Brasil, o grande Maranhão
A eleição e o papel das emissoras de tevê no interior do país durante a campanha
Até as pedras sabem que os políticos controlam meios de comunicação no Brasil para se promoverem. Há mais de duas décadas, ao fim de cada eleição, jornalistas e acadêmicos atualizam os números sobre a bancada dos radiodifusores no Congresso Nacional e identificam os deputados e senadores donos de rádio e tevê. A realidade pouco muda com o correr dos anos.
A explicação mais cristalina para os políticos terem suas próprias emissoras foi dada a mim, em 2016, pelo ex-senador de Roraima Mozarildo Cavalcanti, ele próprio acionista de uma em seu estado. “O papel da tevê é ser uma vitrine para o político ficar em evidência permanentemente. Para mostrar seus pronunciamentos e suas participações em audiências públicas, de forma que pareça mais inteligente e mais bem preparado do que os demais.”
Desde a passagem de José Sarney pela Presidência da República (1985-90), o Maranhão é o exemplo mais evidente do uso eleitoral da mídia. A novidade nesta eleição é que a movimentação começou mais cedo, em 2016, quando o deputado federal Weverton Rocha, presidente estadual do PDT, arrendou a TV Difusora, da família Lobão, e começou a divulgar a candidatura dele ao Senado e a campanha pela reeleição do governador Flávio Dino (PCdoB).
A emissora mudou de comando depois que Edinho Lobão – filho e suplente do senador Edison Lobão (MDB) – foi derrotado na eleição para governador em 2014, e ficou sem a verba publicitária do governo. A assessoria de imprensa do deputado confirmou que ele controla a emissora por meio de uma empresa de sua propriedade, que firmou contrato de promessa de compra e venda assinado com a família Lobão. Este tipo de contrato é a forma usual de arrendamento usado no mercado de radiodifusão.
A Difusora, como definiu Mozarildo, se tornou uma vitrine à disposição de Weverton e de seu principal aliado nesta eleição, Flávio Dino (PCdoB). Para chegar a tal constatação, vi todas as entrevistas dele ao telejornal Bom Dia Maranhão disponíveis no YouTube e somei os tempos de exibição de cada uma. De março a julho deste ano, ele teve uma hora e cinquenta e cinco minutos para discorrer livremente sobre os temas de seu interesse e promover sua candidatura. A emissora e a assessoria do parlamentar atribuem tamanha exposição ao desempenho dele na Câmara.
Algumas entrevistas são acompanhadas de imagens do deputado no Congresso e com vídeos de discursos gravados em eventos partidários. Em uma delas, Rocha libera a entrada na Câmara para uma comitiva de prefeitos e vereadores que tinha ido a Brasília acompanhar a discussão do projeto de lei sobre a criação dos novos municípios, mas acabou barrada na portaria. O deputado passou pelos seguranças e gritou: quem for maranhense, me siga! Na sequência, a tevê mostrou o grupo sendo recebido por Rodrigo Maia.
As aparições se intensificaram a partir de dezembro de 2017, quando o PDT fez uma convenção estadual e anunciou o nome dele para o Senado. O Bom Dia Maranhão exibiu os discursos inflamados em favor de Weverton. Alguns dias depois, ele retornou ao estúdio para fazer um balanço de sua atuação durante o ano e falar da campanha. O entrevistador perguntou: “Como o PDT conseguiu reunir tantas lideranças, estando ainda longe das eleições?” A resposta: “Com diálogo, sem demagogia, mostrando a boa política.”
As principais tevês da capital e, pelo menos, 80% das pequenas emissoras do interior do Maranhão pertencem a políticos. Não é exclusividade daquele estado – vide o exemplo de Roraima, onde as afiliadas da Record e da Bandeirantes pertencem aos filhos do cacique emedebista Romero Jucá –, mas é lá que o fenômeno mais se destaca. A TV Mirante, afiliada da Globo, é da família Sarney (MDB), a TV Cidade (Record) tem o senador tucano Roberto Rocha entre os proprietários, e a TV Maranhense (Bandeirantes) pertence ao ex-deputado Manoel Nunes Ribeiro Filho, que presidiu a Assembleia Legislativa por doze anos.
Desde 2001, a Globo indica os diretores de jornalismo de suas afiliadas, para evitar o uso político do noticiário local. A ingerência começou depois que a TV Gazeta, de Alagoas (da família Collor de Mello), acusou injustamente o então governador Ronaldo Lessa de tramar o assassinato de um coronel e, na sequência, a TV Bahia recusou-se a mostrar manifestações pela cassação do então senador Antônio Carlos Magalhães, proprietário da emissora. Sem poder usar a TV Mirante, a família Sarney concentra sua artilharia no jornal O Estado, de sua propriedade, para promover a candidatura de Roseana e criticar o governador, principal adversário dela no atual pleito.
De 1º a 20 de julho, o jornal deu oito chamadas na primeira página contra Dino, quatro favoráveis a Roseana e uma a favor de Sarney Filho, que concorrerá ao Senado pelo PV. “Governo comunista – uso de programa social é denunciado à Justiça”, dizia a manchete do dia 6, referindo-se a uma reclamação do próprio MDB em relação ao programa “Cheque minha casa” que destina 5 mil reais a famílias desabrigadas pelas enchentes. As palavras “Governo comunista” foram impressas em vermelho.
Já Roseana mereceu as seguintes chamadas de primeira página: “Justiça manda excluir fake news contra Roseana”, “Roseana retoma caravana e visita 11 cidades”, “Roseana faz críticas ao governador Flávio Dino no interior” e “Roseana contabiliza apoios no interior”.
Desde 1994, quando a Folha de S.Paulo me enviou ao estado para a cobertura da campanha que elegeu Roseana governadora pela primeira vez, tenho testemunhado o uso eleitoral dos meios de comunicação pelos políticos maranhenses. Na antevéspera daquele pleito, me deparei com uma cena que nunca se apagou da minha memória. No pequeno povoado de Montevidéu, na Zona Rural de Codó, um grupo de moradores assistia à tevê sentado na praça. Era o único televisor do lugarejo e fora instalado meses antes pela Prefeitura para a população acompanhar os jogos da Copa. Estava ligado no canal da Prefeitura, que retransmitia o SBT. De repente, a programação foi cortada e entrou o ex-presidente Sarney que, por trinta minutos, pediu votos para a filha e ironizou o adversário dela, Epitácio Cafeteira.
Em São Luís, presenciei outro momento inusitado: a edição do jornal O Estado com uma foto de alto a baixo de Roseana na primeira página ao lado de um poema do patriarca para a filha. Não parecia um jornal – embora fosse vendido nas bancas –, mas uma peça publicitária de campanha.
Voltei ao Maranhão nas cinco eleições seguintes e a prática, que agora se repete, continuava a mesma, assim como o cenário rural das quebradeiras de coco em sua labuta pela sobrevivência e dos casebres de taipa. Nem a disseminação da internet mudou o quadro, pois os blogs são também vinculados a grupos políticos.
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