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    Em Glasgow, os governadores João Doria e Renato Casagrande gravam vídeo durante a COP26 Foto: Bernardo Esteves

cartas de glasgow

Cada um por si, vácuo acima de todos

Na ausência de Bolsonaro, governadores brasileiros se articulam na COP26 para levantar recursos para projetos ambientais

Bernardo Esteves | 02 nov 2021_15h41
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“Viva o verde!”, conclamou o governador paulista João Doria, segurando um celular e vestindo uma gravata da mesma cor. A mensagem era a despedida do vídeo que o tucano estava gravando para as redes sociais ao lado do colega Renato Casagrande, mandatário do Espírito Santo pelo PSB. Acompanhado por um séquito de secretários e assessores, Doria havia acabado de participar, junto com Casagrande, de um evento no segundo dia da COP26, a 26ª Conferência do Clima das Nações Unidas, que acontece até 12 de novembro em Glasgow, na Escócia, na qual apresentaram realizações de seus mandatos na área ambiental.

A ida da dupla a Glasgow não é casual: pelo menos outros onze governadores têm presença confirmada na COP26, um recorde na delegação brasileira em conferências do clima. Glasgow será o palco esta semana do lançamento oficial do Consórcio Brasil Verde, uma coalizão que reúne governadores unidos em torno da ação climática. Os mandatários estão articulando ainda um encontro – ainda não confirmado – com o príncipe Charles, herdeiro do trono britânico e defensor de causas ambientais.

Os governadores estão tentando ocupar o vácuo deixado por Jair Bolsonaro, que decidiu não ir à conferência, embora já estivesse na Europa para participar da reunião do G20. O presidente não se ausentou apenas da COP26; com uma política ambiental que levou a um aumento de 47% do desmatamento na Amazônia em dois anos, seu governo afugentou investidores e tirou do Brasil o protagonismo que tinha nas negociações multilaterais sobre a crise climática. Os governadores vieram a Glasgow em busca de recursos de governos e empresas estrangeiras dispostos a financiar projetos de conservação, mas receosos de se alinhar com a gestão de Bolsonaro.

Não é a primeira vez que os governadores se articulam para ocupar o espaço vazio deixado pela falta de ação de Bolsonaro. Algo parecido aconteceu também na gestão da pandemia, quando os mandatários estaduais se mobilizaram para instituir medidas de distanciamento social e comprar vacinas, diante da ausência de uma ação coordenada vinda de Brasília.

“Nós aproveitamos o afastamento do governo federal do tema ambiental e nos organizamos”, disse à piauí Renato Casagrande. “Os governadores não poderiam ficar naturalmente observando. Temos que cobrar o governo federal, mas ao mesmo tempo temos que cumprir nossa tarefa, que é ajudar na fiscalização, cuidar da energia renovável e do reflorestamento.” O capixaba disse ainda que o esforço seria mais efetivo se houvesse uma coordenação central de um governo sensível às questões ambientais. “Poderíamos alcançar ainda mais resultados se trabalhássemos todos juntos.”

No evento, governadores brasileiros marcam presença e tentam levantar recursos para projetos ambientais – Foto: Bernardo Esteves


Casagrande
é o presidente do Consórcio Brasil Verde – Coalizão dos Governadores pelo Clima, que será lançado num evento na quinta-feira, dia 4, durante a COP26. O grupo terá coordenadores dedicados a cada bioma: Doria será o encarregado da Mata Atlântica; Helder Barbalho (MDB-PA), da Amazônia; Ronaldo Caiado (DEM-GO), do Cerrado; Wellington Dias (PT-PI), da Caatinga; Mauro Mendes (DEM-MT), do Pantanal; e Eduardo Leite (PSDB-RS), do Pampa. A iniciativa conta com 25 governadores – os únicos que ficaram de fora foram Marcos Rocha (PSL), de Rondônia, e Antonio Denarium (PP), de Roraima.

 

A criação do consórcio marca a institucionalização de um movimento que teve seu embrião antes mesmo da eleição de Bolsonaro, quando o ainda candidato à presidência acenou com a possibilidade de tirar o Brasil do Acordo de Paris, a exemplo do que fizera Donald Trump nos Estados Unidos. Naquela ocasião, doze estados assinaram um compromisso de honrar as metas assumidas pelo Brasil no âmbito do acordo, mesmo que o país saísse dele. A articulação ganhou fôlego em abril deste ano, quando governadores mandaram uma carta ao presidente norte-americano Joe Biden afirmando seu compromisso com a ação climática. O gesto criou um canal de diálogo com a Casa Branca que culminou em julho com um encontro com John Kerry, representante do governo norte-americano para o clima.

Por trás dessas articulações está o Centro Brasil no Clima, um centro de ação e reflexão em torno da questão climática que está atuando como facilitador do consórcio de governadores – ou como o “óleo na engrenagem” da coalizão, conforme a imagem usada pelo diretor-executivo da iniciativa, Guilherme Syrkis. Em sua avaliação, o discurso antiambiental do presidente Jair Bolsonaro acaba afastando do Brasil muitas oportunidades de negócios, e é em busca delas que o consórcio está trabalhando.

“Hoje o nosso maior problema é a retórica da nossa liderança, que causa uma sensação de impunidade para os crimes ambientais, principalmente em relação ao desmatamento”, disse Syrkis, que é um administrador especializado em políticas públicas. “A pouca curiosidade do Bolsonaro limita muito que ele compreenda como seria benéfico para o país – em termos de imagem e de atração de investimentos – que ele mostrasse que está seriamente comprometido com a política ambiental.”

A coalizão lançada esta semana pode recuperar parte desses investimentos, mas a capacidade de ação dos governadores na geopolítica climática é limitada. O ambientalista Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, lembrou que as COPs são reuniões entre países, e que os governadores não têm poder de negociação. “Por isso eles são menos cobrados, ficam apenas na feira política e não precisam prestar conta das suas ações internas”, disse ele à piauí.

Astrini apontou ainda uma contradição na posição dos governadores que estão em busca de financiamento para projetos de combate ao desmatamento, mas não tomam medidas que estão ao seu alcance para avançar nessa agenda. “Qual é o recurso que os governos estaduais precisam para não desfazer unidades de conservação, para registrar um plano de desmatamento zero, para verificar os registros de ilegalidade e multar quem grila terras no seu estado?”, questionou. “Nenhum. Fica muito difícil você ganhar confiança internacional para projetos futuros se os projetos presentes não são feitos.”

* A hospedagem do repórter em Glasgow foi financiada pelo Instituto Clima e Sociedade.

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