Homem comum CO
Carlos Nader – diretor incomum
Carlos Nader, diretor de Homem comum, exibido em competição no 19º Festival É Tudo Verdade, havia nos regalado o retrato de Waly Salomão, um homem incomum, em seu filme anterior – Pan-cinema permanente –, premiado no 13º Festival É Tudo Verdade, em 2008, como melhor documentário brasileiro.
Carlos Nader, diretor de , exibido em competição no 19º Festival É Tudo Verdade, havia nos regalado o retrato de Waly Salomão, um homem incomum, em seu filme anterior – Pan-cinema permanente –, premiado no 13º Festival É Tudo Verdade, em 2008, como melhor documentário brasileiro.
Agora, Nader nos apresenta Nilsão (Nilson de Paula), depois de ter gravado sua trajetória de vida ao longo de quase vinte anos. Homem comum, o caminhoneiro que Nader conheceu por acaso em um posto de gasolina nada fica a dever ao seu amigo poeta que encenava a própria vida em caráter permanente. Mas enquanto Waly Salomão era indomável, Nilsão é passivo e fica à mercê do diretor. Diferença que parece explicar a dessemelhança entre Pan-cinema permanente e .
É difícil entender o que levou Nader, depois de interagir durante tanto tempo com um raro personagem comum à altura do incomum Waly Salomão, a ter necessidade e se dar o direito de relacionar a vida de Nilsão e sua família a um filme de Carl Th. Dreyer – Ordet (Palavra), de 1955. Procedimento que é abusivo tanto em relação ao caminhoneiro, quanto ao cineasta dinamarquês. E ainda mais incompreensível é Nader ter incluído nesse mix disfuncional um melodrama inglês fake, feito por ele mesmo, para servir de contraponto a Ordet.
Além de cometer a perversidade de mostrar Ordet a Nilsão e sua família, Nader se vale dele para fazer especulações pessoais, além de fazer apropriação utilitária e artificiosa do tratamento realista dado por Dreyer ao sobrenatural, sem conseguir estabelecer elo convincente entre seu personagem, o louco Johannes, de Ordet, e o irmão insano do seu filme b “inglês”.
A extraordinária riqueza de Nilsão parece não ter sido suficiente para Nader. Na tentativa de ir além, ele acaba dilapidando o tesouro revelado por seu homem comum.
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Este post acabou de ser escrito na quinta-feira, 10 de abril, e sua publicação foi antecipada de segunda-feira para sábado, 12 de abril, de modo a anteceder a divulgação dos premiados no É Tudo Verdade.
Apesar de considerar aquém do talento de Carlos Nader, acredito que o filme possa ser premiado, tornando Nader, se não estiver enganado, o primeiro diretor a ganhar duas vezes o Festival. Previsão que talvez pareça contradizer o comentário feito acima. Na verdade, apesar das críticas, Nader demonstra em ser um raro cineasta incomum e só por isso, a meu ver, mereceria ser o premiado.
[Na foto ao lado, Amir Labaki, diretor do Festival, aparece ao lado de Carlos Nader]
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Na abertura do É Tudo Verdade, em 4 de abril, no Rio, foi exibido Tudo por amor ao cinema, de Aurélio Michiles, filme biográfico, baseado em depoimentos e imagens de arquivo, dedicado a Cosme Alves Netto (1937-1996) que, a partir de 1969, foi curador da Cinemateca do Museu de Arte Moderna.
Cosme aparece à esquerda, com um charuto
Remanescente de uma geração de cinéfilos com conhecimento enciclopédico de cinema, Cosme foi capaz de nomear, sem hesitação, o filme ao qual Mário de Andrade se referiu apenas como Guerra, na crônica “Filmes de guerra”, publicada no Diário Nacional, em 6 de março de 1932.
Ao ouvir a leitura do trecho transcrito a seguir, quem seria capaz, hoje em dia, de identificar o filme? “Assim, quando aquele tenente enlouquece no campo de batalha e faz continência gritando ‘Às ordens!’ pra uma invisível Sua Majestade, a cena choca demais.”
Cosme não teve dúvida. Disse na hora: Westfront 1918 (1930), de G.W.Pabst, considerado, na época do lançamento, como sendo de um realismo “quase documental” ao retratar, pela primeira vez na Alemanha, a vida no front e a batalha de trincheiras. Um dos primeiros filmes contra a guerra, Westfront 1918 foi banido na Alemanha, em abril de 1933, pouco depois de Hindenburg nomear Hitler Chanceler.
Para Mario de Andrade, Westfront 1918 (lançado no Brasil, em abril de 1932, com o título “GUERRA! Flagelo de Deus”) “é um filme ingenuamente honesto. Se percebe que ele procurou honestamente reproduzir a realidade. A gente se esquece de arte e de cinema ao vê-lo. Só se lembra disso quando surge raro alguma cena mais… posso dizer violenta porque o filme inteirinho é violentíssimo; mais aberrante do ramerrão quotidiano.”
Anúncio publicado no Correio da Manhã, em março de 1932, diz que se trata da “réplica alemã ao filme ‘Sem novidade no front’ (1929), de Lewis Milestone, apresentando ‘Lares que se derrocam! Esposas que se vendem! Famílias que se dissolvem!’. Segundo a coluna “No Mundo da Tela”, também no Correio da Manhã, para destruir a guerra, “Pabst apenas transformou para a tela o que ela é de fato, sem a auréola da glória, que lhe costumam emprestar. Mas na simplicidade da apresentação do flagelo, reside toda a grandiosidade dos seus filmes.”
Para promover o filme, um tanque se deslocou até a frente do cinema Broadway, na avenida Rio Branco. A notícia descreve o toque de clarim ouvido na hora do maior movimento: “toda as atenções de voltaram para um tanque, um carro de assalto que passava, despertando os mais divertidos comentários. De longe… houve quem se assustasse. Mas o susto passava à proporção que se aproximava o belicoso carro de assalto. Tratava-se de um reclame do cine Broadway para o filme ‘Guerra…’ que estreará hoje.”
Sem a pronta identificação feita por Cosme Alves Netto nos idos de 1992, teria sido mais trabalhoso identificar o filme mencionado por Mário de Andrade, e essa pequena lembrança talvez não tivesse sido possível.
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