte.
Visto pela primeira vez no início de dezembro, pouco depois do Forumdoc.bh, e de novo na semana passada, longe das excitações festivaleiras, fica aquém da expectativa criada pelo rufar dos tambores brasilienses e belo horizontinos. Fica demonstrado ainda uma vez que a importância que podem ter filmes originários de fora da tradicional classe média urbana dos grande centros urbanos não assegura para que a maioria deles consiga ser pouco mais do que esboços bem intencionados.
Da nossa memória fabulamos nóis mesmos.
Essa legenda encerra , no final dos créditos. Espectadores menos atentos nem devem chegar a lê-la. Mas é uma declaração de princípios interessante. Reivindica exclusividade de imaginar a partir da própria memória. Deixando de lado seu aspecto discriminatório e admitindo ao menos certo direito de precedência, ainda assim cabe lembrar que o mais importante não é o inventado mas a maneira de narrar. Pouco importa se a memória é própria ou alheia quando falta capacidade de recriá-la.
é filmado de modo despojado, de maneira geral em planos de conjunto fixos, com pouca decupagem interna da ação – é um dos seus méritos, ao qual se soma a escolha de locações que configuram um espaço realista, ao mesmo tempo contemporâneo e pós-apocalíptico. Chama atenção também a utilização de desenhos, lembrando um storyboard, na sequência do ataque aéreo que exigiria meios técnicos e financeiros fora do alcance da modesta produção.
Onde se revela aquém das loas festivaleiras é na necessidade de ler entrevistas do diretor para entender o filme (qual mesmo seria a missão dada ao personagem Dimas Cravalanças? Colher provas? De quê?). Além disso, a apresentação repetitiva dos personagens, que dura uma eternidade, dilui a autenticidade dos não-atores; soa gratuito situar em 2073 a intenção de “acionar o governo brasileiro na Justiça”, assim como os números musicais caídos do céu; é excessiva a demora em explicitar a origem da revolta que eclode perto do final; e essa revolta é pueril, expressa na cena em que um personagem faz mímica de atirar no “chupa pau do progresso; no governo de 25 prestação; no racista que não vai mudar a cara nunca; na Europa do inferno; na última pintura do inferno”, culminando com o gesto de atirar em direção à própria câmera e, em decorrência, aos espectadores.
E tudo acaba, como não podia deixar de ser, em funk. No caso, Bomba Explode Na Cabeça de Mc Dodô. Ouvido primeiro durante o ataque à Praça do Três Poderes, e logo depois durante ao longo encerramento, o batidão e os versos são alçados a hino da revolta: “Bomba explode na cabeça estraçalha ladrão/ Frita logo o neurônio que apazigua a razão/ Eu vou comprar e com certeza a guerra eu vou ganhar/ Os trutas e as correria(s) vão me ajudar etc.
Difícil é entender como possa ser considerado um documentário, sendo encenado do princípio ao fim. Em entrevista a Camila Moraes que merece ser lida, publicada na versão eletrônica de El País, Adirley Queirós declarou que não queriam fazer um “documentário clássico. Queríamos uma coisa mais próxima do apocalíptico, de uma volta do futuro. Aí surge a ideia da ficção”. Pretendiam fazer ficção, mas supostamente o filme virou documentário por que “os recursos vêm do edital público de Brasília, que financia por ano duas ficções e dois documentários de longa-metragem. Ganhamos na categoria de documentário.” Daí… É uma nova e lamentável maneira de distinguir a ficção do documentário. Quem decide é o edital público, não o roteirista e diretor do filme.
Leia Mais
Assine nossa newsletter
Email inválido!
Toda sexta-feira enviaremos uma seleção de conteúdos em destaque na piauí