Ciência traduzida
Cientistas brasileiros que queiram dar visibilidade à sua produção precisam publicar seus artigos em inglês, por mais que isso indisponha os nacionalistas. O idioma de Newton é a língua franca da ciência. Universidades que pretendem ampliar sua internacionalização estão começando a investir na capacitação dos cientistas para que melhorem sua redação científica. É o caso da Unicamp, que promoveu na semana passada uma oficina com dicas valiosas para seus pesquisadores.
Cientistas brasileiros que queiram dar visibilidade internacional à sua produção acadêmica precisam publicar seus artigos em inglês, por mais que isso indisponha os nacionalistas. O idioma de Isaac Newton é a língua franca da ciência, usada pelas revistas estrangeiras de maior prestígio e até por alguns periódicos editados no Brasil.
Fazer com que mais pesquisadores publiquem em inglês é um desafio para que o país tenha uma participação maior na ciência mundial – atualmente, o Brasil responde por cerca de 2,7% dos artigos publicados em periódicos indexados. Para isso, no entanto, não basta que os cientistas tenham um bom nível de inglês ou que contem com tradutores competentes. É preciso que eles saibam vender seu peixe, ou seja, que atendam às expectativas do periódico em que pretendem publicar, tornem seu texto fluido e atraente e, claro, demonstrem que têm uma contribuição acadêmica original e relevante.
Essas dicas podem parecer elementares, mas ainda são pouco discutidas nas instituições de pesquisa brasileiras. Universidades que pretendem ampliar sua internacionalização estão apenas começando a investir na capacitação dos cientistas para que melhorem sua redação científica. Uma instituição pioneira nesse esforço é a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que desde 2006 mantém o Espaço da Escrita.
Essa iniciativa oferece serviços gratuitos de versão para o inglês e revisão de artigos para docentes, pesquisadores e alunos de pós-graduação indicados por seus orientadores. Em 2010, esse privilégio foi beneficiado pelos autores de 373 trabalhos. Neste ano, 232 artigos já foram submetidos.
No último dia 19, a Unicamp ofereceu uma oficina de redação de artigos científicos em inglês, comandada pela linguista Carmen Dayrell, da USP. O evento era inicialmente voltado para cientistas e pós-graduandos da área de humanas, menos familiarizados com a escrita de artigos em inglês. A falta de quórum acabou permitindo que pesquisadores das demais áreas do conhecimento também participassem.
“O bom escritor é aquele que consegue antecipar as expectativas do leitor”, resumiu Carmen, que no doutorado investigou os padrões de linguagem em traduções de artigos científicos feitas por brasileiros. Entre os erros mais comuns compilados por ela, estão a construção de frases longas, o uso inadequado da voz passiva, a escolha de expressões pouco usuais, geralmente traduzidas do português, problemas de pontuação e o emprego inadequado dos artigos (o artigo definido é usado onde não deve e os artigos indefinidos a/an nem sempre aparecem quando são necessários). Outro erro típico, cometido sobretudo por autores novatos pouco familiarizados com a publicação científica, é o “corta-cola” de trabalhos de fim de curso, monografias, teses ou dissertações para a composição de um artigo.
Uma dica preciosa que Carmen deu durante a oficina foi a do Corpus of Contemporary American English (Corpus de inglês americano contemporâneo), uma excelente ferramenta para lapidar artigos escritos em inglês. Esse software gratuito identifica termos comuns na literatura científica em inglês, a partir de buscas numa base de artigos científicos de várias áreas. Com isso, ele permite evitar erros comuns que costumam trair a pouca familiaridade do autor com a língua inglesa.
O software permite, por exemplo, confirmar que é possível dizer “hot debate” quando se tem em mente um “debate acalorado”. Para o autor que gostaria de encontrar um verbo mais refinado que “to use” para se referir à metodologia adotada, ele oferece uma rica gama de opções – melhor usar “to apply” ou “to employ“, entre muitas outras possibilidades. Vale a pena visitar o tutorial do programa, que amplia muito suas possibilidades de uso.
Outro software útil é o AZEA (sigla para “Classificador automático de resumos escritos em inglês”), desenvolvido para ajudar a estruturar resumos dos artigos. Quando se submete um texto ao programa, ele aponta os principais elementos que o resumo deveria conter e indica possíveis fragilidades. A análise não é exata como um cálculo, mas chama a atenção do autor para sutilezas importantes na composição de um abstract.
A oficina frisou a importância de os pesquisadores se familiarizarem com os termos mais comuns em suas áreas de atuação. Um bom exercício para se desenvolver essa capacidade é analisar artigos de referência de autores consagrados naquela área. Essa avaliação dá pistas importantes sobre a terminologia e a composição do artigo.
Ao final da oficina, ficou a sensação de que, para escrever bem em inglês, é preciso muito mais do que simplesmente dominar esse idioma – habilidade que não costuma ser problemática para muitos cientistas. Para tanto, é fundamental dominar o gênero literário acadêmico, o que exige muita prática e a familiaridade com técnicas específicas.
A Unicamp não é um exemplo isolado na preocupação com a capacitação dos cientistas para escrever em inglês. Outras instituições têm promovido cursos e oficinas, e há livros e manuais lançados sobre o tema.
Para que o Brasil ganhe mais destaque no panorama da ciência mundial, é fundamental que uma cultura de redação científica seja incorporada desde a graduação, como se faz em muitos países de maior tradição científica. Nesse exercício, os futuros pesquisadores poderão desenvolver um olhar mais crítico sobre a construção do conhecimento científico, fundamental para que eles possam competir de modo mais igualitário com os autores de países desenvolvidos.
Germana Barata é jornalista. É editora-assistente da revista Ciência & Cultura e pesquisadora do Labjor/Unicamp.
Foto: Ian Ransley Design + Illustration (CC 2.0 BY)
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